Abrigos cheios e protetores sem poder mais resgatar animais que estão em situação de rua. Este é o panorama dos abrigos em Belo Horizonte. “Tem muito protetor passando fome junto com os animais” diz Viviane Barbosa, proprietária do Abrigo Balaio de Gato, localizado no Bairro Jaraguá.
O espaço funciona desde 2012 na casa de Viviane, e tem cerca de 200 gatos e 30 cachorros. “Eles vão sendo adotados, resgatados. Mas, tem um número fixo e de animais que são mais difíceis de doar, são 120.”
Ela explica que, mesmo antes da pandemia, ela encontrava animais deixados na porta do abrigo. “Agora aumentou. A situação está bem mais complicada, não temos mais doadores, a ração está subindo muito e os doadores sumindo, porque está todo mundo muito apertado.”
Segundo a protetora, no início da pandemia, o número de doações aumentou. “Agora estamos tendo muita devolução. As pessoas que adotavam estão devolvendo. Na pandemia, ficou todo mundo à toa em casa, e agora que voltaram para o trabalho, devolvem o bicho.”
Ela conta que não consegue mais receber animais. “Não estamos resgatando, a não ser em caso de morte. Fazemos um acordo, tentamos castração, alimentamos, damos água e deixamos eles onde estão (na rua) porque não tem condições de trazer para dentro. Não adianta colocar para dentro e todo mundo morrer de fome.”
A protetora explica ainda que para resgatar um animal é preciso que ele esteja castrado, vacinado e vermifugado para não levar doenças para os que já estão no abrigo. “O objetivo aqui é deixá-los prontos para a adoção.”
Dia Mundial dos Animais em Situação de Rua
Nesta segunda-feira (4/4) é comemorado o Dia Mundial dos Animais Situação de Rua. A data foi criada por Organizações Sem Fins Lucrativos da Holanda, em 2010, como uma forma de ajudar a diminuir o número de animais abandonados.
De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), há mais de 200 milhões de animais em situação de rua no mundo. Já no Brasil, ainda segundo a OMS, existem cerca de 30 milhões de animais abandonados, dos quais 10 milhões são gatos e 20 milhões são cães.
Em Belo Horizonte, de acordo com a coordenadora do Movimento Mineiro pelos Direitos Animais (MMDA), Adriana Araújo, existem cerca de 30 mil animais vivendo nas ruas. Porém, os números podem ser ainda maiores, já que não há dados exatos sobre os resgates feitos pelas dezenas de ONGs e abrigos independentes de animais na cidade.
Adriana explica que é importante saber a quantidade de animais em situação de rua para poder pensar em políticas públicas. “Como pensar em leis e políticas públicas diante de um universo desconhecido?”, questiona.
A coordenadora afirma que a situação se agravou durante a pandemia.
“Por vários motivos: morte, doença, perda de emprego, mudança de casa ou cidade. Mas, ao nosso ver, não justifica. A pessoa quando decide manter um animal sobre a sua responsabilidade, é por toda a vida, independentemente do que aconteça. É responsabilidade dela pensar antes.”
“Por isso, no processo de adoção fazemos um questionário, sabatinando a pessoa. Geralmente, os animais abandonados são aqueles que foram comercializados. É uma vida que vai gerar despesa, trabalho, tempo, responsabilidade, espaço adequado. A pandemia despertou nas pessoas o sentimento de adoção, mas uma preocupação que nos veio, voltando à normalidade, como será a vida desse animal?”
Ela lembra ainda que os animais em situação de rua não se limitam aos cães e gatos. “Vemos porcos e cavalos também nas ruas de Belo Horizonte. São animais em situação de abandono ou negligência porque, muitas vezes, eles têm tutores que não são responsáveis. Todos eles estão em situação de maus-tratos, remexendo lixo, comem sacolas plásticas, cacos de vidro, estão expostos a atropelamentos.”
Para Adriana, a política pública mais importante para resolver o problema é a de educação da população. “Para o respeito aos animais de todas as espécies e para a guarda responsável de cães e gatos, que são os animais considerados domésticos. Não há proteção animal e orçamento público que dê conta.”
Ela alerta também que a população deve ser vigilante em relação aos animais em situação de rua e, em caso de maus-tratos, pede que acionem os órgão responsáveis para que tomem as providências. “Exercer o controle popular, tirar esse animal do risco, contê-lo e chamar o poder público e as ONGs.”
Resgate, adoção e pedido de recolhimento
A Prefeitura de Belo Horizonte, por meio da Secretaria Municipal de Saúde, informa que, em 2021, foram recolhidos pelo Centro de Controle de Zoonoses 1.145 cães e 1.039 gatos. Em 2020, foram recolhidos 1.585 cães e 1.206 gatos. Já em 2019, 1.996 cães e 1.108 gatos.
Segundo a PBH, o Centro de Controle de Zoonoses faz o recolhimento de animais soltos nas vias sem tutores próximos. Todos os animais que chegam à unidade passam por uma consulta com veterinário. Caso necessário, é iniciado tratamento adequado. Além dessa avaliação, é feita vermifugação, vacina contra a raiva e controle de ectoendoparasitas.
Cães e gatos aguardam o período de dois dias após a captura para serem resgatados por seus tutores. Expirado o prazo, eles são disponibilizados para adoção nas dependências do Centro de Controle de Zoonoses, de segunda a sexta-feira, das 9h30 às 16h30.
Para adotar, é necessário ser maior de idade, apresentar carteira de identidade e comprovante de endereço. Animais adotados, com idade superior a quatro meses, saem castrados e microchipados. Filhotes abaixo de 4 meses saem com a castração garantida.
O pedido para recolhimento de animais soltos nas vias públicas deve ser feito através dos telefones 3277-7411 ou 7413, presencialmente ou por meio da Polícia Militar, Civil, Rodoviária e Corpo de Bombeiros.
A PBH ressalta ainda que o abandono e maus tratos de animais é crime e deve ser denunciado à Delegacia Especializada de Investigação de Crimes Contra a Fauna de Minas Gerais. “A Prefeitura de Belo Horizonte desenvolve políticas, em várias frentes, para evitar o abandono, o tratamento inadequado e as doenças transmitidas por animais.”
Três gatos e ajuda para o irmão autista
A designer gráfico Júlia Corrêa, de 22 anos, tem três gatos em casa: Nina, Mingau e Frida. Dois deles vieram das ruas.
“Já tivemos vários gatos, na verdade. O primeiro apareceu na escola da minha mãe e ela alimentou. Eu e meu irmão já queríamos um bichinho, então minha mãe levou ele pra casa e passamos a cuidar. Infelizmente, ele acabou sendo atropelado.”
Dos três que estão na casa atualmente, a mais velha, Nina, foi por adoção. “Uma colega da minha mãe tinha uma gatinha que precisava ser adotada. Pegamos ela. E os outros dois vieram durante a pandemia, viram a porta aberta, entraram e por ali ficaram. Foi bem espontâneo e a gente percebe que com os cuidados, alimentação, carinho, eles decidem ficar.”
Mingau tem uma doença chamada esporotricose e, por causa dela, não pode ser castrado.
“Por ter essa doença, não conseguimos ninguém para castrar porque é um risco para a pessoa, já que ela é transmissível para humanos. Além disso, qualquer corte que ele tenha pode prejudicar o estado de saúde dele.”
Júlia conta que além da doença, Mingau chegou na casa dela com anemia e hepatite. “O fígado dele é muito destruído. Mas vamos tratando essas doenças.”
Segundo a designer gráfico, o pai dela tenta limitar a quantidade de animais na casa. Se fosse por ela, a mãe e o irmão, César, a casa seria cheia de gatos.
“Meu irmão é autista e tem uma ligação muito forte com os animais, até estimula e traz um bem estar para a saúde dele. Depois que o primeiro morreu e a gente não teve mais gatos, minha mãe fez questão de adotar a Nina porque via a falta que o gato fazia para ele.”
Fonte: Correio Braziliense