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NEGLIGÊNCIA

Três anos depois, girafas trazidas da África do Sul para o Rio de Janeiro continuam confinadas e sem destino definido

Transação polêmica, pessoas detidas pela Polícia Federal e indiciadas na Justiça, quatro animais mortos, futuro incerto. O caso que começou no final de 2021 se estende sem soluções aparentes

1 de novembro de 2024
Felipe Lucena
6 min. de leitura
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Foto do laudo feito pela Polícia Federal em 2022.

Neste mês de novembro, mais precisamente no dia 11, completam-se três anos que 18 girafas foram trazidas da África do Sul para o Brasil. Desde então, elas estão no Portobello Resort & Safari, em Mangaratiba (RJ). Inicialmente, foi informado que os animais ficariam no local para uma quarentena de 15 dias e depois seriam transferidos para o BioParque do Rio de Janeiro. Nesse tempo, em dezembro de 2021, três dessas girafas morreram em uma tentativa de fuga. Uma quarta também morreu, um ano depois, e a necropsia acusou grande quantidade de areia no estômago. Muitas polêmicas cercam esse caso e até hoje não se sabe qual será o destino desses animais.

Assim que chegaram ao Rio de Janeiro, não havia local adequado para colocar os animais, então um galpão foi adaptado para isso. Fica evidente que seriam vendidas. O Grupo Cataratas escondeu que três girafas haviam morrido, porque tentaram fugir e foram laçadas por boiadeiros, isso está no relatório da Polícia Federal. Detalhe: introduziram animais do exterior em área rural, num pasto, junto com gado, podendo pegar doenças”, disse o professor e defensor dos animais Marcio Augelli, bastante atuante no caso dessas girafas.

Sobre a morte da quarta girafa, a militante da causa ambiental Isabelle de Loys pontuou: “Foi um caso claro de não saber cuidar de um animal desse tipo. Se ela ingeriu muita areia é porque estava em um ambiente que não era propício para ela”. 

Defensores da causa animal garantem que as girafas passaram muito tempo em um local inadequado para o tamanho das espécies. Imagens do laudo da Polícia Federal, analisadas por biólogos, mostram que os animais apresentaram lesões nas articulações, além de terem que conviver com  fezes e em ambiente escuro.

Os animais foram oferecidos a outros zoológicos do Brasil, mas a negociação acabou sendo fechada com o Grupo Cataratas, responsável pelo BioParque do Rio de Janeiro, para que viessem para a capital fluminense.

“Quando iniciaram o processo para comprar esses animais, o BioParque do Rio ainda não tinha recebido fiscalização da Fundação RIOZOO em relação à compra. A Fundação nunca foi investigada no caso. Essas girafas são patrimônio da cidade. Eu gostaria muito saber qual é a função da Fundação RIOZOO, saber o que ela faz, porque parece que não faz nada diante das funções dela e uma delas é fiscalizar o BioParque. O que a gente tinha que ter mesmo era uma CPI naquele zoológico. Essa Fundação não é nada transparente, eles nem sabem quantos animais fazem parte desse patrimônio da cidade”, pontua Isabelle de Loys.

“Hoje em dia, são animais adultos, com cinco metros de altura, de vida selvagem. Podem ter morrido mais. Nem sabemos quantos estão vivos. Não sabemos quase nada sobre a situação desses animais. Por que eles não deixam defensores dos animais verificarem a situação das girafas? Por que só órgãos que estão sob suspeita dizem que estão fazendo essa verificação? Eu tentei muitas vezes ir lá em Mangaratiba e não consegui entrar”, comenta o defensor dos animais Marcio Augelli.

Muitas pessoas tentaram visitar o local onde os animais se encontravam, mas isso só foi possível em poucas oportunidades. A reportagem do DIÁRIO DO RIO pediu duas vezes para ir até o Portobello Resort & Safari, no entanto, não teve resposta.

De acordo com informações obtidas pela reportagem, atualmente, os animais estão em uma área mais espaçosa e compatível com seu porte físico, separados por machos e fêmeas, no Portobello Resort.

Polêmicas  

As polêmicas começaram já com a chegada dos animais ao Brasil. O processo de importação foi autorizado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, o Ibama, todavia, o laudo inicial, feito por técnicos em janeiro de 2022, diz que os espaços que abrigam as girafas no Portobello Resort & Safari, em Mangaratiba, estariam fora dos padrões mínimos de conforto.

Há outra questão no processo da chegada das girafas ao Brasil que também gerou mobilização entre biólogos e pessoas preocupadas com o bem-estar animal. O relatório inicial trazia a letra W (de wild, selvagem em inglês) ao se referir aos animais. Isso quer dizer que foram capturados na natureza. O artigo 18 de uma portaria do Ibama impede que animais retirados da vida selvagem sejam comercializados.

Esse relatório foi questionado e o documento encaminhado ao Ministério Público. Fiscais do Ibama autuaram o BioParque por maus tratos. A Polícia Federal (PF) fez uma operação no Resort. Dois funcionários foram detidos e soltos no mesmo dia.

Roberto Cabral, um dos fiscais do Ibama e autor do laudo que acusa o Grupo Cataratas de maus tratos, foi afastado do cargo por alguns meses e só depois realocado às suas antigas funções. Ele afirmou à reportagem que prefere não falar sobre.

Esse debatido relatório foi refeito, terminando favorável a todo o processo de importação das girafas vindas da África do Sul. À época, o Ibama informou que, após notificação, os recintos foram adequados conforme a legislação e que o Instituto segue acompanhando a adaptação dos animais, por meio de vistorias frequentes.

Caso na Justiça

Em janeiro de 2022, um dia após a operação da Polícia Federal, a juíza Neusa Regina Larsen de Alvarega Leite, da 7ª Vara de Fazenda Pública do Rio, concedeu liminar para remoção das girafas do Portobello Resort & Safari no prazo máximo de 48 horas, com multa diária de R$ 5 mil para o BioParque em caso de descumprimento. No entanto, o caso foi transferido para a Justiça de Mangaratiba, que se negou a aceitá-lo. Com isso, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro ficou de decidir quem será o responsável pelo assunto. As testemunhas já foram ouvidas. A sentença ainda não saiu.

Após a operação da PF em 2022, foram indiciados um servidor do Instituto Estadual do Ambiente (Inea), um do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), além de um biólogo e um administrador do Portobello Resort.

“Depois que essas pessoas foram indiciadas e afastadas de suas funções, as girafas continuaram no mesmo lugar, passando as mesmas dificuldades e maus tratos. O dono do Portobello Resort e o dono do Grupo Cataratas ficaram como testemunhas de acusação nesse caso na Justiça. Isso é uma piada! Qual a segurança jurídica que temos nesse país? Está na cara que eles, os poderosos, estão sendo protegidos. Esse é o maior caso de contrabando de animais da história do Brasil. Começou quando o país era governado por Bolsonaro. Agora é por Lula e ninguém faz nada. Esse é o país em que vivemos”, afirma Marcio Augelli.

Três anos após a chegada ao Rio de Janeiro, a preocupação de biólogos e pessoas atuantes no bem-estar animal só aumenta. “Essas girafas ainda estão confinadas, podem pegar doenças, como carrapatos de outros animais que ficam próximos, como cavalos, por exemplo, detalhou Isabelle de Loys.

Sobre o futuro dessas girafas, a ambientalista frisa que “o ideal é irem para algum santuário de proteção animal, de preferência na América do Sul, pois já estão muito grandes para grandes viagens, dificultaria o transporte. Se forem vendidas, como era o plano inicial, ou para algum zoológico, será a confirmação do crime”.

Ambientalistas, artistas e outras personalidades escreveram uma carta direcionada ao presidente Lula e à ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, pedindo soluções para o caso das girafas.

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