Lauren Baqueiro, hoje com 30 anos, é um símbolo de resistência e de amor pelos animais. Vegana, protetora e sempre em busca de encontrar meios de reduzir o sofrimento destes seres inocentes, não teve dúvida no momento de escolher que carreira seguiria: Ciências Biológicas. Natural de Volta Redonda, no Sul Fluminense, ela optou inicialmente por iniciar o curso em uma universidade privada na cidade, mas esbarrou em dois obstáculos: o alto custo, que onerava principalmente sua mãe, sua maior incentivadora, e também por não encontrar na instituição de ensino particular terreno fértil para fomentar seus maiores anseios, que são a pesquisa e a carreira acadêmica.
Resiliente, ela deu o máximo de si e ingressou na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, em Seropédica, na Baixada Fluminense, uma das universidades mais tradicionais de todo o estado, e pensou que ali finalmente ganharia subsídios para realizar suas expectativas e finalmente poder se dedicar à construção de conhecimento e contribuir com uma ciência ética e livre de crueldade contra animais. O ano era 2013. Mas, para Lauren, infelizmente, o início de um sonho se transformou em um pesadelo.
Detentora de um estilo de vida que tenta abolir todas as formas de exploração animal, a estudante sabia que ora ou outra participaria de disciplinas que envolvessem animais, mas sabia que por lei existe um dispositivo legal que garante a isenção deste tipo de prática: a objeção de consciência, recurso que garante liberdade para qualquer indivíduo se negar a participar de atividades que vão contra seus valores éticos ou espirituais. Sabendo seus direitos, Lauren redigiu um pedido de objeção a partir do modelo disponibilizado pelo Instituto 1R, organização dedicada ao incentivo da abolição da experimentação animal.
O caso ganhou tanta repercussão que foi divulgado na ANDA em 2015 (relembre aqui), pois a universidade, segundo a estudante, fez o possível para manobrar e negligenciar os pedidos. Em uma entrevista à ANDA, Lauren conta que existe forte oposição ao reconhecimento dos métodos substitutivos. “A resistência do professor é política. O professor não quer aceitar que a metodologia dele não é a única e que existem outras formas de trocar conhecimento com o estudante para que ele assimile e consiga obter aquele conhecimento”, diz a estudante, que ainda depende de três disciplinas que exploram animais para concluir sua licenciatura.
Além de ter sua demanda ignorada, Lauren revela que também foi exposta a situações vexatórias por ser vegana e opositora à exploração de animais. “Eu já fui expulsa de um laboratório por tentar conversar com um professor e ele me mandar sair da sala por não querer falar do assunto. Eu já fui acusada por um professor em sala de aula na frente de toda a turma de ter problemas psicológicos por ser objetora de consciência. Também já fui impedida de entrar em reuniões de departamentos”, confessa a jovem, que tem sofrido de depressão, ansiedade e crises de pânico devido a essas experiências profundamente negativas.
A luta de Lauren pela busca de um ensino mais democrático, humano e sensível ao reconhecimento dos direitos animais é incansável. Nos sete anos em que está na UFRRJ, a estudante desenvolveu pesquisas com bolsa acadêmica e colaborou ativamente para a criação de um acervo com mais de 100 espécies silvestres com documentos e certificados que comprovam que esses animais não foram mortos para fins didáticos. O projeto do qual a estudante faz parte fechou uma parceria entre o Centro de Triagem de Animais Silvestres do IBAMA (CETAS) e o Hospital Veterinário da UFRRJ. Um banco de dados também está sendo desenvolvido desenvolvido para reforçar as possibilidade de práticas de ensino livres de crueldade contra animais custeadas com recursos públicos, para beneficiar toda a comunidade e contribuir para a preservação da fauna.
A estudante de Ciências Biológicas também teve a oportunidade de participar de uma atividade de extensão sobre métodos substitutivos na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), um curso sobre plastinação, uma técnica anatômica mais moderna que isenta os pesquisadores de ficarem expostos aos cadáveres com forte cheiro de formol, além de preservar as características originais dos espécimes. Ela também foi aluna de um curso sobre alternativas ao uso de animais na pesquisa promovido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Além de toda essa busca por conhecimento, a estudante também participou de oficinas, palestras e outras iniciativas, sempre visando a busca por um ensino livre de crueldade contra seres inocentes.
Ela explica que sua luta na UFRRJ “não é só pedindo objeção de consciência, mas demonstrando também as alternativas, estudando muito, pesquisando muito sempre, fazendo contato com várias áreas do saber, para que a gente possa realmente tranquilizar a comunidade acadêmica, a comunidade de fora, que também não é só parar a prática, não é só parar de matar animais, existe uma resposta. Existe toda uma gama de possibilidades para a gente aprender e ensinar com tranquilidade sem precisar matar animais e melhorando a qualidade desse ensino”, salienta.
Embates
Em 2016, o Instituto de Biologia da UFRRJ instaurou a primeira comissão para tentar sanar as demandas referentes a pedidos de objeção de consciência. Apenas um professor emitiu um parecer favorável a um debate mais aberto em relação ao uso de métodos substitutivos. A estudante denuncia que há um distanciamento e incômodo sobre a questão da exploração de animais na pesquisa na área de Biologia, algo que não ocorre em outras áreas, como a Medicina Veterinária, onde existe maior apelo emocional.
Lauren também faz parte de uma segunda comissão criada em 2019 e presidida pelo pró-reitor adjunto de graduação, e confessa que o debate está avançando, mas que o seu caso especificamente não. “Eu acho que a universidade tem vergonha de pegar esse assunto [a objeção de consciência] na Biologia e tratar disso. Uma estudante ficar sete anos num curso de graduação, no meu caso, licenciatura, tentando me preparar para dar aula e continuar minha carreira acadêmica e não poder por causa de prevaricação [ato de retardar processos]”, lamenta.
E completa: “A minha objeção de consciência continua bastante velada e a universidade não quer reconhecer o erro que cometeu. Cansada, doente, precisando me formar, porque preciso trabalhar, minha família não tem condições de ficar me auxiliando para sempre. Eu decidi entrar na Justiça para dialogar com a universidade, com as instâncias, na esperança de conseguir me formar”, completa.
Para o advogado de Lauren, Dr. Luiz Santiago, a estudante está amparada pela lei. “A Constituição Federal prevê a liberdade de consciência como um direito fundamental, não havendo uma lei que a regulamente especificamente no ensino. Mesmo sem uma regulamentação, é possível a aplicação integral desse direito, visto que o estudante não pode ficar desamparado juridicamente. Por outro lado, não há nenhuma lei que imponha as universidades ou os alunos a utilizarem animais não humanos nas aulas. Ninguém é obrigado a fazer, ou deixar de fazer algo, senão em virtude de lei”, explicou em entrevista à ANDA.
Ele explica que medidas foram tomadas: “Ingressamos com uma ação contra a universidade para que a estudante pudesse cursar as disciplinas sendo aplicados métodos substitutivos sem uso de animais não humanos, em respeito a sua convicção. Temos dois objetivos, o primeiro é resolver o caso da aluna, para que ela faça as disciplinas e possa se formar. O segundo objetivo é chama atenção da instituição de ensino sobre o direito à objeção, a necessidade de se aplicar os métodos substitutivos já consagrados e, por fim, a tutela dos animais não humanos que não devem sofrer maus-tratos ou serem sacrificados sob qualquer pretexto”, pontua.
O advogado afirma ainda que a UFRRJ pode ser penalizada. “Na ação buscamos a condenação da instituição para que essa seja obrigada a cumprir a Constituição e as normas do CONCEA, através da aplicação dos métodos de ensino sem o uso de animais, respeitando o direito desses e dos alunos objetores. Obtendo êxito, a universidade poderá receber uma multa caso não cumpra a decisão judicial”, concluiu.
Nota da Redação: entramos em contato com o Departamento de Ciências Biológicas da UFRRJ e aguardamos a réplica para publicação.
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