Um dos maiores defensores das onças brasileiras teve a caça como o início de sua paixão pela espécie, mas hoje a ponta a prática, ao lado do turismo e da agropecuária, como as maiores ameaças à existência do animal. Ações da Polícia Federal (PF) indicaram, inclusive, que muitas vezes essas três áreas trabalham unidas – empresas de turismo criam “safáris” para caça da onça com apoio de fazendeiros – e aumentam a ameaça contra o animal. Para Peter Crawshaw Jr, apesar do aumento da população do animal a partir dos anos 70 e 80, a onça-pintada ainda corre risco de extinção por causa da ação do homem.
Segundo o biólogo, os animais estão encurralados em fragmentos de matas cada vez menores, com menos alimento. “A falta de alimento decorrente da diminuição de habitats naturais é agravada pela competição com o próprio homem, que caça como esporte ou para subsistência as mesmas espécies que constituem as presas dos grandes felinos”, afirma Crawshaw.
Quando as presas – como capivaras, porcos-do-mato, veados, pacas e tatus – escasseiam, as onças passam a procurar alimento nas criações de gado, e uma vez tendo adquirido este hábito, viram alvos fáceis, pois perdem o instinto antipredador.
Alguns felinos chegam a mudar seus hábitos e passam a ficar perto das áreas ocupadas por humanos. Os ataques, embora raros, preocupam quem vive no local. E mesmo tendo sido vítima de uma onça e sofrido pequenos ferimentos, o especialista garante que os animais apenas reagem a provocações, e que os turistas têm se aproximado demais dos bichos, invadindo o seu habitat.
“Não há nenhum tipo de desequilíbrio no Pantanal. O único desequilíbrio é no comportamento humano, quando insiste em ficar perto demais dos animais apenas para agradar aos turistas. Quando o turista ultrapassa limites da segurança e do bom-senso, se aproximando demais de uma onça na natureza para fotografar o animal, ele aumenta a probabilidade de ocorrer um ataque, pelo fato de a onça poder interpretar essa aproximação como uma invasão de território ou mesmo como uma agressão. Essa possibilidade aumenta se o animal estiver defendendo a carcaça de uma presa ou, pior ainda, se estiver com filhotes. Essa probabilidade varia também com a natureza individual, havendo animais mais tolerantes ou mais agressivos, e até com a disposição do mesmo naquele momento. Não se pode esquecer que, apesar de alguns animais terem sido cevados com alimentos e terem aumentado o nível de tolerância à aproximação do homem, as onças são animais selvagens, que podem ter reações imprevisíveis”, declarou.
Turismo
Com o objetivo de evitar que os turistas entrem inadvertidamente em excursões clandestinas ou se envolvam em atividades que não oferecem segurança, a Associação Brasileira das Empresas de Turismo de Aventura montou a campanha “Aventura Segura”, onde o consumidor é convidado a conhecer “10 Mandamentos”. O primeiro avisa sobre a importância de a agência de turismo ter boas referências. Logo depois, alerta para que o viajante verifique se a empresa opera dentro das regras ambientais. Os conselhos mais efetivos, porém, apelam para bom-senso dos participantes: “ande sempre por trilhas demarcadas¿ e “conheça e respeite seus limites” são alguns exemplos.
O Ministério do Turismo afirma que recomenda às empresas que “observem a legislação ambiental, a fim de não pôr em risco o bem-estar e a saúde dos animais e dos turistas”.
Caça e agropecuária
Apesar de ser proibida no Brasil, o artigo 37 da Lei de Crimes Ambientais permite a caça de animais “para proteger lavouras, pomares e rebanhos da ação predatória ou destruidora de animais, desde que autorizado pela autoridade competente”. Mas na opinião do delegado da Polícia Federal Alexandre do Nascimento, a maioria abusa desta abertura da lei.
“Usam isso como desculpa, mas a onça é um animal que percorre grandes distâncias. Mata uma cabeça de gado em um lugar e caminha 20 km até matar outra. Então não é uma ameaça tão grande para fazendeiros. E isso de matar para defender a criação é uma coisa controlada. Tem que ter uma autorização específica para matar uma onça, mas a maioria não tem”, diz o delegado.
Safáris
A Operação Jaguar, realizada em parceria com o Ibama, indicou que fazendeiros da região colaboravam com os caçadores, que chegavam a organizar “safáris”, onde turistas pagavam até U$S 1,5 mil para participarem da caça.
De acordo com a investigação, que resultou em 14 prisões no mês de julho, os caçadores, brasileiros e estrangeiros, ingressavam no Pantanal em aviões particulares e pousavam em fazendas da região, equipados com modernas armas de caça. Lá, utilizavam cães, normalmente cedidos por um caçador ou fazendeiros interessados em proteger seu gado do felino.
“O problema de achar esse pessoal é que normalmente eles destroem a carcaça, que seria a prova do crime. Mas este grupo sequer tinha essa preocupação. Eles tiravam muitas fotos e levavam cabeças e peles como troféus”, disse Nascimento.
Falso fim do perigo
Crawshaw diz que, mesmo verificando o aumento no número de onças, o a caça, a destruição do habitat, a eliminação de espécies-presa e o abate feito pelos fazendeiros ainda colocam os animais sob perigo.
“O alegado aumento da população de onças-pintadas no Pantanal Mato-grossense, em anos recentes, por vezes propalado pela imprensa nacional e local, tem contribuído para a falsa impressão de que a espécie está longe da ameaça de extinção. Isso se deve, em parte, a uma retomada da pecuária, depois de um longo ciclo de baixa produção decorrente de um período de altas cheias anuais, entre meados dos anos 70 e 80. Esse mesmo ciclo de cheias e a consequente descapitalização e o êxodo rural de grandes áreas remotas no Pantanal possibilitaram a recuperação da espécie, que repovoou áreas onde havia sido extinta no fim da década de 70”.
Para tentar reverter o quadro, projetos inspirados em experiências de outros países estão contribuindo para a diminuição da caça. Peter Crawshaw lista cercas elétricas, o uso de substâncias nauseantes em carcaças de animais abatidos, colares tóxicos, aparatos eletrônicos que acendem luzes e emitem sons fortes, cães de guarda (no caso de ovinos) e fogos de artifício como alternativas para os fazendeiros.
Amor pela onça
O próprio Crawshaw afirma que sua paixão pelo animal começou com a caça. Quando criança, herdou do pai o interesse pela natureza e costumava devorar livros de aventura. “Na maioria dos relatos de caçadores, o ponto alto sempre tinha a ver com a onça-pintada ou jaguar, o nosso predador máximo. Nessa época, eu sonhava com o dia em que caçaria a ‘minha’ onça”, diz o biólogo de 55 anos.
As mudanças de emprego do pai oportunizaram o contato com diferentes matas e banhados de São Paulo e do Rio Grande do Sul. Mas foi o seu contato com o zoólogo George Schaller, pesquisador de tigres, leões e gorilas, o divisor de águas da sua carreira. “Em 1976, fiquei sabendo que Schaller estaria vindo ao Brasil para fazer o primeiro estudo sobre o jaguar, no Pantanal de Mato Grosso. Me ofereci para ajudá-lo de alguma forma no projeto e no ano seguinte fui ao seu encontro na fazenda Acurizal”.
Angela Joenck
Fonte: Terra