Iluminação artificial, ruídos, perda de hábitat, aumento da temperatura e choques em vidraças são alguns dos muitos impactos já conhecidos decorrentes da urbanização sobre a vida das aves. Sabe-se que ela é o principal vetor da perda de biodiversidade entre esses animais. Mas é possível quantificar exatamente como a ampliação de centros urbanos perto de fragmentos florestais prejudica os pássaros?
Para responder a essa pergunta, um grupo de pesquisadores investigou como diferentes níveis de urbanização afetam 126 espécies de aves, de 41 famílias, encontradas em nove fragmentos florestais de Mata Atlântica, no entorno de João Pessoa (PB). Essas áreas, todas reservas de proteção, incluindo algumas unidades de conservação, variam entre 14 hectares e 1.058 hectares.
O estudo, divulgado em um artigo científico no jornal Global Ecology and Conservation, analisou o impacto tanto sobre espécies florestais como aquelas generalistas, chamadas dessa maneira porque ocorrem em diferentes tipos de ambientes e conseguem se adaptar mais facilmente a eles. Espécies assim, como sabiás (Turdidae) e bem-te-vis (Pitangus sulphuratus) são mais comumente avistadas mesmo em meio ao barulho e à poluição das grandes cidades.
Os pesquisadores usaram dados coletados em campo sobre a quantidade de espécies observadas durante o período de um ano (2014 a 2015), além de imagens de satélite. O resultado do levantamento revelou que, quando a urbanização no entorno de áreas florestais atinge entre 20% e 40% já ocorre uma diminuição de 50% no número de espécies de aves registradas nesses locais.
“Essa é uma perda abrupta de espécies”, afirma Bráulio Santos, professor do Departamento de Sistemática e Ecologia da Universidade Federal da Paraíba e autor principal do estudo.
E urbanização significa qualquer terreno que foi pavimentado. Mesmo pequenas chácaras ou granjas já contam e impactam as aves, porque a floresta nativa foi substituída”.
Impacto sobre todas as espécies
O que se mostrou ser a maior surpresa para os biólogos envolvidos na pesquisa, entretanto, foi descobrir que todas as espécies de aves estudadas sofrem com a expansão de centros urbanos adjacentes a seus hábitats – sejam as generalistas, como a ararimba-de-cauda-ruiva (Galbula ruficauda) e o bico-de-lacre (Estrilda astrild) ou as florestais, como a marianinha-amarela (Capsiempis flaveolae) e a rendeira (Manacus manacus). A expectativa inicial é que as primeiras não se mostrariam tão vulneráveis quantas as primeiras. Entretanto, isso não se provou verdade.
“Independentemente das características das espécies, ambas são prejudicadas quando se sai de uma paisagem pouco urbanizada para aquelas altamente urbanizadas”, diz José Carlos Morante Filho, professor do Departamento de Ciências Biológicas da Universidade Estadual de Santa Cruz, em Ilhéus (BA), e coautor do artigo.
Áreas urbanas são muito mais inóspitas para a maioria das espécies animais, não somente para as aves. É um ambiente de concreto e muito poucas espécies conseguem se habituar a ele”.
Apesar de o estudo ter sido realizado na área metropolitana de João Pessoa, segundo seus autores, ele pode ser extrapolado para outras regiões. Nada menos do que 70% da população brasileira vive em alguma área antes coberta pela Mata Atlântica, onde estão as maiores cidades do país – ainda existem estimados 24% do bioma original, sendo que apenas 12,4% são florestas maduras e bem conservadas, de acordo com a Fundação SOS Mata Atlântica.
Morante Filho ressalta, todavia, que é importante lembrar que a perda de espécies não deve ser o único parâmetro para o planejamento de ações de proteção da biodiversidade. “Ela é uma medida muito fácil para a implementação de estratégias, como a criação de unidades de conservação. Contudo, só a diminuição de espécies não indica necessariamente que uma comunidade pode desenvolver todos os seus processos ecológicos e ser resiliente a futuras perturbações”, alerta.
Por isso mesmo, os cientistas avaliaram ainda outros dois fatores biológicos importantes das aves: suas diversidades funcional (diferentes traços ecológicos associados às funções exercidas por cada espécie) e filogenética (grau de parentesco entre as espécies baseado nas suas histórias evolutivas).
Apesar de o estudo ter apontado que há uma queda no número de espécies existentes nesses fragmentos florestais examinados, os demais aspectos não apresentam impactos. Ainda.
“Essas diversidades estão mantidas, mas até um certo ponto. E a gente não sabe até quando. Imagina que você está desmontando um avião e vai arrancando os arrebites. Não há como saber qual arrebite será tirado e você não conseguirá mais voar”, exemplifica Santos. “Estamos construindo buracos nessa árvore evolutiva. É como se estivéssemos fazendo mais buracos em um queijo suíço. A forma dele é mantida, mas ele está se tornando oco.”
Restauração e criação de áreas de amortecimento à urbanização
É impossível retroceder no tempo e impedir a derrubada de florestas que foram transformadas em áreas urbanizadas. O que se deve, a partir de agora, recomendam os autores do artigo, é desenvolver estratégias para tentar minimizar o enorme impacto que elas possuem sobre a biodiversidade.
Entre as sugestões, estão a implementação de corredores ecológicos ligando trechos de florestas próximos, a reintrodução de espécies e a revisão de planos diretores para que a expansão urbana aconteça em áreas já degradadas.
Outra recomendação é a criação de cinturões de proteção ao redor dessas florestas fracionadas, como áreas de cultivo da alimentos ou praças urbanas.
“Existem muitas reservas criadas mais recentemente onde isso pode ser discutido. Há diversos fragmentos florestais em zonas mais periféricas que são pouco urbanizados e, com um planejamento melhor e antecipado, podemos impedir que novas construções sejam coladas a eles”, destaca o professor da Universidade Estadual de Santa Cruz.
Fonte: Fauna News