A notícia é devastadora. Testes realizados após a captura de ararinhas-azuis que estavam em vida livre em Curaçá, na Bahia, confirmaram que todas as onze aves estão contaminadas pelo circovírus, causador da Doença do Bico e das Penas dos Psitacídeos, a PBFD, uma enfermidade altamente contagiosa e sem cura.
As aves fazem parte do programa de reintrodução da espécie, administrado pelo Criadouro Conservacionista Ararinha Azul, anteriormente identificado como BlueSky, em parceria com a Associação para a Conservação de Papagaios Ameaçados, ACTP, da Alemanha.
A captura das ararinhas que viviam em liberdade ocorreu no início de novembro por determinação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, que acompanhou todo o processo. Tanto a ACTP quanto o criadouro se posicionaram contra a medida, entendendo que ela era desnecessária. As instituições chegaram a solicitar uma liminar para evitar a retirada das aves da natureza, mas a Justiça manteve a decisão do órgão ambiental.
Os resultados dos exames laboratoriais, divulgados em 18 de novembro, confirmaram o pior cenário. Ao todo, entre as aves que estavam em vida livre e as que permaneciam em cativeiro nas dependências do criadouro, 31 testaram positivo para o circovírus.
Cláudia Sacramento, coordenadora da Coordenação de Emergências Climáticas e Epizootias do ICMBio e responsável pela condução da emergência, afirmou que, se as medidas de biossegurança tivessem sido cumpridas com o rigor exigido, talvez o número de indivíduos contaminados não tivesse saltado de um para 31. Segundo ela, a demora na captura das ararinhas de vida livre contribuiu para a disseminação do vírus e há preocupação de que o ambiente possa ter sido comprometido, ameaçando outras espécies de psitacídeos da fauna brasileira.
Luís Fábio Silveira, curador de aves do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo, destacou que a confirmação de que todas as aves soltas testaram positivo representa um duro golpe para o projeto. Ele avaliou que a decisão de recapturá-las foi correta desde o início e que os atrasos podem ter exposto aves nativas ao risco de contaminação. Ainda assim, lamentou profundamente o fato de todas as ararinhas reintroduzidas estarem infectadas.
O Criadouro Conservacionista Ararinha Azul contesta os resultados apresentados pelo ICMBio. O diretor Ugo Vercillo afirmou que as informações seriam imprecisas e precipitadas, explicando que o laudo apresenta testes feitos com duas técnicas diferentes. Segundo ele, o PCR convencional, método recomendado pela União Internacional para a Conservação da Natureza, indicou apenas três aves positivas e oito negativas, e mesmo nas positivas o vírus não teria sido encontrado no sangue, apenas em penas e swab cloacal, o que poderia indicar contaminação ambiental.
De acordo com Vercillo, o teste de PCR em tempo real, que apontou resultado positivo para todas as aves, seria extremamente sensível e mais suscetível a contaminações, não sendo o método recomendado no guia da IUCN. Ele também afirmou que os resultados divergiram de análises feitas por um laboratório brasileiro com maior experiência nesse tipo de exame.
O surto havia sido identificado meses antes, no fim de julho, quando se tornou pública a notícia de que o circovírus atingira as ararinhas-azuis no refúgio de vida silvestre onde ocorre o processo de reintrodução. A descoberta teria ocorrido quando um filhote nascido em vida livre apresentou penas brancas na plumagem, um dos sinais da doença. Testes feitos nesse filhote e em outras aves que permaneciam em cativeiro confirmaram a presença do vírus.
A PBFD é uma doença exclusiva de psitacídeos, grupo que inclui araras, papagaios e periquitos. Originária da Austrália, com registros também na Europa, ela nunca havia sido registrada em aves de vida livre no Brasil. O circovírus provoca perda de penas, deformidades no bico e imunossupressão severa, comprometendo o voo, a regulação de temperatura corporal e a resistência a outras doenças. A transmissão ocorre pelo contato com penas infectadas, superfícies contaminadas como poleiros, bebedouros e comedouros, além de poder ocorrer de mãe para filhote e entre indivíduos.
Após a divulgação do caso pelo ICMBio, BlueSky e ACTP passaram a afirmar, nas redes sociais, que as aves teriam sido infectadas já em território brasileiro e que a recaptura das ararinhas de vida livre poderia representar uma “segunda extinção” da espécie.
É importante lembrar que a ararinha-azul nunca deixou de ser classificada como extinta na natureza por organizações internacionais, como a União Internacional para a Conservação da Natureza, pois esse status só é revisto quando existe uma população viável em vida livre, com reprodução comprovada por várias gerações. Em Curaçá, havia apenas onze aves reintroduzidas, que ainda recebiam alimentação suplementar.
Documentos também revelaram que, em janeiro de 2025, uma das ararinhas entre as 41 que seriam enviadas do criadouro da ACTP, na Alemanha, para o Brasil, testou positivo para o circovírus. Exames posteriores teriam dado resultado negativo e o animal seguiu viagem.
Segundo o ICMBio, autoridades e pesquisadores agora precisam redesenhar as estratégias do programa de reintrodução. Atualmente, o plantel de Curaçá conta com 103 ararinhas-azuis e duas araras-maracanãs. O principal desafio apontado é a separação segura entre indivíduos positivos e negativos, com reforço das medidas de biossegurança, para evitar a perda do maior plantel da espécie existente no país.
Ugo Vercillo informou que solicitou ao ICMBio a realização de uma reunião com especialistas e laboratórios para esclarecer as divergências entre os resultados e permitir que as próximas decisões sejam tomadas com base nas informações mais precisas possíveis.
Veja a nota do Criadouro: “O Criadouro Ararinha-azul, localizado em Curaçá (BA), rejeita com “veemência” as acusações de negligência, desleixo e condições insalubres nas instalações, onde mantém 103 ararinhas-azuis, sendo 98 negativas para o circovírus. A instituição afirma seguir protocolos rígidos de biossegurança e bem-estar animal e conta com instalações e equipamentos adequados ao manejo das aves. A instituição privada, sem fins lucrativos, não utiliza recursos públicos e é mantida principalmente com capital estrangeiro. O sucesso reprodutivo da espécie, com o nascimento de filhotes em cativeiro, é apontado como um dos indicadores da qualidade da empresa no cuidado oferecido às ararinhas”