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Thoreau e as cotoveladas

15 de março de 2009
3 min. de leitura
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É difícil estar em um mundo com o qual não se concorda, em grande parte. Todos têm divergências com o resto do planeta, mas a grande maioria apenas leva a vida no silêncio, no conformismo e na repetição quase automatizada daquilo que acredita ser o substrato da existência – trabalhar, fazer compras, assistir televisão, ir à praia no verão etc. Em breve chegará a Páscoa, e com ela a tradição de se acotovelar nos supermercados e magazines para garantir à família o melhor ovo de chocolate, pela melhor oferta. Mais úberes de vaca vão ser espremidos, para dar conta da demanda de ‘ingredientes’ para o famigerado chocolate ao leite, na minha visão. O resto é 171 para distrair a população com alguma coisa doce para comer.

Muita gente já me disse algo do tipo “pois é, eu morro de dó, não teria coragem de matar uma vaca ou uma galinha, ou mesmo de roubar o leite que seria do bezerro”. Mas paga pelo bife e pelo ovo de Páscoa. No clássico Desobediência Civil, Thoreau comenta justamente sobre essa institucionalização dos ‘dublês’, digamos assim.

“Já ouvi alguns dos meus conterrâneos dizerem: ‘queria que eles me convocassem para ir combater um levante de escravos ou para atacar o México – pois eu não iria’; no entanto, cada um destes homens possibilitou o envio de um substituto, fazendo isso diretamente pela sua fidelidade ao governo, ou pelo menos indiretamente através do seu dinheiro. O soldado que se recusa a participar de uma guerra injusta é aplaudido por aqueles que não recusam apoio ao governo injusto que faz a guerra”.

Haverá pessoas que se dizem solidárias aos animais, que sofrem, mas na próxima refeição já terão feito a sua parte para manutenção do status quo vigente, contribuindo de forma pecuniária para o sustento da máquina que cria, ordenha e mata bois e vacas, por exemplo. Um dízimo. Indo contra aquilo que ela percebe como certo e errado, mas segue incapaz de mudar hábitos tão arraigados.

E ainda há os que, além de contribuírem financeiramente, fazem o elogio da exploração animal. Se algum deles fosse pecuarista ou um rico herdeiro de indústria alimentícia, seria compreensível, mas gente simples que sua para pagar – eu disse pagar – pelo bife ou ovo de Páscoa é quem mais tem orgulho de ver na televisão ‘o incremento do setor agropecuário’ ou ‘o case de sucesso do conglomerado ____ de frigoríficos’. Ou ainda os pega-trouxas, como as cenas de violinistas tocando peças eruditas para vacas premiadas na Expointer.

Mas essa adesão é voluntária, à maneira de pensar e agir e até mesmo agir contra aquilo que se pensa. Já cansei de ouvir frases como “puxa, gostaria de ser vegano como você, mas não consigo deixa de comer _____, sei que sou um covarde, … logo eu que adoro os animais”. Pois bem, a sociedade precisa de novos autômatos voluntários, que pagarão – eu disse pagarão – para viver mesmo contra o que se acredita, no final das contas.

“Proclamo o meu voto – talvez – de acordo com meu critério moral; mas não tenho um interesse vital de que o certo saia vitorioso. Estou disposto a deixar essa decisão para a maioria”, ironiza Thoreau. Muitos apenas se eximem de uma vida ética, e correm para dar cotoveladas nos demais compradores de ovos de Páscoa.

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