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DESTRUIÇÃO SEM LIMITES

Tráfico de animais muda ciclos naturais de indivíduos capturados e até de seus descendentes

5 de julho de 2024
5 min. de leitura
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Foto: Karime Xavier

As araras-azuis-de-lear Francisco e Maria Clara foram resgatadas do tráfico de animais ainda no início dos anos 2000. Desde então, não puderam retornar à natureza, devido às sequelas dos maus-tratos que sofreram em cativeiro.

Destinadas a centros de preservação da espécie, ameaçada de extinção, os pássaros receberam a função de formar um casal e produzir filhotes.

Teobaldo foi o primeiro, nascido em 2015 no Zoológico de São Paulo —é também o primeiro exemplar da espécie a ser reproduzido em cativeiro no Brasil. Ele, contudo, não se tornou apto a viver na natureza e, por isso, herdou a mesma função dos pais, chamada pelos biólogos de fundadores ou de população “backup” (reserva de segurança, na tradução do inglês).

Ao longo dos últimos anos, Francisco e Maria Clara tiveram 19 descendentes, mas apenas cinco deles puderam ser encaminhados para o programa de soltura, do governo federal (dois filhotes, nascidos nesse ano, ainda não tiveram a destinação definida).

O caso é um exemplo das diferentes espécies da fauna brasileira que têm os rumos naturais totalmente alterados pelo tráfico de animais silvestres —e, mesmo resgatadas, muitas vezes não conseguem voltar a seu habitat.

Para tentar reduzir esse impacto, biólogos assumem o papel de receber, reabilitar, manejar, treinar e monitorar as espécies recuperadas do contrabando para definir em conjunto, entre instituições científicas e governamentais, a melhor destinação de cada indivíduo.

“Se nascem muitos filhotes de um mesmo casal, é preciso fazer uma troca genética para formar outros casais com demais indivíduos. Então, nós destinamos os animais para outros mantenedores e recebemos também. Assim, podemos formar novos casais para perpetuar a espécie”, explica a bióloga Fernanda Guida, responsável pelo setor de aves do zoo da capital paulista há mais de 20 anos.

As aves, segundo a WWF-Brasil, são os animais mais traficados no país, principalmente araras. A entidade afirma, ainda, que a maior parte dos animais morrem antes de serem vendidos.

Os contrabandistas atuam principalmente em território nacional, e também agem como intermediários no comércio internacional ilícito.

Um levantamento de 2020, produzido pela Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional, aponta que 38 milhões de animais são afetados pela caça e comércio ilegais no Brasil. De acordo com a Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres, este negócio movimenta em torno de US$ 2 bilhões por ano.

De acordo com a Transparência Internacional, ONG investigativa anticorrupção, a rede do tráfico de animais no país incide em uma série de crimes que dificultam a identificação de casos e de seus autores.

Em relatório produzido em parceria com a Freeland Brasil, a Transparência apontou 24 tipos de práticas de fraude, corrupção e lavagem (de dinheiro e dos próprios animais, que passam a ser vistos como “legais” após obtenção de documentos falsos), além da participação de diferentes atores no funcionamento do esquema.

O relatório foi elaborado a partir da análise de 18 operações de combate ao tráfico de fauna silvestre no país. Segundo as entidades, os casos incluem, ainda, crimes de advocacia administrativa, interferência em investigações, adulterações de documentos de transportes e registros de zoológicos e suborno de funcionários terceirizados de órgãos públicos.

Atuam no esquema caçadores, intermediários (organizam a captura dos animais e a venda), transportadores ou contrabandistas, mantenedores ilegais, facilitadores (dissimulam a origem ilegal dos animais por meio de fraude), laranjas, agentes públicos corruptos, vendedores e compradores.

Renato Morgado, gerente de programas da Transparência Internacional, destaca que o relatório recomenda uma série de ações para proteger a biodiversidade brasileira.

Entre elas estão a criação de uma estratégia nacional de combate ao tráfico de fauna, o fortalecimento dos órgãos ambientais e de mecanismos de prevenção e detecção de fraudes, a mobilização de mecanismos combate à corrupção e à lavagem, a promoção da transparência e da transformação digital e o aprimoramento da responsabilização dos traficantes.

“O Brasil ainda não possui um plano que busque coordenar as várias instituições com objetivos, metas, estratégias comuns para enfrentar o problema —diferente, por exemplo, no caso do desmatamento, que possui um plano estruturante de combate”, frisa Morgado.

Ele ressalta que este crime aumenta a pressão sobre espécies ameaçadas de extinção, e pode causar a disseminação de doenças.

Para combater o tráfico, o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) informou que utiliza de sistemas de controle e monitoramento, além de centros de triagens de animais silvestres.

Igor de Brito Silva, coordenador substituto de fiscalização da biodiversidade do Ibama, diz que o órgão atua em conjunto com a Polícia Federal, a Interpol (Organização Internacional de Polícia Criminal) e outras instituições para conter a prática do tráfico e crimes associados.

“O que o Ibama tem feito é avançar na articulação com as instituições nacionais e internacionais para compreender melhor essa rede”, afirma. “Nós conseguimos reunir bastante informação e construir essa compreensão mais clara de como essa rede funciona”.

A ONG Ampara Animal divulgou, neste ano, um estudo sobre a influência das redes sociais no incentivo da compra de animais silvestres, seja de forma legal ou ilegal. Para Juliana Camargo, presidente da entidade, o comércio legal fomenta o tráfico de animais, a lavagem, a fraude e a corrupção.

“Nós [da ONG] não concordarmos com a venda dos animais legalizados, o que dificulta ainda mais essa sensibilização sobre o tema, porque no nosso entendimento as pessoas não podem ter animais silvestres como domésticos”, falou.

A ambientalista lembra que uma operação do Ibama revelou, em 2020, que os criadores legais de animais silvestres declaravam números de animais nascidos em cativeiros abaixo da quantidade verdadeira para fornecer esses indivíduos ao comércio ilegal.

“A operação Delivery visitou os criadores legalizados para averiguar se o número de nascimentos relatados por eles era real ou não. O Ibama chegou a um número de que mais de 80% desses criadores estavam diretamente ligados ao tráfico”, conta Camargo.

Fonte: Folha de SP

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