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GPS INTERNO

Tartarugas-gigantes são monitoradas via satélite e voltam para desovar na praia onde nasceram

19 de dezembro de 2024
8 min. de leitura
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Foto: Reprodução

O monitoramento de tartarugas-marinhas no litoral Norte do Espírito Santo acontece há mais de 40 anos, o que permite uma compreensão robusta sobre as características dos animais, rotina e hábitos de vida. Os especialistas utilizam métodos tecnológicos e manuais para proteger espécies.

O g1 participou de uma expedição com oceanógrafos e biólogos em Regência, em Linhares, e registrou a desova da tartaruga-gigante (ou tartaruga-de-couro), o momento raro até para quem trabalha com esse tipo de animal.

O destaque é para as maneiras que os pesquisadores usam para manter a desova na região e perpetuação dessa e das outras espécies que desovam no litoral, já que algumas tartarugas correm risco de extinção.

Tecnologia mostra rastros

Desde o começo dos anos 2000, os pesquisadores passaram a contar com a ajuda da tecnologia para descobrir para onde os animais iam quando passavam longos períodos sem serem avistados na areia e tornar mais assertiva a estimativa de quando as fêmeas voltariam para desovar.

O estudo por telemetria das tartarugas gigantes, com a coleta e transmissão de dados via satélite, foi o primeiro a ser empregado em um programa de proteção a tartarugas-marinhas no Brasil. Um transmissor é fixado em algumas tartarugas e, por alguns anos, o equipamento transmite informações sobre a localização do animal.

O sistema funciona enviando sinais para o satélite nos momentos em que a tartaruga está mais próxima à superfície da água ou sai para desovar. Os dados não são recebidos em tempo real, mas ajudam a traçar a rota dos animais.

“Como a tartaruga-de-couro não tem casco duro, daí inclusive a origem do apelido, a gente fixa o aparelho com um fio de nylon e são feitos dois furinhos para prendê-lo. Toda vez que ela sobe para desovar, ele manda um sinal, que é enviado para uma empresa que faz a decodificação. A gente recebe esse dado e consegue acompanhar a tartaruga ao longo da duração do transmissor, até ela perder ou acabar a bateria”, explicou Alex.

De acordo com o pesquisador, o transmissor não é agressivo para o animal, e possibilita a criação de conhecimento para melhoria de ações de conservação.

“Ele não é agressivo, mas é um pouco intrusivo, porque são dois furinhos no casco. Não tem sofrimento para o animal e a vantagem é que a gente pode acompanhá-la, saber qual o caminho que faz no mar. Imagina essa imensidão do mar, a gente não sabe onde esses animais vão. Quando você consegue entender por onde eles vão, você consegue sobrepor ameaças como pesca, ocupação de portos, exploração de petróleo. A gente consegue entender quais são as ameaças que aquele animal está sujeito”, avaliou.

Tartarugas não têm fronteiras

Atualmente, além de fêmeas adultas, em situações pontuais para essa e outras espécies de tartarugas marinhas, pode ser analisada a viabilidade de instalação do aparelho.

O monitoramento por satélite é fruto de uma condicionante da Petrobras, a partir da exploração da bacia de Santos, e vai acontecer, pelo menos, nas próximas três temporadas reprodutivas, até 2028.

O monitoramento com a ajuda da tecnologia alimenta um mapa de estudos que mostra por onde os animais passam e de onde vieram. Ao longo das últimas décadas, foi constatado, por exemplo, que as tartarugas voltam para desovar na praia em que nasceram.

Já foi possível identificar também, por exemplo, tartarugas-de-couro do Gabão que vieram se alimentar na costa brasileira. Ou animal marcado no Brasil, que encalhou na Namíbia, também na África.

“Não adianta proteger [a tartaruga] em um lugar só, as tartarugas não têm fronteiras, né? Então, por isso que a conservação hoje é um assunto tratado em nível mundial, porque não adianta um país proteger tudo aqui e o outro comendo tudo lá, às vezes a mesma população. Precisamos falar em acordos multilaterais, em convenções multinacionais”, apontou o pesquisador.

Além dos satélites, plaquinhas numéricas de aço também são utilizadas para identificação dos exemplares, processo mais acessível e viável para maior quantidade de instalação em diferentes espécies.

Após a desova, é hora de cuidar dos ninhos

O momento de desova das tartarugas-marinhas nas praias do Norte do Espírito Santo, que geralmente acontece à noite ou madrugada, pode parecer o final de um trabalho bem sucedido de monitoramento que vem ocorrendo há mais de quatro décadas, entretanto, para os pesquisadores, é a partir desta ação que boa parte do empenho começa.

Os ninhos são protegidos, os filhotes recebem ajuda para chegar ao mar e é hora de analisar os dados enviados pelo satélite.

“Depois que a fêmea bota os ovos, ela não volta mais para checar, não confere, não espera os filhotes nascerem. Não existe esse cuidado maternal, que a gente está acostumado a associar”, explicou Alexsandro Santos.

Os pesquisadores adotam uma série de cuidados para aumentar as chances de nascimentos dos filhotes.

“Nós é que fazemos esse papel de olhar se o ninho está bem, se a maré não vai pegar, se a raposa não vai comer, se é preciso colocar uma tela, se os outros não vão mexer. E depois, acompanhar o tempo que passou desde a desova, ficar atento aos pequenos rastros para saber, se nasceram, escavar o ninho para soltar os que não conseguiram sair sozinhos, que poderiam morrer se ficasse ali embaixo. Então, esse papel do cuidado da mãe acaba ficando com a gente. Mas, na natureza, não existe”, reforçou.

Os ninhos identificados no momento da desova ou no dia seguinte recebem número e são documentados, para não haver dúvida sobre a localização e ajudar a prever quando os ovos vão eclodir.

Na temporada de desova 2024, até a primeira semana de dezembro, 1.8673 ninhos foram demarcados em 159 km de praia, no litoral Norte do Espírito Santo.

Dermochelys coriacea (gigante): 100
Caretta caretta (cabeçuda): 1769
Lepidochelys olivacea (oliva): 4

Somando os rastros identificados, cascas de ovos encontradas e abertura dos ninhos, a estimativa é que 6.668 filhotes já tenham nascido, processo que vai continuar ocorrendo até o final março de 2025.

O papel da Reserva Biológica

A Reserva Biológica de Comboios é uma unidade de conservação federal, criada em 1984, com o objetivo de proteger essa área de desova de tartarugas marinhas. Atualmente, é gerida pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Compreende pouco mais de 800 hectares e protege cerca de 15 quilômetros de praia, próximo à foz do Rio Doce, entre as cidades de Linhares e Aracruz.

“É um espaço pequeno comparado a outras unidades de conservação, mas uma área importantíssima, uma tirinha de praia, mas que protege uma importante região de desova de tartarugas”, falou o responsável pela reserva, Antônio de Pádua.

Os servidores da reserva atuam protegendo a área física e em parceria com o Centro Tamar para o monitoramento das desovas e acompanhamento do processo de reprodução.

“A gente atua na retaguarda, protegendo a área. Ah, então por que as tartarugas escolheram a região para desovar? Eu não sei se foi escolha, mas foi quase uma condição. A reserva foi criada logo após o Tamar, enquanto a região do entorno foi se urbanizando. Então, essa virou uma área segura para as fêmeas se aproximarem”, apontou Pádua.
Região atrai pesquisadores de outros estados.

O litoral Norte capixaba atrai pesquisadores do Brasil inteiro e até de algumas partes do mundo. Enquanto esteve no local, a equipe do g1 conheceu biólogos de Ubatuba, que trabalham na base do Projeto Tamar da cidade paulista, e estavam no Espírito Santo para conhecer o trabalho da instituição em outra região e trocar experiências.

“Nós trabalhamos em uma área onde as tartarugas vão se alimentar, é uma área importante de alimentação, principalmente da tartaruga verde. Mas elas não vão desovar. Então, a gente veio para ver isso, ver uma tartaruga desovando, o próprio filhotinho, o ninho, como funciona a dinâmica de trabalho dos colegas. E, claro, ver a tartaruga gigante, que pra gente é algo impensável, extremamente raro”, contou Andrei Santo Antônio, de 34 anos, que realiza monitoramento de campo.

Para a educadora ambiental, Poliana Martins, de 24 anos, o objetivo do intercâmbio foi alcançado.

“Viemos para ficar uma semana, entre Regência e Vitória. Aqui na reserva, no primeiro dia que a gente chegou, já conseguimos ver a tartaruga gigante. […] Foi incrível, eu fiquei emocionada! Na hora, eu fiquei tentando aproveitar cada momento. E aí depois, no caminho, indo embora, eu comecei a chorar de tanta emoção. De assimilar todos aqueles sentimentos”, disse a bióloga.

Há mais de 40 anos, o oceanógrafo Joca Thome estuda tartarugas marinhas, e vê com orgulho a consolidação do trabalho de monitoramento dos animais e a formação de novos pesquisadores.

“A gente tem orgulho depois de tantos anos de trabalho. Continuar vendo aquelas fêmeas antigas, que a gente via no início, ainda voltando para desovar aqui é um orgulho, assim como ver as jovens da espécie aparecendo e se incorporando a essa população. Outro orgulho é ver os jovens [humanos] que estão trabalhando na praia com a gente hoje, de biólogos, oceanógrafos, veterinários, fazendo parte desse trabalho, elaborando, desenvolvendo o que a gente começou. Hoje, eu já tô quase só assistindo tudo, dá muita alegria!”, relatou Thome, que também é coordenador do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação das Tartarugas Marinhas e Biodiversidade do Mar do Leste do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Fonte: G1

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