Parece algo saído de um roteiro de filme de Hollywood, mas realmente aconteceu: pesquisadores da evolução dos tubarões dizem que o aumento da temperatura dos oceanos, há mais de 100 milhões de anos, pode ter feito com que os tubarões crescessem mais, nadassem mais rápido e se tornassem os predadores poderosos que conhecemos hoje. Em um artigo publicado no mês passado no periódico Current Biology, cientistas relataram que mediram os tamanhos das nadadeiras e os comprimentos do corpo de 500 tubarões extintos e vivos e compararam essas informações com dados da árvore genealógica evolutiva dos tubarões.
Os resultados indicam que, quando o oceano ficou muito quente, aproximadamente 122 milhões de anos atrás, durante o período Cretáceo, alguns tubarões abandonaram seu habitat no fundo do mar e se mudaram para o oceano aberto. Essa ascensão pode ter alterado a estrutura de suas nadadeiras e corpos, o que levou a mudanças em seu tamanho e capacidade de nadar.
É um equívoco pensar que todos os tubarões são como as feras sanguinárias, poderosas e aerodinâmicas de “Tubarão” (filme) que nadam perto da superfície do oceano (ou em tornados e ruas da cidade, se você assistiu a “Sharknado”). A maioria dos tubarões sempre foi bentônica, o que significa que eles se alimentam de matérias presentes no fundo do oceano. Ao contrário de seus parentes pelágicos — ou de águas abertas —, os tubarões bentônicos não precisam nadar constantemente para respirar. Eles podem descansar no fundo do mar.
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A necessidade de respirar, no entanto, pode ter sido apenas o estímulo que moveu alguns tubarões mais para o alto da coluna d’água. Os fundos oceânicos do Cretáceo, os autores afirmam, podem ter se tornado cada vez mais pobres em oxigênio em alguns lugares. Para que os ancestrais de muitos tubarões modernos sobrevivessem e eventualmente prosperassem, era hora de abandonar o fundo do mar.
Pistas sobre essa mudança de habitat, e o que perdurou nessas espécies, são vistas nas mudanças nas barbatanas peitorais de antigos tubarões pelágicos e bentônicos.
“A maioria dos tubarões de águas abertas tende a ter nadadeiras alongadas, e os tubarões bentônicos têm nadadeiras mais curtas”, disse Lars Schmitz, professor de biologia no Claremont McKenna College, na Califórnia, e autor do artigo.
Seu colega Phillip Sternes, um pesquisador de tubarões baseado na Califórnia, comparou barbatanas peitorais a asas de um avião. “Asas longas e estreitas” — como as de um avião comercial, por exemplo — “ajudam na sua relação sustentação-arrasto, então, isso reduz seu custo de combustível”, ele disse. Em contraste, as “asas curtas e atarracadas de aeronaves de caça não são boas para viagens de longa distância, mas podem girar em um piscar de olhos”.
O mesmo vale para os tubarões: barbatanas peitorais mais longas podem ter tornado a natação mais eficiente para tubarões de corpo maior, uma adaptação importante para espécies cuja respiração agora exigia natação constante.
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Mas não é só o tamanho do corpo e das nadadeiras que podem ter aumentado. O pico da temperatura da superfície do oceano no Cretáceo em cerca de 28,3°C pode ter afetado a velocidade do tubarão. Para comparação, a média de hoje é de 20°C.
Timothy Higham, coautor e professor da Universidade da Califórnia, explica que tubarões e outros peixes são semelhantes à maioria dos animais “no sentido de que a função muscular é muito dependente da temperatura”. Em outras palavras, ele disse, “se seus músculos se aquecem, eles se tornam melhores em contrair rapidamente”.
Temperaturas mais quentes e músculos mais rápidos e ágeis permitiam que os tubarões pudessem “bater suas caudas para frente e para trás mais rápido”, explica Higham. Isso se traduz em maior velocidade, o que, ele acrescentou, pode ter levado os tubarões a “expandir para um habitat de águas mais abertas”, capturando presas que nadavam rápido e evitando outros predadores marinhos do Cretáceo que agora estão extintos.
Com as temperaturas do oceano aumentando agora por causa do aquecimento global, poderíamos ver mudanças semelhantes nos tubarões de hoje? Em outras palavras, os tubarões poderiam ficar ainda maiores e mais rápidos? O aquecimento global há milhões de anos pode ter introduzido adaptações evolutivas importantes em alguns tubarões, mas Higham enfatizou que as rápidas mudanças climáticas de hoje têm maior probabilidade de causar danos à vida no oceano.
“Porque outros animais, organismos, não tubarões, foram absolutamente devastados”, ele explica. Ele acrescentou que, embora alguns tubarões tenham se adaptado aos oceanos do Cretáceo, “isso também causou a extinção de muitos outros animais”. Allison Bronson, membro do corpo docente da Universidade Politécnica Estadual da Califórnia, em Humboldt, que não estava envolvida na pesquisa, concordou com a tese.
“A disseminação de zonas marinhas anóxicas [de baixa oxigenação] e as mudanças no clima global, muitas vezes ocorrendo simultaneamente à acidificação dos oceanos, resultaram nas piores extinções em massa da história da Terra”, disse ela, acrescentando que “o ritmo das mudanças agora é realmente sem precedentes”.
Fonte: O Globo