UFMG é denunciada por explorar e maltratar cães em experiências científicas
5 de julho de 2021
Elys Marina | Redação ANDA
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Uma organização de defesa e proteção animal denunciou que cães abrigados em um canil da UFMG estariam sofrendo maus-tratos, além de estarem abrigados em situação humilhante e sem incidência de luz solar, segundo a BastAdotar.
A entidade formada por professores, alunos e funcionários solicitou providências à Comissão de Ética da UFMG no Uso de Animais (CEUA). A correspondência também foi encaminhada em cópia à Reitoria, à diretoria do ICB e à Ouvidoria da instituição.
Algumas denúncias feitas à entidade foram encaminhadas em fevereiro e abril. A presidente da ONG, Mailce Mendonça Mendes, diz que houve respostas às primeiras denúncias, mas o problema não foi resolvido. Ela e uma estudante de massoterapia, Nina Maria do Carmo, de 26 anos, estiveram no local recentemente e constataram a “situação crítica”.
“Estivemos lá pela manhã e à tarde. Em nenhum momento havia sol no local. Muitos cães em espaços pequenos, pouca iluminação e um terrível mau cheiro. Alguns deles estavam com curativos e outros com ferimentos expostos. Eles latiam muito e ganiam”, contou.
Nina disse que mora próximo à UFMG e sabia da existência de um canil, pois quando passava pelo local ouvia os latidos, e em março resolveu ir até a universidade depois de resgatar um cachorro abandonado nas ruas.
Ao chegar ao canil, observou pequenos quartos, onde alguns cães “tinham na pele algo parecendo cicatrização de queimaduras, alguns em carne viva. Outros tinham pedaço de tecido, mas não visualizei direito, porque há um mosquiteiro nas janelas e grades de metal. O local é um tanto escuro. Além do intenso mau cheiro”.
Em fevereiro, o bacharel em direito Igor Vasconcelos, de 27 anos, usuário do hospital veterinário da universidade, soube que sua cadela Cacau havia escapado da unidade onde se encontrava internada. “Recebi o telefonema no dia 15 daquele mês”, disse.
Igor conta que, após cinco dias de procura, Cacau foi encontrada, mas que durante as buscas se deparou com um canil próximo à mata, e que devido aos latidos poderiam atrai-la. Ele conta que se assustou com o que viu. “O canil possui estrutura deplorável, sujo e com um mau cheiro terrível, além de estar cheio de animais confinados em espaços apertados”, afirmou.
“Não tive autorização ou oportunidade de ver o que tinha na parte interna, mas fiquei em choque ao cogitar que uma grande instituição como a UFMG ainda realize tantas experiências em animais, principalmente cães, de maneira que seja necessário acumular dezenas deles em ambientes execráveis. Pude ainda constatar um dos cachorros presos, junto a vários outros, todos jovens cães sem raça definida, provavelmente provenientes de uma mesma ninhada, estavam com colares elisabetanos, esparadrapos e vários potes, ou algo do gênero, presos às suas costas, sugerindo que seja algum tipo de experimento científico. Essa constatação, eu consegui em vídeo pela parte de fora do canil. Apesar de não saber do que se trata, até um leigo como eu pode chegar à conclusão que se trata de algo bem desconfortável, pela forma como o cão se comportava”, completou.
Em correspondência encaminhada à CEUA, Igor pediu que fossem apurados os registros de procedência, tempo de vida e destinação daqueles animais após os experimentos, sendo dada a devida publicidade a tais dados. Obteve resposta em 24 de fevereiro de Débora Cristina Sampaio de Assis, coordenadora da CEUA, informando que o tema foi debatido em reunião ordinária e que todas as providências cabíveis seriam tomadas para apuração dos fatos.
Os responsáveis pelo local foram notificados e uma comissão foi nomeada. Elaborada por médicos veterinários que atuam na área de clínica e cirurgia veterinárias e com amplo conhecimento em bem-estar animal, a comissão foi criada para realizar uma visita técnica ao biotério.
Em 16 de abril, Igor voltou a acionar a CEUA: “Gostaria de saber alguma atualização acerca do procedimento instaurado pela comissão para apurar as possíveis irregularidades que estariam ocorrendo no canil da UFMG. Informações sobre a regularidade da documentação, as visitas técnicas e a reunião extraordinária que seria convocada me seriam muito úteis e acredito que sejam dados públicos, já que apuram inclusive supostos cometimentos de crimes de maus-tratos ou similares em uma instituição federal.” O pedido foi reiterado no dia 24.
A resposta foi encaminhada no dia 27 daquele mês, época em que a CEUA informava sobre alguns dos procedimentos que foram tomados pela comissão instituída, em regime de urgência, para avaliar a situação.
De acordo com a resposta, “após a visita, a comissão considerou que, de modo geral, os cães que se encontram no biotério demonstram um bom estado geral de saúde e manifestação de comportamentos sociais. O cão “com colar elisabetano” e “vários potes presos nas costas” foi verificado fisicamente pelos médicos veterinários da equipe, encontrando-se bem nutrido, ativo e capaz de se movimentar livremente. Como observação, dada a metodologia da pesquisa, o animal necessita usar o colar elisabetano para não remover os recipientes fixados com esparadrapo em seu dorso. Pelo mesmo motivo, está isolado, sem companhia na acomodação”.
Em nota, “a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) confirma o recebimento de carta denúncia sobre a situação das instalações de animais que participam de atividades de pesquisa realizadas pela Instituição e está apurando a situação relatada. A Universidade informou que todas as atividades envolvendo experimentos com animais, bem como procedimentos necessários e suas instalações, são devidamente cadastradas no Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea) e atendem a todos os padrões éticos, sanitários e legais que regulamentam esta atividade. Essas atividades têm o acompanhamento constante da Comissão de Ética no Uso de Animais (Ceua) da UFMG.
Em relação aos dois canis do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) mantidos no Campus da Pampulha, a UFMG informa que são higienizados diariamente, sete dias por semana, com uma área de alimentação, outra área protegida para descanso dos animais e solário em todas as baias. Para evitar o estresse desses animais, o acesso às instalações é restrito, conforme a legislação e normas técnicas. E se tratando de ambiente controlado, o canil é telado, evitando a entrada de insetos e a contaminação dos animais por patógenos, em acordo com o que presume a regulamentação vigente, bem como os padrões éticos e de cuidados com esses animais, fundamentais para o avanço da pesquisa.
A UFMG ressalta que, desde que foi publicada a Resolução Normativa Nº 41 do Consea, que trata exclusivamente de “Cães e Gatos domésticos mantidos em instalações de instituições de ensino ou pesquisa científica”, em 25 de julho de 2018, vem trabalhando para o seu atendimento. Conforme o inciso V do caput do Artigo 5º da Lei n° 11.794/2008, publicado em 25 de julho de 2018, as instituições têm o prazo de cinco anos para compatibilizar suas instalações físicas às exigências dessa Norma.
Em um dos canis do ICB atualmente estão sendo realizadas adequações de ordem técnica, preservando a integridade dos animais ali mantidos. Mas o segundo canil do ICB, cujas fotos seguem em anexo, apresenta-se em estágio mais avançado e evidencia os esforços do Instituto no cuidado com os animais.