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Um incômodo chamado Greta

30 de setembro de 2019
3 min. de leitura
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Por Aleluia Heringer

AFP/Arquivos

“Os cães ladram, Sancho! É sinal de que estamos avançando”. Cervantes.
Acompanho a ativista climática Greta Thunberg (16 anos) desde o ano passado, quando ela iniciou a “Greve de Escola” todas as sextas-feiras, isso em agosto de 2018. Na chuva, na neve, ao sol, lá estava ela, sozinha, sentada no chão da porta do parlamento em Estocolmo, segurando sua placa Skolstrejk För Climate, ou Greve Escolar pelo Clima. Ninguém se incomodava. Nenhuma linha ou matéria nos jornais. O que ninguém esperava é que ela não desistiria do seu propósito. Sua persistência começou a chamar a atenção. Uma foto aqui, uma postagem acolá e aquilo que estava latente eclodiu.
Seu jeito firme de falar, sem rodeios e consistente; o olhar de quem não está brincando, associados ao seu exemplo de vida (modo de consumir, deslocar e de alimentar) lhe deram autoridade moral e a liderança do maior movimento da história no que se refere à crise climática e, de quebra, a indicação ao Prêmio Nobel da Paz.
Ela avançou e incomodou!
Que bonitinha! Isso é coisa de criança, diziam alguns. Nada! Coisa de gente grande! No dia 12 de abril, a respeitada Revista Science (vol. 364 pp.139-140) publicou uma carta assinada por centenas de cientistas de todo o mundo (a listagem daqueles que assinam é anexada ao artigo e chega a 52 páginas) em que afirmam: “as preocupações dos jovens são justificadas e apoiadas pela melhor ciência disponível”. Ou seja, Greta não inventa. Ao contrário, está muito bem inteirada e domina, como poucos, os fatos, dados e evidências das pesquisas científicas.
Por qual motivo então é alvo de tanta hostilidade? Por que incomoda tanto? Talvez seja a sua coerência. Que bom, devíamos pensar, o movimento que ela iniciou está acordando jovens, crianças e adultos ao redor do mundo. Tantos, outrora “rebeldes sem causa”, agora passam a levantar uma bandeira e uma causa. Ater-se a detalhes secundários, tais como suas tranças, estatura, cor de pele, nacionalidade ou temperamento, que tem espectro de autismo é, no mínimo, desonesto.
Repassar, sem averiguar, hostilidades e inverdades é escolher estar de um lado da história. Talvez esse movimento global por ela iniciado seja a grande oportunidade de pensarmos na perspectiva de uma civilização planetária e a chance de minimizarmos os efeitos daquilo que está por vir. O excesso da Greta, se houver, irá nos beneficiar. A sua inexistência é que seria um problema. Devemos nos alegrar com este fenômeno que rompeu com a lentidão das Conferências Internacionais, acordou a mídia e os jovens.
Greta indica uma tendência. Será mais bem compreendida se observarmos o conceito que traz. Iremos atravessar o Atlântico em um veleiro? Não, mas essa atitude provoca as companhias aéreas, a pesquisa científica e os usuários, a buscarem alternativas menos poluentes. A humanidade irá abolir o consumo de produtos de origem animal? Provavelmente não, mas a indústria já recebeu o alerta dos consumidores de que é necessário criar alternativas.
Que todos possam se mexer e rever seus estilos de vida, consumo e valores. Que as nações se comprometam com rigor a fazer as mudanças estruturais na forma como estão organizadas as sociedades. Que os tempos da natureza e sua capacidade inerente de manter a vida possam ser observados e a vida das outras espécies, cuidadas. Quem sabe não é esse o caminho “de volta para casa” que está nos faltando?

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