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ANTROPOCENTRISMO

Uma reflexão sobre a invasão humana na natureza: existe ataque de tubarão?

7 de março de 2023
Paulo Guilherme "Pinguim"
10 min. de leitura
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Foto: Ilustração | Freepik

Já mergulhei algumas vezes com tubarões em águas brasileiras e águas internacionais. Não tanto quanto eu gostaria e nem com todas as espécies que eu tanto quero ver. Em Fernando de Noronha já fui atrás de uma tubarão-limão de mais de dois metros e grávida, sendo chamado depois de maluco pela guia do mergulho. Em outra vez já estive rodeado por 7 tubarões-bico-fino. Nunca tive nenhum problema, incidente ou acidente com estes magníficos animais. Quem dirá ataques então. Ainda quero, e muito, mergulhar com tubarões brancos, martelos e cabeça chatas. E sem jaulas.

Já morei em Recife quando criança (é, fazem mais de 40 anos já…) e justamente no prédio atrás do Castelinho, onde vez por outra ouvimos uma notícia sensacionalista sobre tubarões, nitidamente querendo fazer ibope pelo medo e terror falsificados. Quando criança, em Recife, nadava e passava da arrebentação sem problema, medo ou stress nenhum. Recife pode até ser um caso à parte. Lá foi criada a entidade oficialmente pelo estado em 2004 para estudar o acontecido por lá, o CEMIT: Comitê Estadual de Monitoramento de Incidentes com Tubarões.

INCIDENTES…

Ataque quem dá é terrorista, ex-namorado(a), chefe….

Recentemente li um artigo com o qual concordo e sempre tinha pensado em escrever sobre o tema: não existe ataque de tubarão, existe incidente com tubarão. Pedi então ajuda à Flávia Petean – Bióloga e Mestra em Zoologia – para traduzir e comentar o artigo e aqui vamos nós!

O website UnderWaterTimes.com publicou um texto comentando o artigo “Science, policy, and the public discourse of shark “attack”: a proposal for reclassifying human–shark interactions” (“Ciência, política e o discurso público do ‘ataque’ de tubarão: uma proposta para reclassificar as interações entre humanos e tubarões”) do “Journal of Environment Studies and Sciences”. Download do artigo aqui.

Adicionando-se informações ao que foi exposto, ataques de tubarões a humanos não são um fenômeno recente. Os primeiros registros datam da Grécia Antiga, por volta de 500 a.C. Mais recentemente, apesar do impacto da pesca nas populações de tubarões, o mundo tende ao uso recreacional mais intenso de águas marinhas, o que ampliou as chances de interações entre humanos e tubarões e resultou no aumento do número total de ataques. Após a II Guerra Mundial houve uma expansão gradual dos ataques, além de sua relevância militar por estarem relacionados aos desastres aéreos e marítimos durante a guerra, fazendo com que o U.S. Office of Naval Research (Centro de Pesquisa Naval dos Estados Unidos) estabelecesse um Arquivo Internacional de Ataques de Tubarões, em 1958. Atualmente, esse arquivo está depositado no Museu de História Natural da Flórida, na Universidade da Flórida, sob os cuidados da Sociedade Americana de Elasmobrânquios (Hazin et al., 2008).

A expressão “ataque de tubarão” é comumente usada pela mídia, oficiais governamentais, pesquisadores e público em geral para descrever praticamente qualquer tipo de interação humano-tubarão – mesmo quando não há contato ou ferimento entre os mesmos (UnderWaterTimes.com).

Cristopher Neff, da Universidade de Sydney, Austrália, e Dr. Robert Hueter, líder do “Mote Marine Laboratory’s Center for Shark Research”, em Sarasota, Flórida – o único centro nacional de pesquisa designado pelo Congresso dos Estados Unidos cujo foco são os tubarões – propuseram um novo sistema de classificação para ampliar a precisão de relatórios científicos sobre interações com tubarões, assim como discussões públicas mais corretas sobre os riscos dos tubarões a nadadores e mergulhadores (UnderWaterTimes.com).

No estudo, os autores analisaram estatísticas de tubarões ao redor do planeta e perceberam que a expressão “ataque de tubarão” era enganosa em vários casos. Por exemplo, um relatório governamental de 2009 de New South Wales, Austrália, documentou 200 ataques de tubarões – porém, 38 desses não envolviam ferimentos a pessoas. Na Flórida, geralmente chamada de “Capital do Mundo de Ataques de Tubarões” devido ao número de ataques de tubarões relatados, somente 11 mordidas fatais foram registradas nos últimos 129 anos – um número menor que várias outras localidades no mundo e infinitamente menor que as mortes causadas por outros eventos naturais, como afogamento e raios (UnderWaterTimes.com).

O aumento do perigo a mergulhadores está relacionado às grandes distâncias da costa que eles frequentam, se comparados a banhistas. Dos 115 casos em que havia dados disponíveis no ano de 1974, 43% das vítimas estavam a mais de 1,6 km da costa (Baldridge, 1974).

Há indícios no Arquivo Internacional de Ataques de Tubarões de que as vítimas mergulhadoras tenham encorajado o ataque do tubarão por provocarem animais aparentemente dóceis. Dos 190 casos com informações suficientes disponíveis, 43 mergulhadores (23%) foram considerados como tendo provocado o ataque; sendo um aumento de 9% em relação aos ataques em geral (Baldridge, 1974).

Ok, aqui eu sou obrigado a entrar e comentar… Não se importuna moréias, baiacús, peixes, caranguejo aranha e nenhum outro animal. Primeiro pelos próprios direitos animais a viverem a sua vida e não estarem lá para servirem de entretenimento para outra espécie animal, no caso a humana. E ainda mais cutucar e provocar um tubarão… meus amigos, me pedoem o que vou falar mas: pediram né? Cutuca o animal ele reage (REAGE, não é ele age e ataca é ele REAGE) e aí pronto… mais estatística para o lado negro.

A maioria dos ataques a seres humanos pode não ser motivada por fome, mas podem ser encontros defensivos ou ofensivoagressivos. Até espécies inofensivas, como o tubarão lixa, são conhecidas por ataques quando há uma aproximação muito grande. As motivações que levam ao ataque incluem interferência com o comportamento reprodutivo, ameaça ao tubarão pelo ser humano ou invasão do território do animal (Bres, 1993).

Apesar do intenso uso recreacional das praias de Recife, PE, desde 1950, exceto por alguns relatos não confirmados de ataques de tubarões, não há registros desses acidentes na área até 1992. Porém, de junho de 1992 a setembro de 2006, foram registrados 47 ataques, incluindo 17 mortes. Todos os ataques aconteceram ao longo de uma faixa de 20km de litoral (Hazin et al., 2008).

Uma possível causa para o surto de ataques de tubarões pode ter sido a construção de instalações portuárias, o Porto de Suape, situado ao sul de Recife e no estuário do Rio Jaboatão. Áreas portuárias são geralmente conhecidas por terem um maior risco de ataques de tubarões. Antes da construção, quatros rios convergiam para a Baía de Suape. Após finalizada a construção do porto, dois rios tiveram suas conexões com o mar interrompidas por aterros, que resultaram em alagamentos periódicos dos campos agricultáveis. Para solucionar esse problema, o governo demoliu parte do recife de corais. Essa medida aliviou os alagamentos, mas teve efeito na acessibilidade para os tubarões, pois a abertura era muito pequena e estreita para permitir que eles fossem do mar para esses dois rios. Embora a construção do porto só teve início em 1980, o primeiro grande influxo de navios só começou em 1989-1991. De 1998 a 2008, o número de embarcações triplicou. Essa intensificação do tráfego marítimo pode ter influenciado a ocorrência de ataques de tubarões, já que esses animais são conhecidos por seguirem navios (Hazin et al., 2008).

Nada na natureza é por acaso, existe uma interdependência em tudo. Ou como diria Eistein “Deus não joga dados”…. Homem aqui faz (depreda) o homem aqui paga…

Como navios comumente carregam inúmeras pessoas, há muita produção de lixo e esgoto. A maior parte dessa matéria orgânica é despejada no mar, já que o espaço disponível na embarcação para o armazenamento desses dejetos é pequeno: há alguns latões de lixo na popa. Quando esses resíduos são lançados ao mar, vários animais aproveitam a situação para se alimentar, assim como os tubarões.

Também é possível que o impacto ambiental negativo causado pela construção do Porto de Suape tenha resultado no deslocamento de uma população de tubarões touro de áreas de berçário e alimentação.

Seguindo as correntes marítimas que vão para o norte, eles podem ter se deslocado para o estuário mais próximo, dado que essa é uma espécie que habita ambientes de água doce e salgada; porém, este estuário é frequentado por humanos. A construção do porto causou mudanças significativas na comunidade planctônica, levando a uma queda quantitativa da abundância de plâncton. Um fator chave que contribuiu para essas mudanças foi um aumento da matéria em suspensão, principalmente por conta da estação chuvosa. A ligação interrompida entre um dos rios e o mar também resultou no declínio da abundância de zooplâncton por inibir a imigração para de peixes marinhos e crustáceos para se reproduzirem no estuário (Hazin et al., 2008).

Dessa forma, por não haver fito e zooplâncton, a quantidade de indivíduos que se alimentam de plâncton diminuiu e, consequentemente, os tubarões perderam seu alimento, pois eles consomem peixes e crustáceos que haviam nessa área. Assim, os tubarões da região estão à procura de alimento e, quando se deparam com um ser humano, podem predá-lo, mesmo que essa não seja a sua opção alimentar principal. De acordo com o Plano de Monitoramento Ambiental de Recursos Hídricos, no ano de 2000 o matadouro de Jaboatão descartou seus efluentes não tratados no rio, a um volume de 345 m3/d, incluindo sangue, vísceras e água. A demanda bioquímica de oxigênio (uma medida da quantidade de oxigênio dissolvido necessária para a decomposição de matéria orgânica por microorganismos) era de 7400 mg.L, o que era a maior de todos os resíduos industriais da região (Hazin et al., 2008). Com isso, a população de peixes e outros invertebrados aumenta, assim como a de tubarões.

E ainda temos que levar em consideração muito seriamente a pesca de arrasto, ilegal e danosa, de camarão, que passa de madrugada jogando engodo, sangue e restos de animais na água e passa dia seguinte arrastando para cada quilo de camarão, 9 quilos de outros animais, que mortos são jogados de volta às áquas de Boa Viagem. Meus amigos, se isto não atrai ainda mais tubarões, não sei o que o faria…

É razoável supor que a descarga de sangue e vísceras no rio Jaboatão, que flui para a praia em que foram registrados 47 ataques, constitui um potencial para atrair tubarões para a área, contribuindo para o agravamento do problema dos ataques.

O manual da FAO (Food and Agriculture Organization of the United Nations – Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) sobre saúde animal em países em desenvolvimento estabelece uma relação direta entre o potencial de atração desse tipo de lixo e predadores em geral, indicando que quando descartado no oceano, esses dejetos podem aumentar a população de tubarões na área. Tal relação entre o descarte de um matadouro e um surto de ataques de tubarões foi relatado em, pelo menos, mais uma ocasião: na costa da Somália (Hazin et al., 2008).

Posso não portar um canudo formal com selo de uma instituição de ensino superior, mas consigo ver claramente por trás dos meus olhos cansados com mais de 30 anos de mar, sol e sal, que podemos afirmar sim, podemos AFIRMAR que este é um dos macro fatores para os ataques concentrados. Não o único e exclusivo, mas um dos maiores, com certeza.

Por fim, nunca provoque um tubarão, por menor que ele seja. Não cutuque com objetos (ou mãos), não o utilize como transporte, não puxe sua nadadeira caudal. Mesmo um tubarão pequeno pode causar ferimentos sérios a um humano. (Baldridge, 1974).

Referências Bibliográficas:

Baldridge, H.D. 1974. Shark Attack: A Program of Data Reduction and Analysis. Contributions from the Mote Marine Laboratory Volume 1, Number 2. Alle Press, Inc. Sarasota, Estados Unidos.

Bres, M. 1993. The behaviour of sharks. Reviews in Fish Biology and Fisheries, 3, 133-159

Hazin, F.H.V., Burgess, G.H. & Carvalho, F.C. 2008. A Shark attack outbreak off Recife, Pernambuco, Brazil: 1992–2006. Bulletin of Marine Science, 82(2): 199–212.

Neff, C. & Hueter, R. 2013. Science, policy, and the public discourse of shark “attack”: a proposal for reclassifying
human–shark interactions. Journal of Environmental Studies and Sciences.

Fonte: Divers for Sharks

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