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Turismo de observação ameaça golfinhos e baleias no mar do Algarve

14 de julho de 2013
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Foto: Divulgação
Foto: Divulgação

Desde a antiguidade que a imaginação humana é alimentada pela graciosidade que o golfinho transmite. O fascínio humano por estes cetáceos ajuda a compor histórias e mitos carregados de espiritualidade. Segundo os povos do Pacífico Sul, os golfinhos são mensageiros divinos e parentes próximos do Homem.

Também a mitologia grega é rica em referências a cetáceos. Numa das suas lendas, Poseidon, o Deus do Mar e de todas as criaturas marinhas, escolheu um golfinho como mensageiro do amor para cortejar Afrodite, uma ninfa marinha, que  passeava pelo mar, numa galera puxada por golfinhos. Afirma-se que o nível de inteligência dos golfinhos encontra-se acima da de um cão. Não há conclusões evidentes, nem respostas concretas. Apenas é certo que os golfinhos são animais independentes, que devem ser respeitados. Em vez de lhes confiarmos o título de personalidades humanas ou o estatuto de deuses, devemos apreciar a sua independência e liberdade.

Quando iniciamos a nossa navegação rumo a Sul, a bordo do Creoula, a maioria dos elementos e biólogos da campanha Marbis Algarve 2013 era para mim desconhecida. Um dos investigadores cativou-me particularmente invocando-me para um fado: Na amurada de um veleiro, velava certo marinheiro…

Não estava certo que André Cid sofresse da lânguida saudade portuguesa, mas intrigou-me o facto de passar cerca de dez horas à proa, varrendo o mar com o seu olhar. Especialista em cetáceos e instrutor de mergulho embarcou nesta campanha com a missão de monitorizar os avistamentos de cetáceos e tartarugas marinhas na costa algarvia. É fundador da AIMM, Associação para a Investigação do Meio Marinho, que tem como base as zonas operacionais de Albufeira e Sagres, locais de eleição para a observação e estudo dos “semideuses” que povoam o nosso mar.

“Existe um interesse enorme no estudo dos golfinhos do Sado, no entanto, o conhecimento sobre as demais espécies e habitat é muito limitado. O Algarve reúne excelentes condições de mar, constitui uma rota importante de passagem e de possível residência, sobretudo para os cetáceos que frequentam o Mediterrâneo e a confluência com o Atlântico.

A nossa associação cria redes de trabalho conjuntas com as empresas de whale whatching. Os últimos anos promoveram uma vaga sem precedentes destas empresas, infelizmente muitas operam sem conhecimentos científicos, desrespeitando os animais apenas pensando no lucro fácil. Os pescadores e as escolas de atividades marítimas são para nós parceiros importantíssimos no alargamento do nosso conhecimento sobre as rotas e comportamentos dos cetáceos do sul de Portugal”, conta André Cid, enquanto aponta para um grupo de golfinhos comuns que se cruza conosco a bordo.

Intrigados com a presença do nosso navio aproximam-se e permitem as primeiras fotografias. Todos acorrem à borda do Creoula com as suas máquinas fotográficas, na expectativa de registrar os ágeis movimentos desta espécie. É incrível o fascínio e a energia que transmitem, impossível ficar indiferente à sua presença. Tal foi a afluência ao convés que julguei ver o navio adornar na direção do numeroso grupo. Ilusão minha, o navio de treino de mar convertido em plataforma oceanográfica segue o seu rumo de forma intrépida em direção a Sagres.

Junta-se a nós Joana Castro, responsável da AIMM e que coordena a base de dados de cetáceos da costa Sul de Portugal, baseando-se nos seus habitat, georeferênciando-os, identificando a sua estrutura social e os seus comportamentos, bem como compilando a foto identificação dos indivíduos onde a barbatana dorsal serve como impressão digital.

“Existe um catálogo de foto-identificação dos indivíduos. Com o cruzamento dessas informações, conseguimos aprofundar o nosso conhecimento sobre cetáceos. Todos podem contribuir para o enriquecimento da base de dados, desde clubes de vela, às embarcações de recreio. Queremos consolidar o nosso conhecimento, partilhá-lo e sobretudo contribuir para a preservação deste recurso que facilmente se extingue se não criarmos medidas rígidas de observação e aproximação aos grupos de golfinhos. Eles são animais selvagens, a sua proximidade só continuará a ser possível se os conhecermos e não os assustarmos. Apesar da existência de regras e legislação, a falta de bom senso e fiscalização pode fazer perigar este negócio e sobretudo destruir a ponta do icebergue da biodiversidade marinha dedicada aos cetáceos. Trabalhamos em parceria ativa com as empresas de whale whatching e passamos a mensagem da educação e sensibilização ambiental. Há empresas que promovem saídas sem terem guias especializados com conhecimentos científicos profundos, muitas vezes nem conseguem identificar as espécies e as suas características de forma rigorosa, explica a investigadora Joana Castro.

Existem, no entanto, empresas a promover a natação com golfinhos, embora a legislação proíba esta atividade em Portugal Continental. É ótimo como chamariz comercial, mas sem que exista uma responsabilização nem percepção de que os golfinhos são animais selvagens. Imagine-se a relaxar, nadando tranquilamente nas águas de uma praia do Algarve. Um grupo de turistas cerca-o, grita histericamente e fotografa de forma ostensiva colando as objetivas na sua testa, batendo na água e assobiando. Em simultâneo duas motas de água e três potentes lanchas rasgam o mar chão só para o ver de perto. Numa espiral de stress e desespero, sem perceber exatamente qual o verdadeiro interesse por si, tenta nadar para longe daquele caos marítimo. Só ao chegar a terra percebe que a t-shirt que tem vestida com um golfinho estampado jamais será boa aliada para um próximo mergulho.

Este poderá ser o sentimento comum de um golfinho ao ser abordado pelas 27 embarcações das 17 empresas de observação de cetáceos que operam no Algarve. Vendem-se cerca de sete mil bilhetes por época. Com uma receita anual de mais de quatro milhões de euros torna-se urgente sensibilizar as entidades competentes e estreitar os laços com a ciência no sentido de preservar este tesouro vivo.

Os golfinhos não são peixes, nem nadam em cardume. Cada um consome cerca de 25 quilos por dia, o que leva alguns pescadores a não os querer ver por perto.

Facilmente deixamo-nos monopolizar pelas várias espécies de golfinhos; dos roazes aos botos, dos comuns aos grampos, sem no entanto nos debruçarmos sobre baleias. De fato, no Algarve, também podem ser observadas várias espécies de baleias. Não se pense que temos que avançar mar adentro. Desde o premonitório de Sagres é possível observar algumas das dez espécies mais comuns, entre baleias e golfinhos presentes no mar português.

Uma das minhas grandes paixões no mundo aquático são as tartarugas. Estes répteis marinhos também podem ser observados no Algarve, ainda que não exista nenhuma praia de reprodução, onde deixem os seus ovos. Passam por aqui várias espécies a caminho do Mediterrâneo e é sempre uma recompensa poder avistá-las a nadar tranquilamente.

Marina Laborde e Rita Patrício dedicam-se ao estudo destes répteis marinhos. Rita perscruta com a ajuda dos seus binóculos quaisquer movimentos da água que deixem antever um avistamento.

“São animais muito sensíveis e frágeis, conseguimos avistar sobretudo a espécie mais comum a Caretta caretta. Migram pelo Atlântico alimentando-se de medusas, peixes, outros invertebrados e algas. Um dos maiores perigos são os micro plásticos, facilmente confundidos com alimentos. Acompanhamos esta campanha com o desejo latente de avistarmos e observarmos tartarugas, ao mesmo tempo este universo de biólogos e cientistas encaixa na perfeição sobre a nossa sede de conhecimento em biologia marinha. Procuramos partilhar o que sabemos sobre tartarugas”, comenta a estudante de doutoramento em ecologia marinha, regressando ao seu posto de observação, sem esconder a ansiedade por um possível avistamento.

A Associação para a Investigação do Meio Marinho (AIMM) revela-se como uma plataforma científica de excelência, composta por verdadeiros apaixonados pelo mar. Pude comprovar em todos os avistamentos – e foram muitos até agora – toda a excitação com que estes investigadores observam e identificam cada grupo. Desligam-se do mundo, falam em código entre eles registrando todos os dados possíveis. Comungam com o oceano e estão sempre disponíveis para poder fazer a tão necessária ponte entre a ciência e o grande público.

De todos os avistamentos de cetáceos que tive o privilégio de observar, jamais esquecerei as sensações de ter uma baleia juvenil junto ao Creoula, num calmo fim de tarde, bem como uma colossal receção de golfinhos comuns junto ao ilhéu do Martinhal irrompendo de um incrível mar chão. Impossível de descrever a emoção e toda a magia de uma visita noturna em torno do Creoula, os sons e o rasto de bioluminescência ficarão para sempre registados na minha mente como a minha melhor foto de golfinhos.

Fonte: Visão

Nota da Redação: Recentemente, a ANDA publicou um Guia sobre Turismo Responsável com Animais. Um dos assuntos abordados é a observação de cetáceos, confira!

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