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GRANDE VITÓRIA

TJ de Santa Catarina confirma indenização a animais vítimas de violência e maus-tratos

6 de abril de 2025
Vicente de Paula Ataide Junior
7 min. de leitura
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Foto: Ilustração | Freepik

Um tema que continua a chamar a atenção na mídia e nas redes sociais é o relativo aos processos judiciais com animais como autores da ação. Trata-se do que chamamos de capacidade processual dos animais: se animais têm direitos, podem ir ao Poder Judiciário para defendê-los, pois a Constituição Federal garante acesso universal à Justiça, sem discriminação de espécies.

No caso Tom e Pretinha, acontecido em maio de 2021, na região de Porto União (SC), um homem, portando uma arma de fogo, efetuou vários disparos, sem nenhum motivo aparente, contra ambos os cães. Imediatamente a Polícia Militar foi acionada, a qual socorreu os cães e os encaminhou ao atendimento médico veterinário. Constatou-se que o cão Tom foi atingido por um disparo em uma das patas, gerando a fratura do osso olecrano. Já a cadela Pretinha foi alvejada com dois tiros, um no abdômen e outro na pata direita traseira.

Como o autor dos disparos não forneceu nenhum tipo de assistência às vítimas caninas, elas ajuizaram, representadas pelo tutor e em litisconsórcio com ele, ação de responsabilidade civil, pleiteando a reparação pelos danos morais, estéticos e materiais sofridos, perante a 1ª Vara Cível da Comarca de Porto União (SC), sob o n° 5002956-64.2021.8.24.0052.

Após a citação e defesa do réu, e a tentativa frustrada de conciliação, houve produção de provas e adveio a sentença judicial.

Ao contrário do que defendeu o réu na contestação e do que entendeu o Ministério Público em primeiro grau, a sentença afirmou a legitimidade dos animais para pleitear os seus direitos em juízo, tomando, como base, o histórico julgado da 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, no caso Spike e Rambo.

Quanto ao mérito, o juiz afastou a tese da legítima defesa alegada pelo réu, reconhecendo as lesões sofridas pelos autores não-humanos, com base nos documentos juntados nos autos. O réu foi condenado ao pagamento de indenização pelos danos materiais sofridos pelo tutor com as despesas veterinárias e ao pagamento de indenização pelos danos morais dos animais, esta última no importe de R$ 1 mil para cada um dos cães.

Saliente-se que a sentença deixou claro que o valor da indenização por danos morais pertence aos animais, pelo que deverá ser usufruído em benefício exclusivo deles próprios.

A sentença assim registrou: “Pelas suas condições, de animais, referido valor de indenização deverá ser usufruído pelos autores (se ainda vivos), através de tratamentos dedicados exclusivamente a eles, como por exemplo, banho, tosa, massagem, tratamento estético, petiscos, alimentação etc, que deverá ser pago pelo requerido à clínica ou profissional que fornecer os serviços, à escolha do tutor”.

Sentença histórica

Essa sentença marcou a história do Direito Animal, como a primeira sentença a admitir a reparabilidade civil dos danos morais sofridos por animais.

A sentença do caso Tom e Pretinha deixou claros os caminhos que deverão ser adotados na fase de cumprimento de sentença, determinando que o proveito econômico seja revertido em prol do bem-estar dos animais, mediante procedimento por ela mesma definido.

Contra essa sentença foram interpostas duas apelações: (1) do réu, buscando, preliminarmente, a declaração de que os cães não possuem capacidade de ser parte e, portanto, não poderiam ser autores da demanda e, no mérito, que o pedido deve ser julgado improcedente, porquanto teria agido em legítima defesa própria; (2) dos animais e de seu tutor, os primeiros para que também fosse reconhecido o seu direito à reparação de danos estéticos e o último para obter indenização por danos morais e materiais.

As apelações foram distribuídas para a 3ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), sob a relatoria do desembargador Sérgio Izidoro Heil e com a participação dos desembargadores Saul Steil e André Carvalho.

O Ministério Público de Santa Catarina, por meio da sua procuradora de Justiça, Eliana Volcato Nunes, emitiu parecer no sentido de conhecer, mas negar provimento ao recurso de apelação interposto pelo réu e conhecer e dar parcial provimento do recurso interposto pelos autores (animais e tutores), para reformar parcialmente a sentença para a) fixar indenização por dano moral em favor do tutor no valor de R$ 10 mil, mantidas as indenizações por dano moral em favor de Pretinha e Tom, no valor de R$ 1 mil para cada e; b) majorar a indenização por dano material para R$ 7.091,75.

Julgando as apelações, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, por sua 3ª Câmara de Direito Civil, liderado pelo voto do relator, desembargador Sérgio Heil, decidiu, por unanimidade de votos, conhecer e desprover o apelo do réu; conhecer e dar parcial provimento à apelação dos autores para fixar indenização a título de danos morais para o tutor, no valor de R$ 3 mil; prover o pedido de danos materiais do tutor, condicionado à apresentação de provas do efetivo desembolso dos gastos, o que deve ser apurado em cumprimento de sentença; desprover o apelo dos animais quanto ao reconhecimento dos danos estéticos animais.

Destaque-se que o acórdão, ao confirmar a primeira sentença de mérito de procedência em favor dos animais autores, procedeu reformas apenas para ampliar a condenação do réu em favor do tutor dos cães Tom e Pretinha.

Portanto, o acórdão do TJSC também entrou para a história como a primeira decisão de mérito (que julgou os pedidos), oriunda de Tribunal, que reconheceu o direito de animais à reparação por danos morais.

Evidentemente, para forjar essa decisão, o TJSC teve que manter o entendimento do juízo de primeiro grau, no sentido de animais têm capacidade de ser parte e legitimidade ativa para demandar contra o réu, como já havia feito, em 2021, o Tribunal de Justiça do Paraná.

Segundo palavras do desembargador Sérgio Heil, “está em discussão o direito à dignidade e ao respeito aos animais, especialmente dos cães Tom e Pretinha, porém, não há como reconhecer um direito aos animais sem lhes conceder o direito de defendê-lo em juízo. Há muito já se vem enxergando os animais não humanos como seres sencientes, ou seja, capazes de sentir dor e prazer. Isso reforça a necessidade de protegê-los contra maus-tratos e garantir sua dignidade. Não há mais espaço, em um estado democrático de direito, para tratar os animais como objeto ou coisa negando-lhes o direito de serem representados em processos judiciais. […] No entanto, não podemos continuar tratando os animais apenas como objetos de proteção jurídica e não como sujeitos de direito. Devemos reconhecê-los como seres sencientes, capazes de atuar individualmente em juízo como partes em processos judiciais, sendo representados pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, por associações de proteção dos animais ou por seus tutores. No caso em análise, os cães estão devidamente representados por seu Tutor. Não é lógico que os animais sejam sujeitos de direito material, mas não tenham capacidade de ser parte em processos.”

Progresso na jurisprudência

Esse histórico acórdão ainda pode ser objeto de novos recursos, inclusive para os tribunais superiores (Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal). Mas, o que importa ressaltar é a progressiva evolução da jurisprudência brasileira em sentido de acolher o Direito Animal e a consideração dos animais como sujeitos de direitos e dotados de capacidade processual, desde que representados em juízo por humanos ou entidades humanas.

São dois acórdãos de Tribunal de Justiça, proferidos à unanimidade de votos, acolhendo o Direito Animal e a capacidade processual dos animais: primeiro o do TJPR, de 2021, abrangendo apenas a questão processual sobre animais como autores de ações judiciais; segundo o do TJSC, de 2024, o qual, além de afirmar a capacidade processual dos animais, mediante representação, foi além e reconheceu que animais têm o direito à reparação de danos morais em caso de violência e maus-tratos.

Nesse caso paradigmático, foram dois cães os autores da demanda. A capacidade processual dos animais, no entanto, é universal e acomete a todos os seres vivos sencientes. Dessa forma, quer-se crer que, em breve, também os animais silvestres, quando feridos, maltratados ou mantidos indevidamente em cativeiro poderão processar todos aqueles responsáveis pela violação de seus direitos fundamentais.

Fonte: Fauna News

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