Desde que o casal de ursos polares Aurora e Peregrino foram apresentados à imprensa brasileira, passaram a ser destaque na TV, nos jornais e nas revistas, que trataram de divulgar a ‘pauta’ que lhes foi apresentada, sem quaisquer outros questionamentos.
A divulgação de que da Rússia até o Brasil, os ursos polares não foram sedados e foram transportados em um ‘compartimento especial refrigerado’ chamou a atenção de diversos ativistas em defesa dos animais.
Esse compartimento, poderia ser usado para salvar Arturo, o urso polar mais triste do mundo, de morrer de calor na área do deserto Cuyo, onde fica o Zoo de Mendoza, na Argentina.
As autoridades argentinas em resposta ao clamor mundial por Arturo, respondeu que ele não seria transferido porque não podia ser sedado. E foi em busca do ‘compartimento refrigerado para transporte de urso polar’, que ativistas do Brasil, da Argentina, e do Canadá saíram em busca de informações, afinal o ‘container’ havia passado por três grandes aeroportos em três países diferentes, em plena época do natal de 2014 sem que ninguém percebesse – nem funcionários dos aeroportos e nem a imprensa internacional, já que nenhuma foto ou vídeo do ‘transporte dos ursos polares’ foi divulgado.
A busca da salvação para o urso polar Arturo, chegou até a cidade de Kazan, local de onde teriam vindo Aurora e Peregrino. Entretanto as informações que chegavam de lá, pareciam não fazer sentido com as informações divulgadas no Brasil – afinal o casal não vivia no Zoo de Kazan, conforme havia sido noticiado no país.
Mas então de onde vieram e como viviam os ursos polares Aurora e Peregrino?
A resposta não era assim tão simples, e veio composta de fotos, vídeos, reportagens e links, que nos permite ter uma pequena visão de como o termo ‘preservação’ tem sido usado em detrimento da real situação em que vivem e morrem os ursos polares.
Aurora a ursa polar, não nasceu em cativeiro conforme divulgado em uma nota de esclarecimento do Aquário de São Paulo:“…Estes ursos polares especificamente, não foram tirados na natureza. Aurora e Peregrino nasceram em cativeiro e viviam em um espaço muito pequeno em outro zoológico.”
A ursa polar Aurora e sua irmã Victória nasceram livres no meio selvagem, numa região da Sibéria que faz parte do Circulo Polar Ártico. Em maio de 2010, a imprensa internacional divulgou o fato de que as duas filhotes de urso foram encontradas sem a mãe, que provavelmente havia sido morta por caçadores, e omitiu o fato de que a região onde elas foram encontradas é rica em fazendas de peles de animais, bem como da extração de petróleo e minerais, que causa a perda de habitat e de alimentos para esses animais.
Notícias sobre a matança de ursos polares adultos não costumam ser publicadas pela imprensa, mas quando os filhotes órfãos são retirados da natureza e enviados aos zoológicos, passa a ser noticiado como se os filhotes fossem resgatados por esse ou aquele zoo.
Aurora e Victória foram então ‘resgatadas’ em 13/05/2010, por pescadores no lago Taymyr. Ambas tinham diversos ferimentos de mordidas de outros animais, e foram levadas em um pequeno avião para a cidade de Krasnoyarsk, para o Zoológico Royev Ruchey, onde foi estimado que elas tinham em torno de 4 meses de idade.
Com poucos meses de vida, ao ser retirada da natureza, Aurora após o trauma de perder sua mãe e seu habitat, foi também retirada do convívio com sua irmã para ser enviada a um outro zoológico.
Em dezembro de 2011, Aurora chegou ao zoo de Udmurtia na cidade de Izhevsk, onde conheceu o urso polar Peregrino, que lá vivia desde abril do mesmo ano.
Peregrino é neto do casal de ursos polares Yukon e Amderma, que como Aurora tinham nascido livres no meio selvagem. O filho do casal, chamado de Permjak, se tornou pai de Peregrino que nasceu em 7 de dezembro de 2009 no zoo de Kazan, onde Permjak morreu com apenas 11 anos de idade, exatos 19 dias após o nascimento do filhote, que havia recebido o nome de Pim.
Depois com apenas um ano de vida, Peregrino foi tirado dos braços de sua mãe Maleishka, e levado para um zoo na cidade de Novosibirsk, e depois de 12 meses foi novamente transferido para outro zoo, dessa vez na capital da Rússia. E depois de 15 meses, saiu de Moscou e foi transferido para Izhevsk, onde passou 9 meses sozinho.
E foi nesse período que o zoológico de Udmurtia organizou o concurso para a escolha de um novo nome para o filhote de urso polar. As regras eram que o nome deveria ter as iniciais do nome de seus pais ‘P’ e ‘M’. E Pim virou Pilgrim que em língua portuguesa significa Peregrino.
O casal Aurora e Peregrino pareciam ter sidos feitos um para o outro. Os dois tinham a mesma idade, e ambos sofreram muitas perdas de entes queridos, e entre idas e vindas para locais que eles não conheciam, poderiam agora juntos tentar esquecer os traumas do passado e aproveitar a piscina de 500 m³ do Udmurtia.
Em setembro de 2013, o serviço de imprensa do local, divulgou uma nota dizendo que haveria uma grande festa de casamento para os ursos polares. A mensagem dizia que a Aurora e Peregrino, juntos há 3 anos, estavam se preparando para o nascimento do primeiro bebê.
Aparentemente o bebê de Aurora nasceu morto, ou morreu depois de nascer. Entretanto meses depois numa reportagem detalhada sobre como viviam os animais do zoo, a declaração da responsável pelos ursos polares Irina Fedorova chamou a atenção. Segundo ela Peregrino foi colocado para ficar num recinto separado de Aurora: “Quando separamos Aurora do urso polar Peregrino, ele tentou demolir a grade que dividia os recintos”. Isso demonstra o quanto o casal está ligado e depende um do outro.
E foi no Zoo de Udmurtia que os ursos polares Aurora e Peregrino viveram todos esses anos até serem enviados para o Brasil.
No dia 18 de dezembro, o casal de ursos polares partiu da cidade de Izhevsk até Moscou, onde eles tiveram que passar uma noite no aeroporto Domodedovo até entrarem no voo para Londres, e de lá é que voaram para São Paulo, onde chegaram no dia 22 de dezembro de 2014.
Curiosamente, não houve nenhuma cerimônia de despedida dos animais. A única referência que dois ursos polares saíram voando da Rússia para o Brasil foi a nota emitida pelo Aeroporto em Moscou, informando que em 2014, o número de cargas vivas chegou a 5.500 animais: “Menos frequentemente entre os ‘passageiros’ foram vistos também animais exóticos: Lhama, antílope, avestruz, búfalo, canguru, filhotes de leopardo das neves, bem como dois ursos polares, enviados para o Brasil.”
Todo o translado dos ursos polares que poderia render várias manchetes pelo mundo na época, devido à espécie e à logística envolvida, mas a imprensa internacional e nacional durante quatro meses não divulgou uma linha sequer, nenhuma foto e nenhum vídeo.
Na mesma semana que a imprensa brasileira deu destaque aos ursos polares no aquário, a mídia internacional noticiou a morte do urso polar Taco aos 18 anos de idade, ocorrida num zoo do Chile, e que também não foi divulgada pela mesma imprensa que se dedicava ao parque marinho.
O drama dos Ursos Polares
Toda essa movimentação dos filhotes de ursos polares é taxada pelos especialistas de “preservação” – que significa: ação de se conservar o que já existe, e procurar levar o que esta se conservando o mais próximo da realidade, e impedir que se destrua.
O que chama atenção é o fato de que esses especialistas, mesmo sem ter onde hospedar novos filhotes, não levam em consideração nem o básico que é o tempo de amamentação desses animais.
– Na natureza os filhotes de ursos polares costumam ficar com suas mães em torno dos 2/3 anos de idade.
– Na natureza a idade de acasalamento dos ursos polares é em torno dos 6/7 anos. Como os humanos na adolescência eles tem a capacidade de se reproduzir antes, mas não o fazem naturalmente.
– Na natureza a neve não é um brinquedo para o urso polar. Tal como os elefantes que usam a terra para hidratar sua pele, os ursos polares usam a neve para secar seus pelos. A grossa camada de gordura que aquece e protege os ursos polares do frio, transforma a neve próxima a pele em água. Quando se sentem molhados, ou depois de um mergulho os ursos polares se esfregam na neve para que ela absorva gradualmente a água de seus corpos.
O aquário de São Paulo anda divulgando que existe uma possibilidade da ursa polar Aurora estar grávida. Nos parques marinhos e zoos, além do fato de raramente as fêmeas darem à luz mais de um filhote, a incidência de casos nos quais os bebês são rejeitados pelas mães chega a 80% do número de nascimentos. No entanto os “especialistas” continuam a procriar animais sem instinto próprio – o que na prática é como lhes tirar a alma e a vontade de viver.
Além de São Paulo, mais estados prometem esbanjar a água que falta na torneira dos brasileiros. Mais três parques marinhos estão sendo construídos no Rio de Janeiro, no Mato Grosso do Sul, e em Fortaleza. O dinheiro para a construção vem de várias fontes; como do próprio governo, dos empresários e de empresas privadas como a Coca-Cola, que está na mira dos ativistas internacionais devido a rumores de que ela patrocinaria a vinda de mais ursos polares para serem exibidos já nas Olímpiadas de 2016.
Diante da série crise de água, que é a fonte da matriz elétrica brasileira, estão sendo construídos enormes parques marinhos. Se as autoridades brasileiras não conseguem garantir o abastecimento de água e eletricidade para os humanos, o que acontecerão com os animais não humanos que estão sendo trazidos para o Brasil, e que também dependem da água e da eletricidade do ar condicionado para poderem sobreviver?
Mas afinal o que estamos preservando?
Arturo, o urso polar mais triste do mundo já foi jovem como Peregrino, e como ele, com o passar dos anos foi enviado a outro zoo para procriar, e o resultado foi que sua companheira Pelusa teve 8 filhotes que nasceram mortos ou morreram no cativeiro. Em 2015 Arturo completa 30 anos. Como Peregrino ele foi retirado dos braços de sua mãe, nunca soube como era seu habitat natural, nunca caçou – e há muitos anos, alguns seres humanos se empenham em preservar seu sofrimento.
Arturo está cego, sofre de artrite e de calor, e mesmo com todos os apelos mundiais, sua situação continua a mesma.
Talvez o interesse dos especialistas seja somente o de preservar o DNA do urso polar – porque mesmo que amanhã conseguíssemos reduzir a emissão dos gases responsáveis pelo aquecimento global, que causa o derretimento das calotas polares, os ursos polares continuariam a morrer de fome nos próximos meses, porque não existem estimativas de tempo para a recomposição do gelo no círculo polar ártico.
Santuários para ursos polares
A questão sobre a retirada de filhotes órfãos de ursos polares da natureza, que são enviados aos zoológicos e parques marinhos, acontece nos 5 países que compõem o Ártico. Isso porque ainda não existe no mundo, nenhum santuário onde os filhotes de ursos polares possam ser cuidados e reintegrados à natureza.
O Fundo Internacional para o Bem-Estar Animal (IFAW), que tem um santuário para ursos negros de acolhimento e reintrodução à natureza, foi contatado para sugerir formas de coibir que outros órfãos de urso polar, como Aurora, se tornassem propriedade de zoológicos e parques marinhos, e que depois acabassem sendo transladados ao redor do mundo, durante sua vida.
A resposta do IFAW foi que encorajássemos o governo russo a criar santuários para os órfãos. Quem quiser colaborar com os órfãos envie mensagem ao Presidente Vladimir Putin, através do twitter @PutinRF_Eng com as hastags #PolarBearSOS #NoMoreZoos #EmptyTheTanks.
O Fundo Mundial para a Natureza (World Wide Fund for Nature – WWF) , e o Greenpeace, possuem várias campanhas e projetos no Ártico, mas nenhuma dessas entidades possui um centro de reabilitação de ursos polares órfãos, e nem projetos para alimentar os ursos polares que estão morrendo de fome.
Os seres humanos sempre foram os únicos predadores dos ursos polares. O dinheiro gasto para ver animais cativos é o mesmo dinheiro que pode ser usado para manter os animais vivos na natureza.
Nota: O dossiê em forma de blog com as informações sobre Aurora, Peregrino e dos ursos polares, só foi possível de ser escrito graças à colaboração dos ativistas Soy Pipi da Argentina, Dawn W. Flann do Canadá, Vlad Latka da Rússia e Marli Delucca do Brasil.
Fonte: Urso Polar Aquário