Por Renata Takahashi (da Redação)
Mocinha é uma cadela que ficou tetraplégica por causa de uma misteriosa doença degenerativa. Antes de perder os movimentos, vivia nas ruas em Osasco (SP) e como acontece com muitos cães nesta situação, logo seria morta. Sua sorte mudou quando a atriz Julia Bobrow e mais duas amigas a resgataram. Mesmo com diversas dificuldades, Mocinha nunca mais correu o risco de ser morta. Agora toda sua trajetória está sendo contada na internet, por meio de um Blog e outras redes sociais. Leia abaixo, na íntegra, as três primeiras partes desta linda história de amor e superação.
PARTE I
Mocinha tem 9 anos. Ou talvez 6. Ou mais de 10. Ninguém sabe ao certo, pois a cinomose deixou marcas que impossibilitam esta verificação.
Nasceu nas ruas de Osasco (Grande SP) e logo teve seu destino traçado: o Centro de Controle de Zoonoses da cidade e, depois, clínicas particulares e lares temporários.
Uma denúncia anônima circulou pela web: a Mocinha seria SACRIFICADA. Sem conhecê-la (e, obviamente, isto não importava) Julia foi com duas amigas – Raissa e Patricia – até Osasco e a resgatou.
Mocinha não tinha este nome. Talvez nunca tivesse tido um nome, sequer um reconhecimento, um porto seguro. Como todos os animais abandonados em nossas cidades levava uma vida traumática que não lhe permitia uma identidade, pois seu foco era apenas um: sobreviver; da fome, de um atropelamento, de outros animais abandonados, de torturadores urbanos, sobreviver não é tarefa simples.
Uma importante pesquisa organizada por algumas universidades de São Paulo chegou a um dado estarrecedor acerca da expectativa de vida de cães COM LAR PERMANENTE na Região Metropolitana de SP: 3 anos de idade. Isto mesmo: 3 ANOS! Enquanto no Japão, a média é superior a 8 anos, na Dinamarca é 10 e na Inglaterra, 11 anos, o Brasil e a Grande SP podem se envergonhar deste número. E a principal causa destas mortes precoces é a NEGLIGÊNCIA dos tutores destes animais, privando-os de acesso a água, comida, higiene e, ainda, privando-os de vacinas importantes que poderiam mantê-los saudáveis e felizes por mais de uma década.
Nossa Mocinha, portanto, já pode ser considerada uma sobrevivente fora desta curva. Poderia ter feito parte dos indicadores desta pesquisa mas teve seu destino radicalmente alterado.
PARTE II
Das ruas de Osasco – a morte anunciada – aos braços de tutores responsáveis. Mocinha ficou pouco tempo em São Paulo e logo encontrou seu lar em Campos do Jordão.
Muito espaço, área verde e outros amigos, em Campos ela pode extravasar todo seu instinto canino de felicidade plena e passou a ter uma vida não mais baseada na sobrevivência e sim na alegria de se fazer MOCINHA.
Um ano se passou e uma doença encubada se manifestou. Degenerativa. Talvez sequela da cinomose, ninguém nunca soube diagnosticar. Primeiro o latido foi ganhando ares de rouquidão. Depois as patas traseiras começaram a não suportar o peso do corpo. Sem tratamento adequado em Campos do Jordão, Mocinha veio para São Paulo onde ganhou um novo lar e novos irmãos e irmãs. Ganhou, ainda, uma cadeirinha especial para dar suporte ao corpo. Com as patas da frente ainda conseguia se movimentar, correr, ir ao banheiro sozinha. Paralelamente visitou inúmeros veterinários, neurologistas, curandeiros de toda sorte. Ultrassom, exame de sangue, raio-X, ressonância magnética. Nada. Tudo ok. Diagnóstico fechado? Nenhum. Suspeitas? Muitas. Concluiu-se tratar de uma “doença degenerativa”, a única resposta possível com ares de seriedade e “profissionalismo”.
Manteve constante fisioterapia e acupuntura para não permitir completa atrofia muscular e nervosa. Alimentação normal, banhos regulares, música erudita para relaxar. QUALIDADE DE VIDA. Nenhuma dor, vida normal, feliz!
PARTE III
Dia após dia e as patas da frente ficavam cansadas com mais rapidez. Os músculos já não suportavam o corpo, as caminhadas de 20 minutos deram lugar a saídas curtas e, em pouco tempo, a cadeirinha especial caiu em desuso.
Os latidos roucos agora eram sons abafados. Projetos de latido.
O músculo da bexiga, responsável pelo movimento de contração e liberação da urina, ficou incontinente, sem controle algum.
Assim se manifestava sua doença degenerativa, assim começou sua paralisia completa.
De veterinário em veterinário, também nas conversas e nas redes sociais, não faltaram indicações sobre o que seria o senso comum para o caso da Mocinha: a eutanásia. Não pelo animal, mas pelo trabalho que daria aos tutores.
Da forma como entrava por um ouvido, saía pelo outro. Nunca foi assunto na nossa mesa, nunca foi sequer uma hipótese, desistir NUNCA foi uma opção.
Com o tempo os sintomas da doença estagnaram. A tetraplegia permaneceu, os latidos secos e ocos também, a urina passou a ser retirada da bexiga com a ajuda da palma da mão no lugar certo. Mocinha nunca sentiu dor, nunca soube o que é sofrer, talvez até hoje sequer saiba que carrega uma doença tão avassaladora.
Qual seria, portanto, o nosso direito de tirar-lhe a vida, se a garantia dos direitos e do acesso a coisas essenciais como o carinho, o amor, o alimento, a higiene e a família estava, enfim, assegurada?
Esta é, portanto, a história da Mocinha: uma cachorra resgatada das ruas de Osasco, salva de um sacrifício anunciado, que foi morar em Campos e passou a manifestar os primeiros sintomas de uma misteriosa doença. Veio para SP e ficou rapidamente tetraplégica. Hoje se dedica exclusivamente a ser FELIZ e a proporcionar aos seus tutores ainda mais felicidade. Enquanto ela quiser viver, assim a ajudaremos, com acupuntura, musicoterapia, fisioterapia e a mais nova tentativa de tratamento através de células-tronco. Vida longa e feliz, Mocinha!
Em depoimento à ANDA, Julia Bobrow declara todo seu amor pela Mocinha, e especula sobre sua doença, lembrando que apesar dos contratempos, o que importa é que a cadelinha é, acima de tudo, feliz. “Ser mãe da Mocinha é viver uma montanha-russa diária de emoções, desafios e lindas surpresas. Desde o início construímos uma relação de cumplicidade, até como uma forma de linguagem para reconhecer suas necessidades mais básicas através de sons, latidos, olhares. Como a Mocinha é tetraplégica, para sede é um som, carinho é um movimento, xixi é um choro agudo e por aí vai. Nunca tivemos um diagnóstico fechado sobre a(s) doença(s) dela. Talvez seja sequela de cinomose, pode ser, ou alguma doença degenerativa misteriosa, também pode ser. Seu raio-X, hemograma, tomografia, tudo ok. Mielopatia degenerativa? Difícil, afinal ela já passou do teto possível que um cão sobreviveria se tivesse a doença. O que importa, neste processo, é que a Mocinha é FELIZ e tem qualidade de vida. Não sofre, nunca sofreu (pelo menos a partir do seu resgate, claro). Não faltaram indicações, direta e indiretamente, nos últimos 3 anos, para eutanásia. Para nós, nunca foi uma opção. Ela vive normalmente, brinca, tem ciúme, ama suas irmãs e tem uma missão de fazer do mundo um lugar melhor para todos. Com ou sem deficiência.”
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