Hoje, dia 29 de setembro, a nova lei federal de maus-tratos a cães e gatos completa um ano. Mas, apesar da iniciativa prever um aumento para a pena de agressores, o número de casos aumentou consideravelmente. Foram 64 prisões em flagrante registradas em delegacias do Rio Grande do Sul e 10 condenações, afirma o site GZH Segurança.
Além disso, a Brigada Militar e Polícia Civil atenderam a mais de 8,1 mil casos de crueldade a animais domésticos, praticamente uma agressão a cada hora, durante o período entre 29 de setembro de 2020 e 31 de agosto de 2021.
Também foram registrados mais 2,8 mil casos de falta de cuidados e negligência no período, ou seja, um a cada três horas. Já o Tribunal de Justiça abriu 1.021 processos.
A questão da alta no índice de casos leva a outra preocupação: e os animais que ficaram de fora da lei 14.064? Apesar de possibilitar a conversão dos flagrantes em prisão preventiva — pelo fato da pena ficar entre dois e cinco anos de reclusão –, o Ministério Público lembra que outros animais, como o cavalo, que também sofre muito, ficaram de fora da nova regulamentação.
Outro problema levantado pela promotoria gaúcha, com o apoio de Entidades de proteção, é que a lei pode punir o agressor, mas não garante atendimento à vítima.
Por conta disso, as polícias se equiparam e treinaram para atender a demanda, assim como alguns municípios da Região Metropolitana de Porto Alegre aprimoraram legislações próprias ou criaram setores específicos para esta causa.
O que mais mudou na lei 14.064?
Anterior a nova lei, um agressor ficava sujeito à Lei 9.605 de 1998, que estipulava detenção de três meses a um ano de prisão, além de multa, aumentando a reclusão em até um terço no caso de morte do animal. Agora, desde a sanção em setembro do ano passado, pelo presidente Jair Bolsonaro, a punição aumentou.
Atualmente, quando ocorre a prisão por maus tratos, o agressor pode pegar uma pena de até cinco anos e podendo chegar a seis anos e meio conforme agravantes, como o caso da morte do animal.
A importância da legislação
Em entrevista para o GZH, o coordenador do Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente do MP, promotor Daniel Martini, destaca que a lei trouxe benefícios também para o efeito preventivo e educativo para toda a sociedade.
“Um agressor vai pensar duas vezes antes de cometer este crime pelo fato de que sabe da pena mais alta”, diz.
Ainda, com a possibilidade de flagrante se tornar em prisão preventiva, o procedimento fica ainda mais aplicável.
Já Rejane Ferreira, 48, da Associação Duas Mãos Quatro Patas, na zona sul da Capital Gaúcha, entende que o primeiro passo foi dado, mas diz que ainda tem muito a ser feito.
Questões não atendidas
Apesar do entendimento positivo sobre a nova legislação, Martini ressalta que apenas cães e gatos foram incluídos na nova lei, apesar dos seres humanos terem vários outros animais domésticos, sem contar a fauna que existe nas cidades, por exemplo.
Outra situação discutida no meio jurídico é que a punição é considerada desproporcional ao ficar, por exemplo, superior à punição de homicídio simples em caso de agravantes. Sem contar os acordos previstos em lei, a qual exclui o processo criminal e interfere no flagrante.
O promotor ainda destaca o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), que consta no Artigo 28 A do Código Penal, quando o criminoso tem bons antecedentes e que ainda não tenha se utilizado de benefícios:
“Na prática, exclui o processo criminal, interfere no flagrante e na manutenção da prisão e até mesmo na conversão de flagrante para prisão preventiva. Em que pese a exacerbação da pena, o processo criminal em si, por esses fatos, vira exceção, sendo regra a realização de acordo entre promotor e réu”.
Assim como Rejane, Martini concorda que há uma falha terrível na política pública de proteção aos animais e que a questão sobre atendimento após agressões ficou fora da lei. Dessa forma, este atendimento recaí para para as Organizações da Sociedade Civil (OSC) – como são chamadas hoje as ONGs – ou para estabelecimentos privados, bem como para os municípios, que muitas vezes reclamam da falta de recursos em relação a atendimentos, recolhimentos e abrigo.
O que dizem os especialistas?
Em resposta a solicitação do site, a assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça do Estado informa que em um período aproximado de um ano após a nova lei, ou seja, de 29 de setembro de 2020 a 15 de agosto deste ano, registrou 1.021 processos sobre maus-tratos a animais. Neste período, 10 pessoas foram condenadas.
Para o advogado e professor de Direito Ambiental Rogério Rammê, acredita que o efeito educativo da nova lei venha aos poucos com o aumento da pena, entende que ainda precisa de ajustes no caráter preventivo.
“Além disso, a lei nova pune mais severamente e traz como uma das consequências da condenação a perda da guarda. Sob esse viés, poderá ser pedagógica para casos futuros de agressão, porém não tem um viés preventivo claro. Esse tipo de política pública precisa ser desenvolvida em paralelo pelo governo”, acrescenta.
A advogada Helena Sant’Anna, de Porto Alegre, defensora da causa animal, acredita que a lei é omissa, uma vez que não atende a todos os animais. Ela também não concorda com ajustes penais que eliminam processos e interferem nos flagrantes. Para ela, não é correto permitir medidas pedagógicas quando uma pessoa é agredida, tampouco em relação aos animais.
Um nova proposta está a caminho
Lourdes Sprenger, vereadora de Porta Alegre pelo MDB, teve um projeto de lei aprovado neste ano pela Câmara Municipal. A proposta, com base no reconhecimento da natureza biológica e emocional dos animais, prevê um complemento para que define um regime jurídico especial aos animais domésticos com o objetivo de vedar qualquer prática de maus-tratos.
Prefeituras também buscam soluções
Para além de “apenas” prevenir casos de agressões, algumas prefeituras já pensam em alternativas para também realizar o acolhimentos destes animais feridos.
Este é o caso de Gravataí, município do Rio Grande do Sul, que possui uma Unidade de Saúde Animal com várias salas de recuperação e espaços operatórios em uma área de 1,2 mil metros quadrados.
De acordo com o prefeito Luiz Zaffalon (MDB), são recebidas 30 denúncias por dia sobre maus-tratos, sendo confirmadas pelo menos 10% delas, mas todas atendidas.
As denúncias para essa localidade podem ser feitas pelo número (051) 31914947 e pelo WhatsApp (51) 9.9226-5955 ou pelo 153 da Guarda Municipal.
Outra iniciativa está localizada em Porto Alegre, onde foi criado o Gabinete da Causa Animal neste ano. A diretora Catiane Mainardi diz que há seis médicos veterinários, além de outros servidores, responsáveis pelo atendimento e pela fiscalização.
Eles atuam na verificação de denúncias e irregularidades flagradas, promovemos a educação sobre cuidados aos animais, bem como a regulação de canis e gatis comerciais e não comerciais.
Contudo, o Gabinete tenta ampliar a capacidade limitada a cem animais — na Lomba do Pinheiro — para atendimento veterinário. Por outro lado, já verificou desde março deste ano 967 denúncias de maus-tratos. A comunidade pode ligar para o telefone 156. O telefone 190 da Brigada Militar também pode ser usado.