EnglishEspañolPortuguês

ESTUDO

Temperaturas de -25°C, ondas gigantes e nevascas: pesquisadores de MG concluem expedição sobre mudanças climáticas na Antártica

Professores da Universidade Federal de Viçosa (UFV) coletaram dados do solo para entender a dinâmica e as consequências das mudanças climáticas no planeta. Com a pesquisa de campo concluída, eles vão seguir com as análises nos laboratórios da instituição mineira.

30 de janeiro de 2025
Nathália Fontes
9 min. de leitura
A-
A+
Foto: UFV/Divulgação

Com temperaturas de até -25°C, os professores do Departamento de Solos da Universidade Federal de Viçosa (UFV), José João Lelis de Souza e Márcio Rocha Francelino, estão entre os poucos cientistas brasileiros a participar da 2ª expedição internacional de circunavegação costeira na Antártica.

A missão, iniciada no dia 22 de novembro do ano passado, será concluída nesta quinta-feira (30), com o retorno dos pesquisadores para casa.

Durante quase três meses, eles percorreram 20 mil quilômetros da costa de todo o continente Antártico, a bordo do navio quebra-gelo científico Akademik Tryoshnikov, do Instituto de Pesquisa Ártica e Antártica de São Petersburgo, na Rússia.

A expedição contou com 61 cientistas de sete países: Argentina, Brasil, Chile, China, Índia, Peru e Rússia.

O objetivo era coletar dados que poderiam ajudar o mundo a entender a dinâmica e as consequências das mudanças climáticas no planeta. Por isso, também realizaram um levantamento aéreo inédito das massas de gelo, monitorando o comportamento das geleiras.

Desde 2002, sob a liderança do professor Carlos Ernesto Schaefer (DPS), os pesquisadores da instituição de Viçosa participam de expedições à região da Antártica Marítima, que inclui o entorno da Estação Brasileira Comandante Ferraz. Essa área tem registrado as temperaturas mais elevadas do continente.

A proposta dos pesquisadores, que estão se dedicando exclusivamente aos estudos sobre solos gelados, ou criossolos, foi fazer coletas em pontos inéditos para analisar o solo e entender mais sobre a evolução dos ambientes periglaciais e glaciais no planeta.

No caso de José João, esta é a quinta expedição que realiza na Antártica, enquanto Márcio já fez 17, conferindo experiência com o frio e as outras condições do local.

Natal e Ano Novo longe da família e vários ‘perrengues’

Nos últimos dias, os cientistas ficaram próximos à estação de pesquisa francesa, e foi de lá que enviaram notícias sobre o andamento dos trabalhos de coleta de solos e instalação de sensores que permitirão medir e compreender o degelo na Antártica.

Considerando que a viagem aconteceu no verão antártico, José brincou que estava apenas de camisa, pois as temperaturas estavam amenas, girando em torno de -1°C e -2°C, o que fez o frio de Viçosa parecer tranquilo.

Como em dezembro e janeiro ainda há muito mar congelado, o acesso a alguns locais fica mais difícil: “Nosso navio é um quebra-gelo, mas, para quebrar gelo, o navio reduz a velocidade para 2 km/h (sua velocidade média é 20 km/h). Logo, evitamos quebrar gelo para poder andar mais rápido”, afirma José.

O pesquisador também explicou que para ir ao continente é necessário uso de um helicóptero:

“No campo precisamos lidar com temperaturas abaixo de zero e uma sensação térmica de até -30°C, por causa dos fortes ventos. Nossa coleta também é bem difícil, pois precisamos andar por longas distâncias (em geral 5 km) carregando uma bagagem pesada e ainda mais pesada na volta. Coletamos em torno de 50 kg de amostra em cada ponto que paramos”.

Para eles, o tempo de navegação foi o fator mais desafiante, além das constantes mudanças de fuso horário. “Estamos no 60º dia da viagem e, nesse período, já passamos por 20 fusos diferentes, o que nos obrigou a nos adaptarmos a horários variados para dormir, acordar e se alimentar”, contou professor Márcio.

A expedição exigiu que passassem o Natal e o Ano Novo longe de familiares. Durante um acampamento, justamente entre o período de festas, um dos colegas dos professores mineiros ficou preso em geleiras devido ao mau tempo, sendo necessário um resgate aéreo.

Dados analisados enviados ao Brasil

Apesar dos desafios, o professor Márcio relata que a expedição vale a pena pelo ganho científico que representa:

“Conseguimos instalar três novos sítios de monitoramento do permafrost (uma camada de solo que permanece congelada por pelo menos dois anos consecutivos), ampliando nossa rede para 32 sítios, o que a torna a maior do mundo pertencente a um único país na Antártica. Isso é um grande motivo de orgulho, não somente para a UFV, mas para o Brasil”.

Segundo o pesquisador, cada uma das instalações, que possui sensores para aferir a temperatura e umidade do solo em diferentes profundidades, durou cerca de 7 horas, em um trabalho delicado e demorado. A partir daí, foi possível monitorar o descongelamento do solo.

“O tempo restante de uma hora, já que temos oito horas para trabalhar em campo, era utilizado para realizar os testes de recepção dos dados pelos sensores e o envio via satélite. Um colega no Brasil nos informava sobre a recepção, ou não, dos dados, que chegavam diretamente em sua conta de e-mail”, detalha Márcio.

Também há sensores de emissão de gases, que ajudam a monitorar a contribuição do solo para o efeito estufa com o recuo das geleiras.

“Esses sítios ficaram instalados e enviam dados constantemente para nossa equipe. O plano é deixar eles instalados pelos próximos seis anos, pelo menos”, relata José.

Enquanto Márcio analisa dados para o futuro, o trabalho de José é olhar para o passado, no processo de coleta de amostras de solo em diferentes profundidades até encontrar a rocha.

“Essas amostras serão analisadas no Brasil e me permitirão contar quando as geleiras recuaram, quando o solo começou a ser colonizado por bactérias, plantas, pinguins e mamíferos.”

Para escolher o local de coleta, José utiliza imagens de satélite, optando por locais mais no alto de montanhas e/ou próximos a praias. Em seguida, analisa as camadas do solo e as coleta individualmente.

De volta à UFV, o próximo passo será analisar as amostras nos laboratórios da instituição, com o auxílio, inclusive, de estudantes. “Vamos identificar quais os minerais presentes, a composição química e física do solo e também datar as camadas que mostrarem resultados mais interessantes”, explicou.

Histórico de pesquisas na UFV

A UFV possui o maior banco de solos da Antártica do mundo, composto por mais de 3 mil amostras.

“Já acumulamos 23 anos de estudos na Antártica. Atualmente, somos os maiores publicadores de artigos sobre essa temática, com o Brasil sendo responsável por mais de 25% de todas as publicações globais relacionadas ao permafrost antártico”, diz Márcio.

A expedição é 97% financiada pela fundação suíça Albédo pour la Cryosphère, dedicada ao estudo e à preservação da massa de neve e do gelo planetário e conta com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs).

Fonte: g1

    Você viu?

    Ir para o topo