Por Ana Cardilho
em colaboração para a ANDA
Meu nome é Preto, muito prazer! Sou um autêntico vira-lata ou melhor, não tenho raça definida e tenho um pouco de todas elas ao mesmo tempo. Na verdade, sou um descendente dos lobos, no porte e na coragem. Sou determinado e agora que ganhei um uniforme mantenho a cabeça erguida, o olhar alegre. Também sou um aluno. Minha escola, minha casa.
Adoro matemética. Essa é a minha aula preferida. Adoro somar. Uma porção de ração mais uma tijela de água fresca, igual a um almoço garantido. Uma refeição garantida mais uma sombra fresca, debaixo de uma árvore, igual a uma soneca gostosa. E sou bom nas divisões também: um cafuné na minha cabeça dividido por duas crianças, igual a duas crianças devidamente lambidas por mim.
Meus colegas de aula são legais e os professores já se acostumaram com minha presença dentro da sala de aula. Eles entenderam que sou cão dócil, inteligente e que ajudo a garotada. Quando toca o sinal, vamos de uma sala para a outra e eu participo até da aula de dança no auditório!
No começo algumas pessoas não gostaram da minha presença na escola. Queriam que eu fosse embora, diziam que escola não era lugar pra cachorro. Mas, como a maioria não pensava assim foi feito um plebiscito. Todos puderam votar e ganhei de lavada: 570 votos a favor e apenas 20 contra.
Assim, sou o cão aluno oficial. Adoro o barulho das crianças, a risada delas, o cheiro da merenda, dos lápis coloridos, as brincadeiras e a correria na hora do intervalo.
Quem sabe meu caso não se transforma em um bom exemplo para outras escolas? Tenho tantos irmãozinhos por aí, vivendo nas ruas, passando fome e frio… Se ganhassem uma escola como abrigo certamente cuidariam do local. Somos caninos, somos fiéis.
Cuidamos muito bem da nossa morada, dos nossos amigos. Temos ouvidos e olhos afiados. Nada nos passa despercebido. Somos os melhores amigos e também podemos ser os melhores inspetores de alunos das escolas. Conheço pelo cheiro todos os meus colegas. Sei quem faltou e se algum aluno tenta fugir entre uma aula e outra eu começo a latir alto, até que apareça um professor. Ninguém me engana, fico de olho vivo! Quero todos juntos, estudando em matilha.
Agora tenho que ir… já tocou o sinal e o professor de história não gosta de atrasos. Au, au, au…fui!
Ana Cardilho é escritora e jornalista. Com um olho na realidade e outro na prosa imaginária conta com mais de 20 anos de experiência em rádio e TV, tendo feito reportagens, edição e fechamento de telejornais e programas, e é ficcionista.