A caça de animais silvestres é uma demonstração inequívoca de crueldade. Enaltecê-la nas redes sociais por meio de fotos e vídeos não é menos cruel. Infelizmente, essa prática criminosa tem ganhado adeptos no Brasil. Entre 2018 e 2020 pelo menos 4.658 animais mortos foram exibidos como troféus em grupos especializados no Facebook. A divulgação dessas imagens configura apologia ao crime, de acordo com o Ibama. Pode levar a multa e pena de três a seis meses de detenção. O descalabro vai além de fotos e vídeos de animais abatidos. Também são comuns em fóruns da internet os anúncios de armas, equipamentos de visão noturna e roupas camufladas destinados a caçadores.
A caça de animais silvestres é proibida pela legislação. É autorizada apenas em situações específicas, como controle populacional (caso do javali) ou subsistência de populações indígenas. A pena para esse tipo de crime é branda — de seis meses a um ano de prisão, além de multa —, e raramente alguém é punido. Uma exceção aconteceu em março. Um vídeo com caçadores retirando 30 pacas mortas de um barco revoltou moradores do distrito de Calama, em Porto Velho (RO), que denunciaram o crime. Localizados pela polícia ambiental, os criminosos foram multados em R$ 76 mil e responderão por caça ilegal.
Entre os animais mais visados pelos caçadores estão aves, pacas, tatus, tartarugas e jacarés. A prática é disseminada por todos os biomas nacionais, abrangendo os 26 estados. O maior número de eventos ocorreu na Amazônia (707) e na Mata Atlântica (688). Na Amazônia, o alvo são os animais maiores, enquanto nos outros biomas as maiores vítimas são as aves. Na amostra analisada, foram identificadas pelo menos 19 espécies ameaçadas de extinção, presentes na lista vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais.
Alegar que a caça é praticada há anos e que faz parte da cultura brasileira é argumento frágil. O evento popular conhecido como farra do boi foi proibido pelo Supremo Tribunal Federal em 1997, embora se tratasse de tradição em Santa Catarina. Inúmeras cidades proibiram o uso de charretes, mesmo para uso turístico.
As plataformas digitais deveriam bloquear esse tipo de postagem por se tratar de crime, mas as falhas nos controles são conhecidas. Por isso autoridades ambientais precisam agir. É verdade que polícias e órgãos ambientais têm em seu dia a dia crimes mais pesados para resolver, como extração ilegal de madeira, pesca ou garimpo ilegal. Mas não é por terem menor monta que a caça e a apologia ao crime nas redes sociais devam ser negligenciadas. Casos desse tipo fornecem provas para identificar e punir os autores. Basta ir atrás deles.
Fonte: O Globo