Só uma mudança radical de atitude por parte da população pode acabar com o terceiro comércio criminoso mais lucrativo do mundo e um dos principais fatores de desequilíbrio dos ecossistemas brasileiros: o tráfico de animais silvestres.
Embora não haja números precisos sobre a quantidade de animais silvestres capturados ilegalmente nos ecossistemas brasileiros, existem estatísticas da fiscalização: são cerca de 40 mil animais apreendidos anualmente, apenas no Estado de São Paulo! Calcula-se que o tráfico de animais seja o terceiro comércio criminoso mais lucrativo no mundo, movimentando, segundo a Rede Nacional Contra o Tráfico de Animais Silvestre (Renctas), aproximadamente US$ 20 bilhões anuais, abaixo apenas do tráfico de drogas e armas. Em torno de 10% disso seria no Brasil. Segundo Dener Giovanini, coordenador geral da Renctas, esta atividade ilegal pode ser responsável pela retirada de até 38 milhões de animais dos ecossistemas brasileiros, todos os anos.
Neste mês de março, uma operação coordenada pela Política Federal prendeu 72 pessoas acusadas de integrar uma quadrilha que vendia animais silvestres brasileiros dentro e fora do País. Apelidada de Operação Oxóssi – orixá do candomblé associado à caça e à prosperidade – a ação levou mais de um ano em investigações e mostrou que a quadrilha agia em nove estados e movimentava cerca de R$ 20 milhões ao ano com comércio de 500 mil animais, a maioria de espécies em extinção.
A tragédia cresce se levarmos em conta as perdas devido aos maus tratos durante a captura e o transporte. A crueldade a que esses animais são submetidos já é motivo para se execrar e combater esse crime. Mas não é tudo: as consequências ambientais são também devastadoras, ameaçando levar à extinção tanto as espécies traficadas, como as espécies a elas relacionadas, desequilibrando todo o ecossistema que as envolve.
O tráfico de animais é uma das causas da chamada síndrome das florestas vazias, objeto de preocupação de pesquisadores como o biólogo Mauro Galetti, da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Ele trabalha em fragmentos de Mata Atlântica, onde a falta de animais para fazer a dispersão de sementes pode levar à extinção várias espécies da flora brasileira. Segundo Galetti, cerca de 10% das plantas utilizam chuvas, ventos ou rios na dispersão de sementes, enquanto 90% pegam ‘carona’ nos animais frugívoros. Sem a dispersão de sementes, a floresta não tem como se regenerar. Um animal retirado da mata deixa de cumprir sua função ambiental: não se reproduz, não combate pragas, não dissemina sementes nem poliniza flores, não serve de alimento para outras espécies.
“Em uma época de valorização do reflorestamento, por conta das mudanças climáticas e da falta de água, é bom lembrar que os bichos plantam árvores melhor do que os humanos”, diz Airton de Grande, analista ambiental do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). “O açaí e a castanha que comemos foram plantados por bichos, assim como o pinhão. Uma gralha azul é capaz de plantar mais de mil pinheiros de araucária por hectare e 90% das sementes ingeridas pelo jabuti se tornam propícias à germinação. Cada animal retirado é um jardineiro a menos na natureza”.
De Grande aponta, ainda, que a falta desses animais pode acarretar problemas econômicos no abastecimento hídrico, pragas na agricultura, falta de matéria-prima para o extrativismo. “Ao trazer animais silvestres para as cidades, pode-se colaborar também para o surgimento de zoonoses (doenças transmitidas ao homem por animais) e acidentes, como ataques e mordidas de macacos e onças”, diz.
O destino dos animais traficados é variado. As espécies raras – e mais valorizadas – normalmente vão para colecionadores. Algumas são destinadas a pesquisas e biopirataria. E grande parte se torna bicho de estimação, vira lembrança ou amuleto (couros, dentes, penas etc.). Estima-se que 60% dos animais traficados sejam comercializados no País.
Uma das maiores dificuldades para combater o tráfico é a cumplicidade da população brasileira, que não acredita fazer mal ao comprar pássaros, papagaios e tartarugas. Isso vale para animais comprados em feiras, estradas, lojas ilegais e, às vezes, até em lojas legalizadas. “É comum ouvirmos pessoas contarem que compraram o bicho por pena, porque pareciam maltratados. Mesmo nesse caso, ainda estão colaborando com o tráfico”, alerta Antonio Ganme, agente de fiscalização da Superintendência do Ibama em São Paulo.
Mudar essa cultura é um dos objetivos do Ibama, que realiza campanha para os meios de comunicação deixarem de mostrar espécies silvestres como animais de estimação. “É preciso lembrar que a logística utilizada para transportar os animais é a mesma usada para drogas, armas e madeira. Quem leva uma coisa, traz a outra e assim por diante”, explica Ganme.
Fonte: EPTV