Por Pete Foster
Traduzido por Giovanna Chinellato (da Redação)
Se você acredita que animais selvagens não pertencem a jaulas, então que fique avisado: nunca visite uma fazenda de ursos chinesa – o fedor pútrido de musgo, fezes e urina atinge suas narinas antes de chegar à entrada, e isso é apenas uma preparação limitada para as mentiras que vivem por trás das portas de um prédio deteriorado em Weihai, uma cidade na costa lesta da China.
Da escuridão, 10 pares de pesarosos olhos marrons, cada um pertencente a um urso asiático espremido em uma jaula não muito maior do que ele próprio. Deitados sobre uma grade de aço, muitos por décadas sem fim, os ursos têm seus fígados perfurados pela bile que é usada como “cura” para tudo – de ressaca a hemorroidas – por praticantes da medicina tradicional chinesa.
Eles têm um semblante dolorido, mas felizmente é o dia em que esses ursos (estima-se que ainda existam outros 10 mil enjaulados na China) começarão uma nova vida. Tudo graças à entidade britânica Animals Asia, que tem feito campanhas por mais de 20 anos para acabar com a indústria de bile.
Um a um, os ursos são anestesiados e carregados para a luz do dia para serem inspecionados por Heather Bacon, a veterinária chefe da entidade. Todos estão em condições miseráveis, com pus e uma bile inoportuna escorrendo de buracos infectados em seu abdômen. Muitos têm unhas encravadas como resultado de anos a arranhar nada além de seus próprios corpos.
O time de resgate dá a cada urso um nome e um número. Aquela é Monkey, uma fêmea jovem com orelhas de Minnie Mouse cujo nome logo vem acompanhado da palavra “cheeky” (atrevida). Aquele é o ameaçador Rocky, um indivíduo de 280 kg que foi mandado à fazenda depois de matar seu tratador no zoológico. Ele compulsivamente joga a cabeça para a frente e para trás.
Oliver é um urso indiferente, com olhos remelentos, cabeça do tamanho da de um leão, que dizem ter 30 anos. Suas pernas deformadas, atrofiadas pelas três décadas vivendo numa jaula, são grotescamente desproporcionais para sua enorme massa corporal.
“Ele precisará de cirurgia para remover sua vesícula biliar quando voltarmos ao santuário”, diz Bacon enquanto espera Oliver acordar do anestésico antes de ser colocado no caminhão, “e teremos que consertar seus dentes, que estão tortos até a gengiva. Dadas sua idade e condição, ele definitivamente precisa de atenção especial.”
Ding Wenling, a irmã do dono da fazenda, observa em silêncio. Ela parece sombria. Sentirá falta dos ursos? Talvez, mas os chineses não antropomorfizam os animais como fazem aqui no ocidente. Apesar disso, ativistas na China dizem que a preocupação pública com o bem-estar animal vem aumentando muito nos aos últimos cinco anos.
Depois de alguns incentivos gentis, Oliver acorda de sua soneca induzida com um rugido de Harley-Davidson e é acomodado no caminhão para uma viagem de três dias, 1.500 milhas, até o Moon Bear Sanctuary para aproveitar o tempo que ainda lhe resta.
O santuário em Chengdu, China central, representa a ambição de vida de Jill Robinson, uma amante de animais de Nottingham que visitou uma fazenda de bile em 1993 e desde então devota sua vida a fechar a indústria. Aproximadamente 17 anos, um MBA e incontáveis prêmios de conservação, ela é o leme da entidade que movimenta mais de sete milhões por ano para resgatar ursos como esses, divulgando e fechando fazendas de bile, o que é ilegal na China.
A estrada é longa. Apesar de o número de fazendas de ursos na China ter diminuído de 480 na década de1990 para 68 hoje. A Animals Asia estima que o número total de ursos sendo engaiolados talvez tenha aumentado graças à consolidação da indústria em superfazendas gigantes.
Menos de 12 horas em nossa jornada e Bacon se preocupa com a condição frágil de Oliver. Depois de comer algumas frutinhas, ele foi descarregado. Ele está deitado de lado respirando profundamente, babando e não mostrando interesse aos marshmallows na ponta de seu nariz, ofertados através das grades de sua gaiola de viagem. Para Robinson, que fala de ursos como uma mãe de um filho, é um momento difícil. “Ele é um urso velho, que teve uma vida dura; provavelmente estamos olhando para um urso sacrificado agora”, ela disse. “Não parece justo deixá-lo tão perto da liberdade e falhar em torná-la real.”
Bacon decide que Oliver não morrerá sem a cirurgia e toma a decisão de operá-lo. O comboio é direcionado para um hospital provincial próximo, com intuito de conseguir uma bolsa de oxigênio necessária para auxílio com o anestésico. A polícia local providenciou uma escolta, com sirenes alarmantes.
Uma hora depois, com o caminhão na unidade de operações estilo Mash, Bacon vê a vesícula de Oliver ser removida. Contra as expectativas, seus sinais vitais se estabilizaram logo depois de o órgão que lhe causou tanta dor finalmente ser removido.
Os médicos chineses se reúnem em volta para assistir, maravilhados com o fato de os equipamentos serem usados com um urso, que está ao final de sua vida, mas Robinson não tem dúvidas de que o tempo, esforços e dinheiro valem a pena.
“Você pode se perguntar por que me preocupo com ursos nessa idade”, ela disse. “Mas, afinal, ele sofreu muito nos últimos 30 anos, acho que lhe devemos um dia de sol, mesmo que não dure muito.”
Fonte: Telegraph