Mais de seis mil tartarugas-comuns nidificam anualmente na ilha cabo-verdiana da Boa Vista, onde o crescimento do turismo, com 200 mil visitantes anuais, desafia a conservação daquela espécie ameaçada de extinção.
Todos os anos, seis a sete mil fêmeas de tartaruga-comum aventuram-se nas praias de Cabo Verde, o terceiro maior ponto de desova da espécie. Nas praias da Boa Vista, que se tornou nos últimos anos a ilha cabo-verdiana mais procurada pelos turistas, nidificam 90% do total.
“A necessidade de conservação é grande, mas na ilha da Boa Vista é muito maior”, diz à Lusa José Tavares, coordenador da Fundação Tartaruga, que há cinco anos se dedica à conservação da tartaruga caretta caretta, ou tartaruga-comum, na ilha.
Desde que abriu o aeroporto internacional, em 2007, o número de turistas a visitar a Boa Vista não tem parado de crescer e em 2012 ultrapassou os 200 mil.
Num destino em que o principal atractivo são as praias, não faltam excursões de ‘pick-up’ pelas dunas e passeios de moto-4 pelos muitos quilómetros de areal.
É por isso que o “desafio maior” do turismo, para Tavares, são “as viaturas a circularem livremente nas praias, muitas vezes por cima dos ninhos das tartarugas”.
Mas há outros problemas: “há a questão legal, as construções muito próximas das praias de nidificação, a utilização de luzes brancas pelos hotéis (que confundem as tartaruguinhas acabadas de nascer no seu percurso até ao mar), o mobiliário na praia”, enumera.
As autoridades garantem que “todos os empreendimentos a serem construídos têm de ter estudo de impacto ambiental”, sem o qual a aprovação não é possível.
José Carvalho, administrador executivo da Sociedade de Desenvolvimento Turístico da Boa Vista e do Maio, que é o braço do governo na ilha no que toca ao turismo, acrescenta que as praias mais sensíveis da ilha, onde desovam 80% das tartarugas, são zonas protegidas e não zonas de desenvolvimento turístico.
José Tavares reconhece que as autoridades cabo-verdianas “estão a trabalhar muito” no sentido da conservação, mas defende que se podia fazer mais.
“O desafio da conservação deve acompanhar o desenvolvimento do turismo. (…) Não adianta ter o turismo hoje e um pesadelo amanhã”, resume, lembrando que se a conservação for descurada, pode pôr-se em risco o próprio produto turístico que é a biodiversidade em geral e as tartarugas em particular.
A observação de tartarugas já é uma das ofertas turísticas da Boa Vista, mas Tavares alerta que a actividade tem de ser controlada.
“Nós estamos conscientes de que todo o turista que cá chegar quer ver uma tartaruga. Seria muito bom que fosse possível, mas infelizmente não é porque estamos a falar de uma espécie em vias de extinção”, afirma.
Tavares acredita que é possível conciliar turismo e conservação e assume que esse é um grande desafio, mas acrescenta que o maior problema ainda é outro.
“A principal ameaça continua a ser a apanha”, porque a carne de tartaruga ainda é vista como um petisco típico na ilha, conta, exemplificando que, em 2007, 40% da população nidificante na Boa Vista foi apanhada.
Desde então, um trabalho de vigilância das praias, realizado pela Fundação Tartaruga e por outras organizações não-governamentais, permitiu reduzir o número de tartarugas apanhadas para 18% em 2008, cinco por cento em 2009 e em 2010/11 para 1%.
Agora, assume Tavares, “o grande desafio é trabalhar a educação ambiental para que o cidadão cabo-verdiano e o turista tenham em consideração a conservação das tartarugas” e para que o patrulhamento das praias possa um dia ser coisa do passado.
O problema, reconhece, é que a população ainda não sente “o impacto direto do turismo e das tartarugas nas suas vidas”.
*Esta notícia foi, originalmente, escrita em português europeu e foi mantida em seus padrões linguísticos e ortográficos, em respeito a nossos leitores.
Fonte: Notícias Sapo