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Uma fotografia da biodiversidade

3 de outubro de 2011
4 min. de leitura
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Por Ciro Porto

Foto: Reprodução

A natureza exige, de qualquer observador, tempo e paciência. Não há como marcar entrevistas com animais. Às vezes se levam dias de caminhada para encontrar uma determinada espécie ou semanas de espera para presenciar um fenômeno. A natureza brinca com os compromissos que nós estabelecemos de forma unilateral, mas quase sempre surpreende. Várias vezes enquanto procurava uma espécie acabei encontrando outra, não menos interessante. Tanto que hoje sigo uma regra: em qualquer ambiente selvagem fico atento ao que a natureza oferece, sem me concentrar demais ou exclusivamente naquilo que estou à procura.

Foto: Reprodução

Em janeiro passado, tive a ideia de dedicar um dia para observar e fotografar uma colônia de japins (Cacicus cela), numa árvore localizada nos fundos da Pousada Salto Thaimaçu, na margem esquerda do Rio São Benedito no Sul do Pará. Pelo menos dez casais iam e vinham, intensamente envolvidos na construção dos ninhos, mas eu não conseguia me aproximar o suficiente para boas fotos.

Quando já ia desistir das fotografias notei, bem próximo, um lagarto com cerca de 30 centímetros, em atividade de caça. Imediatamente me dediquei a observá-lo. Chamou minha atenção o fato de o lagarto ser bem colorido: azul, verde e até rosa destacavam o bicho do gramado. Em sua procura por alimento ele se restringia a apenas uma área de sombra embaixo de uma laranjeira. Não sei por quê, mas o bicho não se preocupou com minha presença e pude fotografar bem de perto enquanto ele desenvolvia suas estratégias.

Esperto, astuto, insistente e até persistente, eu diria. Dava alguns passos e parava como se quisesse escutar algum movimento sob a grama. De repente, enfiava a cabeça toda no gramado alto, usando as patas para ir mais e mais fundo. Num mesmo ponto, fez isso uma, duas, três vezes. E só na quarta tentativa conseguiu saborear uma presa que não pude identificar. Inseto engolido, mais alguns passos, e a mesma estratégia se repete. Em cerca de 40 minutos o lagarto vasculhou cada centímetro quadrado embaixo da laranjeira e conseguiu pelo menos cinco insetos.

Com as fotos, procurei José Roberto Miranda, biólogo da Embrapa Monitoramento por Satélite. De pronto o bicho estava identificado. Trata-se de um lagarto muito conhecido: Ameiva ameiva. Uma espécie que ocorre do Panamá ao sul do Brasil. Alimenta-se de larvas de insetos, baratas, grilos, besouros. É uma espécie terrícola, ou seja, vive no solo, não sobe em árvores. Mas pelo jeito gosta da sombra delas.

Foto: Reprodução

“Não é bem assim”, explica José Roberto, e, em minutos, ele me dá mais uma aula: “A espécie Ameiva ameiva é considerada heliófila (amante do sol), ou seja, precisa do sol para se aquecer, por isso caça apenas durante o dia e de forma bastante ativa, ao contrário das iguanas, que normalmente caçam de espera. Esse lagarto é dotado de visão e audição aguçadas importantes para identificar a aproximação de predadores. Sua língua é bífida e ele apresenta no palato o chamado órgão de Jacobson semelhante ao das serpentes, capaz de detectar odores e sabores”.

“É algo como uma mistura de língua com nariz”, continua. “Este sensor auxilia muito na busca de possíveis presas, muitas vezes enterradas ou embaixo de tocos. Tem um termômetro interno que o ajuda a regular a temperatura do corpo em torno de 37 graus centígrados. Por isso, para manter a temperatura ideal, ele alterna entre sol e sombra. E uma curiosidade, se o período exposto ao sol aumentar muito a temperatura do corpo, o lagarto passa a não ‘funcionar’ corretamente”.

Talvez isso explique o fato de o lagarto ter me permitido fotografá-lo bem de perto. “Provavelmente ele estava superaquecido, isso explicaria o fato de caçar apenas na sombra e também de não estar arisco como de costume”, deduz José Roberto.

Não muito longe dali, na folha de uma palmeira, um bando de andorinhas também esteve ao alcance das minhas lentes, naquele mesmo dia. Para minha surpresa, encontrei um grupo de andorinhas azuis (Progne subis) em viagem de retorno à América do Norte. Provavelmente elas pararam ali, na área aberta da pousada, para se alimentarem e recuperarem energias. Não demorei muito para constatar isso: até borboletas grandes foram devoradas. Na longa viagem de volta nenhum alimento pode ser desprezado, afinal de contas são milhares de quilômetros para vencer com apenas duas asas!

Vida de andorinha azul não é fácil: viver perseguindo o verão, seguir a rota do sol… Elas procuram estar sempre onde os dias são mais longos. Três meses na América do Norte, três meses viajando para Sul, outros três meses aqui e mais três meses voltando para o Norte. Vida de lagarto também não é fácil: precisa do sol, mas também da sombra. Mais difícil ainda é a vida dos insetos: seja na terra ou no céu sempre tem algum animal de olhos e boca bem abertos, pronto para transformá-los em refeição.

Fonte: EPTV

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