Os tigres são explorados pelo Kings Romans Group, que administra um cassino nos EUA, juntamente com hotéis, um campo de tiros, uma operação de rinhas de galo e touradas, um centro comercial com temas de Chinatown e este zoológico decadente.
Há 10 anos, a empresa sediada em Hong Kong assinou um contrato com o governo do Laos para desenvolver essa área na província do Bokeo, no Noroeste, em frente ao rio Mekong, da Tailândia. A região é chamada de Zona Econômica Especial do Triângulo de Ouro.
A maioria das empresas do complexo isento de impostos é de propriedade dos cidadãos chineses e é patrocinada por uma clientela predominantemente do país. Muitas pessoas são atraídas pela promessa de itens que não são facilmente encontrados em suas regiões, incluindo produtos feitos com animais “exóticos” como tigres.
Ativistas afirmam que o zoológico é, na verdade, uma fazenda que cria animais para matá-los e que possui um papel importante na perpetuação do comércio da vida selvagem, vendendo tigres em operações similares na Tailândia e assassinando animais por seus ossos, carne e outras partes do corpo.
Tigres, ursos, cobras e inúmeras outras espécies, muitas em perigo, são mantidos em fazendas em todo o Sudeste Asiático. Os operadores capturam os animais na natureza e os criam em cativeiro para vendê-los.
Essas instalações fazem parte de uma indústria de tráfico cuja lucratividade é superada apenas pelo tráfico mundial de drogas, armas e de seres humanos.
Os restaurantes do Kings Romans oferecem pratos caros feitos com patas de urso, pangolins (um mamífero escamoso em extinção) e carne de tigre, que pode ser misturada com vinho de tigre, uma mistura de grãos em que os pênis, ossos ou esqueletos inteiros dos animais permanecem por meses.
Quando um grupo de estrangeiros apareceu no God of Wealth, o restaurante mais badalado de Kings Romans, o proprietário suspeito disse ao seu tradutor: “Você pode comer aqui, mas não peça o menu especial da selva” – o cardápio que oferece opções de vida selvagem.
Ainda assim, a equipe ofereceu vinho de tigre por US$ 20 e serviu a perna de um urso para clientes em uma mesa próxima. Recentemente, um repórter fotográfico do The New York Times visitou o restaurante e recebeu pratos com carne de tigre por US$ 45.
Próximo ao local, lojas de joias e farmacêuticas exibiam dentes e garras de tigre com preços exorbitantes, assim como esculturas e chifres de rinoceronte, pele e marfim de elefantes.
“O lugar é simplesmente uma bagunça”, disse Debbie Banks, da Agência de Investigação Ambiental sem fins lucrativos, em Londres.
Em 2015, Banks e seus colegas, juntamente com o grupo sem fins lucrativos Education for Nature-Vietnam, denunciaram que as refeições, remédios e joias feitas com numerosas espécies protegidas – incluindo tigres, leopardos, rinocerontes, ursos e elefantes – eram vendidas livremente na Zona Econômica Especial.
A documentação do grupo estimulou o governo dos Laos a repreender algumas empresas e a queimar algumas peles de tigre na televisão. Entretanto, Banks disse que a situação pouco mudou desde o “esforço superficial”.
Como o resto do complexo, o Kings Romans zoo ficou largamente deserto, exceto pelos animais aprisionados. Uma mulher e sua filha se aproximaram para olhar os ursos. Muitos apresentaram sinais de estresse causado pelo cativeiro, incluindo movimentos de cabeça descontrolados. Os membros da equipe do local não foram encontrados.
Cerca de 700 tigres vivem em fazendas no Laos. Acredita-se que milhares sejam mantidos em todo o Sudeste Asiático e um número entre cinco mil e seis mil animais adicionais vivam em mais de 200 centros de reprodução na China. Menos de quatro mil dos grandes felinos permanecem na natureza; Os tigres criados em cativeiro superam o número das populações selvagens.
Em uma conferência internacional sobre o comércio de espécies ameaçadas no outono passado, funcionários do governo reconheceram o problema crescente das instalações de animais selvagens e comprometeram-se a fechar as fazendas de tigres do país. Até agora, quase nada mudou.
Uma fonte que trabalha em colaboração com o governo e que pediu para não ser identificada por ter medo de represálias, informou que alguns políticos estão profundamente envolvidos com as fazendas e que o departamento florestal do país não tinha autoridade para fechá-las.
O representante Ed Royce, republicano da Califórnia (EUA) e presidente do Comitê de Relações Exteriores da Câmara, descreveu o Laos como um centro internacional para o tráfico de animais selvagens, dizendo que em 2015 estava muito claro que funcionários do governo lucravam com a crueldade.
De acordo com a Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas de Extinção (CITES), um tratado do qual a China e todas as nações do Sudeste Asiático são signatárias, os tigres não devem ser criados por seus corpos e muito menos em escala comercial.
“A criação de tigres para o comércio confunde os consumidores e estimula a demanda. O aumento da demanda do mercado de partes de tigre também alimenta a caça de tigres selvagens porque os consumidores de animais selvagens preferem animais capturados na natureza”, disse Grace Ge Gabriel, diretora regional da Ásia do International Fund for Animal Welfare.
No Laos e em vários outros países asiáticos, ativistas reuniram várias evidências que mostram como muitos zoológicos e fazendas atuam como frentes para a reprodução comercial dos felinos.
Em 2016, o Templo do Tigre, na Tailândia, despertou revolta quando monges foram acusados de abusar de tigres e vendê-los no comércio da vida selvagem. Eventualmente, 40 animais mortos foram descobertos em um freezer, juntamente com peles e outros produtos da vida selvagem.
A Tailândia possui cerca de 1450 tigres em cativeiro, sendo que a maioria é explorada em atrações populares, nas quais os turistas pagam para tirar selfies e brincar com filhotes e jovens adultos.
Quando os tigres alcançam a maturidade sexual e não podem mais ser manipulados de “forma segura”, eles geralmente desaparecem, são vendidos no mercado negro por até US$ 50 mil, de acordo com Karl Ammann, um cineasta que reside no Quênia e que está produzindo um documentário sobre a indústria de tigres.
Os ativistas também acusaram as fazendas de tigres na China – duas das quais recebem investimentos governamentais – de atividades ilegais.
Infelizmente, a lei chinesa permite que algumas peles de tigre sejam negociadas legalmente, embora o osso dos animais seja proibido desde 1993.
Porém, em 2013, Banks e seus colegas descobriram que as fazendas guardavam ossos de tigre para a produção de vinho e as peles dos felinos selvagens foram vendidas como sendo de tigres criados em cativeiro.
Os criminosos muitas vezes reingressam na indústria de criação de animais selvagens. Uma zoológico já começou a ser construído ao lado do Templo do Tigre. Oficiais do Vietnã recentemente concederam permissão para a esposa de Pham Van Tuan, um traficante de tigres condenado duas vezes, importar 24 tigres da República Checa “para fins de proteção”.
Vuong Tien Manh, vice-diretor da CITES do Vietnã, disse que o país descobriu uma série de tigres e ossos congelados dos animais nos últimos cinco anos, a maioria dos quais provavelmente é originária do Laos.
Ele acrescentou que as políticas do Vietnã não permitem a criação comercial de tigres, mas o país possui cerca de 130 tigres em cativeiro.
Bile de urso
Embora os tigres sejam os animais selvagens mais criados em cativeiro na Ásia, eles não são a única espécie explorada pelo setor.
Cerca de 10 mil ursos são legalmente mantidos em fazendas chinesas de bile, usada na medicina tradicional e coletada dolorosamente por meio de um tubo implantado permanentemente nas vesículas biliares dos animais ou por meio de um buraco no abdômen.
Inúmeras outras espécies – como crocodilos, porcos espinhos, pythons, cervos, entre outras – também são confinadas em toda a China e no Sudeste Asiático.
Algumas pessoas, incluindo funcionários do governo, alegam que esses estabelecimentos devem ser legalizados e encorajados, argumentando que “aliviam a pressão da caça de animais selvagens devido à demanda de animais criados em cativeiro”.
Porém, não há evidências ou justificativas para essa crueldade. “Não consigo pensar em nenhuma espécie no Sudeste Asiático que se beneficie da criação em cadeia comercial”, diz Chris Shepherd, diretor regional da TRAFFIC do Sudeste Asiático, um grupo sem fins lucrativos de monitoramento de animais silvestres.
Em Chengdu, na China, um terço dos 285 ursos resgatados das fazendas biliares e que agora vive em um centro de reabilitação administrado pela Animals Asia, lida com a ausência de membros, um sinal de que eles foram capturados por armadilhas.
O comércio de animais domésticos também é um problema. A Indonésia exporta mais de quatro milhões de répteis e pequenos mamíferos rotulados como criados em cativeiro a cada ano. Milhares são enviados semanalmente para os Estados Unidos, mas praticamente todos são sequestrados na natureza, de acordo com Shepherd.
Os ativistas acreditam que a pressão internacional pode ser crucial para persuadir os governos asiáticos a fecharem as fazendas de tigres, ursos e de outros animais selvagens, mas a eficácia dessa estratégia é comprometida por um fato estranho: cerca de cinco mil tigres são mantidos em quintais, zoológicos e até em paradas de caminhões nos Estados Unidos.
Enquanto essas espécies forem predominantemente mantidas como animais domésticos, as negociações com outros países a respeito desta questão ficará comprometida, ressalta Leigh Henry, um assessor de políticas sênior do World Wildlife Fund.
“Quando os dedos são apontados para a China e suas fazendas de tigres, eles tendem a apontar para os EUA e dizer: ‘Eles possuem tantos tigres como nós, por que vocês não os criticam? Os EUA precisam estabelecer um padrão rigoroso e isso começa com a limpeza da situação em nosso próprio quintal”, esclarece.