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Tubarões são vítimas, não algozes

23 de novembro de 2014
10 min. de leitura
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tubarão
“Não permitas que ninguém negligencie o peso de sua responsabilidade. Enquanto tantos animais continuarem a ser maltratados, enquanto o lamento dos animais sedentos nos vagões de carga não forem emudecidos, enquanto prevalecer tanta brutalidade nos matadouros… todos seremos culpados. Tudo o que tem vida tem valor como ser vivo, como manifestação do mistério da vida” Albert Schweitzer (1875-1965) – médico, teólogo, músico e filósofo alemão.
Tubarões são animais muito antigos no planeta. Existem há cerca de 400 milhões de anos, mais de 200 milhões antes dos dinossauros. Os antepassados dos atuais tubarões tinham uma aparência diferente da que possuem atualmente – alguns se pareciam mais com enguias. Hoje há, aproximadamente, 400 espécies (sendo 88 encontradas no Brasil), podendo variar de 20 cm (tubarão lanterna anão) a 15 m (tubarão baleia) de comprimento total do corpo.
Tubarões são encontrados em oceanos e mares de todo o mundo e são comuns em profundidades de até 2000 m. Geralmente não ocorrem em água doce, com algumas exceções. A expectativa de vida de um tubarão varia de acordo com a espécie, mas a maioria vive entre 20 e 30 anos, sendo que algumas espécies podem chegar a 100 anos. Os tubarões podem ser bastante sociáveis, convivendo em grupos.
Em geral, nadam a uma velocidade média de 8 km/h, mas podem chegar a 19km/h quando estão perseguindo uma presa. São importantíssimos para o ecossistema marinho, pois “limpam” os mares, alimentando-se também de peixes feridos, doentes e até de animais mortos (alguns já em decomposição), colaborando assim, para a manutenção da salubridade oceânica. Tubarões são carnívoros (a maior parte) e sua alimentação inclui carpas, trutas, sardinhas, atuns, linguados, cavalas, enguias, baleias, outros cações, isto é, peixes em geral, e também lulas, polvos, tartarugas, arraias, crustáceos, aves e mamíferos marinhos, como focas, golfinhos e leões marinhos. Algumas espécies alimentam-se de plâncton (tubarão frade, tubarão peregrino, tubarão baleia, etc.).
Possuem esqueleto cartilaginoso (como as arraias), com fendas branquiais (5 a 7 pares de brânquias) e aberturas individuais. Curiosamente seus dentes são repostos pelo organismo quando são perdidos (um tubarão perde, em média, 6000 dentes por ano), chegando até a terem substituída uma fileira inteira de dentes – possuem fileiras de dentes de reposição, que ficam atrás da fileira de dentes que está sendo usada – são 6 ou 7 fileiras paralelas de dentes.
O corpo dos tubarões (geralmente cinzento) é revestido por escamas placóides, que são estruturas parecidas com as de um dente, compostas de esmalte, dentina, vasos e nervos – essas escamas protegem suas peles de ferimentos e parasitas. A pele dos tubarões, flexível e resistente, é muito áspera por causa dessas escamas.
Tubarões se reproduzem sexuadamente por fertilização interna ou assexuadamente, quando a fêmea gera um filhote através da partenogênese (ela procria sem precisar do macho para fecundá-la) e podem ser ovíparos, ovovivíparos e vivíparos. Ovíparos, cerca de 20% das espécies de tubarões, põem ovos com cascas grossas resistentes a predadores. Os ovos são incubados e os filhotes sobrevivem por conta própria. Tubarões ovovivíparos, cerca de 70%, as fêmeas carregam seus embriões internamente e nascem filhotes vivos, mas não os alimentam durante seu desenvolvimento. Tubarões vivíparos, cerca de 10% – nascem crias já com vida, que são alimentadas no útero da fêmea através de uma placenta ou de uma secreção conhecida como leite uterino. As fêmeas procriam em anos alternados.
Possuem olfato muito sensível além de possuir estruturas sensoriais na cabeça, o que lhes permite localizar alimento com facilidade, podendo detectar os campos eletromagnéticos de possíveis presas. O olfato do tubarão é extremamente apurado, facilitando-lhe identificar substâncias como sangue bastante diluídas na água, como concentrações abaixo de 1 parte por 1 milhão, o que equivale a distinguir uma gota de sangue a 300 m de distância no oceano.
O olfato e essa grande sensibilidade, permitem aos tubarões perceberem a vibração de um peixe movendo-se a uma distância de 250 a 1500 m. Tubarões enxergam em cores e sua visão é 7 vezes mais poderosa do que a humana. Também ouvem muito bem e são capazes de guardar informações no cérebro por mais de um ano. Obtêm sucesso em mais de 70% nos ataques que realizam (grandes felinos em apenas 20%).
O cinema estigmatizou os tubarões como “monstros assassinos”, mas apenas de 5 a 10 pessoas morrem devido a ataques de tubarões ao ano no mundo. No mesmo período, somente em águas norte americanas, 500 000 tubarões morrem através de mãos humanas. O risco de um ser humano morrer atacado por um tubarão é de 1 em 264,1 milhões. É mais fácil ser morto por ação de um raio do que por um tubarão. Estima-se que 100 milhões de tubarões são mortos a cada ano, devido à pesca comercial e desportiva (?) e esse número supera o de nascimentos. A carne de tubarão (cação) é considerada um alimento comum em muitos países, incluindo o Brasil. Quem é o “monstro assassino”?
Segundo Marcelo Szpilman, biólogo, diretor do “Instituto Ecológico Aqualung”, 90% dos ataques de tubarões são acidentais, acontecendo em pontos de água turva, onde a visibilidade do animal é prejudicada. Ao contrário do que se pensa, tubarões não são contumazes devoradores de seres humanos, mas sim confundem humanos com suas presas e por isso atacam. Grande parte dos ataques ocorre em água rasa, com menos de 1 m de profundidade.
No Brasil, em Recife, Pernambuco, os ataques de tubarões são mais frequentes (apesar de ser no sul do país a maior ocorrência de tubarões) por alguns fatores naturais e pela ação do homem. A construção do porto de Suape, ao sul de Recife, em 1983, destruiu os manguezais (inclusive mudando o curso de 2 rios), o que provocou a migração de fêmeas de tubarão cabeça chata para o estuário do rio Jaboatão, que desemboca nas praias. Outro fator é o aumento de tráfego marítimo, o que atrai tubarões, pois gostam de seguir grandes embarcações. Mais uma causa é a pesca de arrasto do camarão rosa, com descarte de dejetos próximo às praias – diariamente 1 tonelada de peixe morto é despejada no mar e isso atrai tubarões.
Um estudo publicado pelo jornal “Folha de São Paulo” em 2013, aponta que 31 espécies estão ameaçadas de extinção no Brasil. Segundo o “Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade” (“ICMBio”) 19 espécies de tubarões estão “criticamente em perigo”, que é o maior grau de risco. A entidade é responsável pelo “Plano Nacional para Conservação da Espécie”.
Tubarões estão no topo da cadeia alimentar marinha, no entanto, sua sobrevivência está sob séria ameaça por causa de sua carne, óleo de seu fígado, sua pele e suas barbatanas (ou nadadeiras, obtidas por meio de cruel extração). Um tubarão de porte médio “fornece” cerca de 5 a 8% de nadadeiras (grande parte do “valor comercial” de um tubarão está em suas barbatanas), 35% de carne (usada em várias preparações, inclusive sushis e sashimis), 13% de fígado para obtenção de óleo e vitaminas pela indústria, 9% de pele para a confecção de artigos de couro (sapatos e vestuário) e objetos, e 35% de resíduos usados principalmente na obtenção de farinha para ração de cães e gatos. Seus dentes são utilizados para a fabricação de bijuterias e ornamentos. Há também a utilização de várias partes como matéria prima para a indústria de cosméticos e duvidosos medicamentos (cartilagem de tubarão).
Por causa de sua carne e barbatanas, um número absurdo de tubarões é morto. Os mais perseguidos (por suas barbatanas) são os tubarões brancos, e o tubarão azul está em grave perigo de extinção – 90% das barbatanas retiradas para comércio são desta espécie. Especialistas relatam que 1 bilhão de tubarões foram mortos na última década no mundo.
tubarão 2
Tubarões sempre foram caçados, mas com o incremento do infame comércio de suas nadadeiras, passaram a ser alvo da ganância humana. O surgimento do consumo da sopa de barbatanas de tubarão é ancestral – remonta à “Dinastia Sung”, entre 960 e 1279 na China, quando as nadadeiras eram uma “iguaria” “apreciada” pela nobreza.
“Finning” (do inglês – “retirar as barbatanas de um peixe”) é o nome da atividade brutal da pesca de tubarões apenas para obtenção exclusiva de suas barbatanas. Suas nadadeiras são amputadas por meio de lâmina de metal quente, com o animal vivo – e assim, mutilado, incapacitado de nadar é simplesmente descartado, jogado de volta ao mar covardemente, para morrer sangrando (por asfixia) ou por ataque de outros peixes. E tudo somente, para o preparo de uma nojenta sopa, cujo principal ingrediente é o sofrimento.
Essa nauseante preparação levou a um aumento na captura de tubarões (e também da de golfinhos, cuja carne é usada como isca para atrair tubarões por causa do cheiro forte de seu sangue) e tem grande procura, principalmente no oriente. Ingerir essa repugnante sopa é um símbolo de status (!) em países asiáticos (como China, Japão, Filipinas, Tailândia, etc.) onde essa aberração culinária pode chegar a custar 150 dólares por prato em um restaurante “sofisticado”. A China é o maior mercado consumidor de barbatanas do globo. Estima-se que 80% das barbatanas pilhadas no mundo vão para Hong Kong (o maior centro desse comércio), onde são distribuídas para o restante do país e da Ásia.
“Praticamente todas as barbatanas que entram nas embarcações de pesca são direcionadas ao mercado asiático”, afirma o professor de biologia Walter de Nisa e Castro Neto, coordenador do projeto “Pró Squalus” que visa a preservação de tubarões. Essa macabra sopa teria, supostamente, efeitos afrodisíacos e alguns acreditam, estúpida e irracionalmente, que seria benéfica à saúde. Quanta sandice! Bem ao contrário: segundo o “Instituto Aqualung”, “relatórios recentes mostram que o consumo humano de nadadeiras de tubarão pode aumentar os riscos no desenvolvimento de doenças neurodegenerativas, incluindo Alzheimer e Esclerose Lateral Amiotrófica, devido aos níveis elevados da neurotoxina BMAA (N-metilamino-L-alanina) encontrada em amostras de nadadeiras de tubarão”. Nenhum alimento preparado com partes de animais pode fazer bem à saúde de humanos, muito menos curar doenças!
O que move esse tipo de atividade, como sempre, é a avidez por lucros desmedidos: barbatanas de tubarão podem atingir o valor de 200 dólares o quilo (também são utilizadas pelas indústrias de computadores, adubos, fibras óticas e cola). Esse asqueroso comércio é muito lucrativo: carne de tubarão vale em torno de 1,50 dólares, e deve ser devidamente refrigerada na própria embarcação, enquanto que nadadeiras secas ao sol, sem nenhum processamento, valem muito mais. É mais vantajoso financeiramente e criminosos não pensam 2 vezes, preferindo praticar o repulsivo “finning” – é um mercado milionário, um “negócio da China” para esses facínoras.
Muitos governos e as Nações Unidas estão empenhados em vencer esse desafio, mas poucas mudanças foram observadas. Muitos países, como os EUA proibiram essa prática, mas a fiscalização se torna difícil, pois além de outros motivos, tubarões se deslocam para fora de águas americanas. O “finning” é uma prática inaceitável!
Países onde o “finning” é proibido: EUA, África do Sul, Reino Unido, Omã, Costa Rica, Colômbia, Nova Zelândia, Honduras, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Bahamas, etc. e países membros da União Européia (desde 2005). Contudo, Portugal e Espanha são contra a proibição, sendo os 2 países europeus que mais pescam tubarões. A grande maioria de barbatanas que chega a Hong Kong é proveniente de navios espanhóis. Cerca de 120 países, inclusive o Brasil, matam tubarões pelas suas barbatanas e 43% das espécies de tubarões em nosso litoral já estão ameaçadas de extinção.
No Brasil, a pesca do tubarão é permitida, exceto para espécies em risco de extinção, como o cação anjo ou o tubarão baleia. Há uma portaria do IBAMA que inibe o “finning”, a portaria no 121/1998 que proíbe atirar ao mar carcaças de tubarões das quais tenham sido removidas as barbatanas e para transporte e/ou desembarque o peso total das barbatanas não pode exceder a 5% do peso total das carcaças. Nos desembarques, todas as carcaças e barbatanas de tubarões devem ser pesadas. A grande dificuldade é a implantação de eficaz fiscalização.
Tubarões exercem função essencial nos oceanos, estabilizando e mantendo a saúde marinha, equilibrando a cadeia alimentar. Além disso, tubarões e todo e qualquer animal possuem um valor intrínseco, que excede o possível valor comercial que supostamente possam ter. Governos e sociedade devem se empenhar para o fim definitivo da pesca do tubarão e da prática abjeta do “finning”. São necessárias leis com previsão de punições mais severas, fiscalização efetiva e grande investimento em educação.

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