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ALARMANTE

Todas as ararinhas-azuis de vida livre de programa de reintrodução em Curaçá testam positivo para o circovírus

26 de novembro de 2025
Suzana Camargo
6 min. de leitura
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Foto: Miguel Monteiro

A notícia não poderia ser mais desoladora. Mas infelizmente, testes realizados após a captura de ararinhas-azuis que estavam em vida livre em Curaçá, na Bahia, confirmaram que todas as onze aves estão contaminadas com o circovírus, causador da Doença do Bico e das Penas dos Psitacídeos (PBFD, na sigla em inglês) – altamente contagioso e sem cura.

As ararinhas fazem parte do programa de reintrodução da espécie, administrado pela empresa brasileira Criadouro Conservacionista Ararinha Azul (anteriormente identificada como BlueSky), em parceria com a organização alemã Associação para a Conservação de Papagaios Ameaçados (ACTP, na sigla em inglês).

A captura das aves que estavam na natureza foi feita no começo de novembro por determinação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que acompanhou todo o processo. Tanto a ACTP quanto a BlueSky eram contra a medida, que consideravam desnecessária. Elas entraram, inclusive, com o pedido de uma liminar para que as ararinhas não fossem retiradas da vida livre, mas a justiça manteve a ordem do órgão ambiental.

E o resultado dos exames feitos em laboratório, divulgado no último 18 de novembro, apontaram o que todos temiam.

No total, entre as aves de vida livre e as que ainda estavam em cativeiro (mantidas nas dependências internas do criadouro), 31 testaram positivo para o circovírus.

“Se as medidas de biossegurança tivessem sido atendidas com o rigor necessário em que foram cobradas do criadouro, e implementadas da forma correta, talvez a gente não tivesse saído de apenas um animal positivo para 31 indivíduos positivos para circovírus”, diz Cláudia Sacramento, coordenadora da Coordenação de Emergências Climáticas e Epizootias do ICMBio que esteve à frente da emergência. “É lamentável. E toda essa demora para capturar essas ararinhas de vida livre colaborou para a disseminação do vírus. O que a gente espera é que o ambiente não tenha sido comprometido, ameaçando a saúde de outras espécies de psitacídeos da nossa fauna.”

“Ter as onze ararinhas que foram soltas positivadas para o circovírus não apenas é um duro golpe no projeto, mas também deixa claro e cristalino que a decisão do governo brasileiro de capturá-las foi certeira desde o primeiro momento, e que os atrasos na execução desta determinação potencialmente podem ter contaminado as aves nativas, que agora precisam ser também monitoradas. Mas é muito triste saber que todas as aves que foram soltas testaram positivo para este vírus”, afirma Luís Fábio Silveira, curador de aves do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP), especialista com ampla experiência em projetos de reintrodução de psitacídeos.

O Criadouro Conservacionista Ararinha Azul contesta o resultado dos exames divulgados pelo ICMBio. “A informação é imprecisa e precipitada”, critica Ugo Vercillo, diretor do criadouro. “O laudo do ICMBio apresenta o teste feito com duas técnicas diferentes: PCR convencional e PCR em tempo real. O PCR convencional, método recomendado pela própria IUCN [União Internacional para a Conservação da Natureza], indica que três aves testaram positivo e as outras oito negativo, sendo que mesmo para as positivas o vírus não foi encontrado no sangue, somente em penas e swab clocal o que pode ser inclusive uma contaminação.”

De acordo com Vercillo, o teste PCR em tempo real, que apresentou resultado para as onze aves, seria “um método extremamente sensível sujeito a um algo grau de contaminação inclusive ambiental e que nem é recomendado no guia da IUCN. Esses resultados ainda diferem dos testes feitos por renomado laboratório brasileiro, com muito mais experiência nesse tipo de teste do que o utilizado pelo governo.”

Contaminação foi detectada meses atrás

Foi no final de julho que se tornou pública a notícia de que um surto de circovírus tinha atingido as ararinhas-azuis no refúgio de vida silvestre onde ocorre o programa de reintrodução da espécie – a Cyanopsitta spixii, endêmica do Brasil e extinta na natureza desde o início dos anos 2000.

A descoberta do surto teria sido feita pela equipe de profissionais do criadouro meses antes, quando um dos filhotes nascido em vida livre apresentou penas brancas em sua plumagem, um dos sinais da contaminação pelo circovírus. Testes realizados nele e em outras aves em cativeiro deram positivo para o vírus.

A PBFD é uma doença que ocorre apenas entre psitacídeos – grupo de aves que inclui araras, papagaios e periquitos. Ela é originária da Austrália, com registros na Europa, e nunca antes havia sido registrada em aves de vida livre no Brasil.

O circovírus provoca perda de penas (que pode ser permanente, comprometendo voo e capacidade de manter temperatura), deformidades no bico e imunossupressão severa. A transmissão se dá através da exposição a penas infectadas e o contato com superfícies contaminadas, como poleiros, comedouros e bebedouros. Ela também acontece de mãe para filhote e entre indivíduos.

Após o ICMBio ter divulgado o caso, BlueSky e ACPT começaram a usar as redes sociais para afirmar que as ararinhas tinham sido infectadas no Brasil, e que se as de vida livre fossem recapturadas, seria uma “segunda extinção para a espécie”.

Vale ressaltar que a ararinha-azul nunca deixou de ser classificada como extinta na natureza por organizações internacionais, como a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), já que isso só acontece quando existe uma população viável em vida livre, e é documentado o nascimento de novas gerações. Em Curaçá, eram apenas onze ararinhas reintroduzidas e que ainda tinham à disposição alimentação suplementar.

Além dessa questão, documentos revelaram que em janeiro de 2025, uma das ararinhas-azuis dentre as 41 que estavam para ser enviadas do criadouro da ACTP, na Alemanha, para o Brasil, testou positivo para o circovírus. Contudo, exames posteriores teriam dado negativo e o indivíduo seguiu viagem.

Próximos passos

Segundo o ICMBio, autoridades e pesquisadores envolvidos no projeto precisam traçar novas estratégias para o programa de reintrodução da espécie. Atualmente o plantel do criadouro de Curaçá possui 103 ararinhas-azuis e duas araras-maracanãs.

“O maior desafio que temos é, de fato, a separação segura dos indivíduos positivos dos negativos para evitar a contaminação desses negativos, dentro das medidas de biossegurança estabelecidas, e assim, não perder o maior plantel que temos aqui no país. E o que esperamos é a colaboração ativa do criadouro nesse processo, com adequações necessárias e a proatividade para realizá-las”, explica Claudia. “O nosso maior objetivo é a conservação desses espécimes, considerando que essa é uma espécie extinta na natureza, e tem um alto valor de conservação para o ICMBio e o país.”

Já Ugo Vercillo disse ao Conexão Planeta que pediu ao ICMBio que realize uma reunião com especialistas e os laboratórios para esclarecer como “tratar essas divergências de resultados para tomarmos a decisão com a informação mais acurada.”

Fonte: Conexão Planeta

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