Sete são as espécies de tartarugas marinhas descritas pela ciência e, destas, cinco podem ser observadas na costa brasileira – todas dentro da lista de animais vulneráveis ou em perigo de extinção. “As tartarugas-marinhas enfrentam hoje a pior situação de conservação em seus mais de 150 milhões de anos de existência como resultado da ação direta da atividade humana. Dentre estas, a captura incidental pela pesca é hoje considerada a maior ameaça para a sobrevivência de todas as espécies”. É o que diz a mestranda Marcela Ramos em sua dissertação.
Tendo como base a sua experiência anterior com o Projeto Tartarugas Urbanas, da ONG Guajirú, voltado para Conservação das Tartarugas Marinhas que desovam no litoral da Paraíba – seu estado natal – Marcela tomou a iniciativa de estudar as tartarugas marinhas da Amazônia. “São animais fantásticos e não existiam trabalhos sistematizados com essas espécies na Amazônia, bioma mais encantador de todos, apesar dos relatos de ocorrência e desova na região” justifica a mestranda.
Assim, para avaliar e monitorar a ocorrência dessas espécies de tartarugas e da sua captura incidental por pescadores na Amazônia costeira, Marcela Ramos realizou o estudo “Interação de tartarugas marinhas com a pesca artesanal na Resex marinha Mãe Grande de Curuçá, Pará, Brasil” dentro do Programa de Pós-Graduação em Zoologia mantido pela parceria do Museu Goeldi e a Universidade Federal do Pará (UFPA).
“A presença de tartarugas marinhas no litoral paraense já é relatada desde 1758 pelo naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira. Apesar disso, não existem estudos, acompanhamentos ou monitoramentos sistemáticos desses animais no litoral do Pará” explica a mestranda. “Entretanto, são diversas as observações ocasionais sobre encalhes, desovas e capturas em currais-de-pesca (ferramenta pesqueira), além de inúmeros relatos de pescadores, observados e registrados”.
Os pescadores de Curuçá
Assim, Marcela levou em consideração a intensificação da pesca na costa do estado do Pará, e realizou pesquisa na Reserva Extrativista (Resex) Marinha Mãe Grande de Curuçá, localizada em Curuçá (PA). Orientada por Juarez Pezzuti, da UFPA – grande incentivador da pesquisa – a mestranda fez viagens mensais ao município, com duração média de cinco dias, durante abril de 2009 e agosto de 2010.
Inicialmente, foram realizadas entrevistas com os pescadores para coletar informações acerca das espécies que ocorriam na área, bem como da captura incidental e desova das mesmas. “A recepção foi muito boa e foi graças a eles que consegui realizar meu trabalho. Minha experiência com os pescadores foi fantástica”, destaca Marcela, que já havia trabalhado com etnobiologia (ciência que relaciona a biologia e as populações humanas) antes na Paraíba, seu estado natal.
“A partir do meu trabalho, sem pressionar ninguém, eu consegui sensibilizar alguns pescadores a não matar as tartarugas capturadas para consumo ou comercialização. Porém, esse processo é muito longo e deve ser contínuo, sem pressão, sem imposição. Para mim, ninguém conscientiza ninguém, a gente sensibiliza as pessoas a partir de nossas atitudes”, afirma a mestranda.
Currais, redes e tartarugas
Foram medidos e mapeados 63 currais e 44 redes “estacada” – que são ferramentas utilizadas por pescadores – ao redor da Resex Marinha Mãe Grande de Curuçá, nas quais foram registradas 77 capturas incidentais de tartarugas marinhas, com maior incidência nos currais. Em relação às espécies, a Chelonia mydas ganhou destaque, tendo sido encontrados 34 indivíduos, e é seguida pela Lepidochelys olivacea (19), Caretta caretta (14) e Eretmochelys imbricata (3).
“Isso mostra a importância deste litoral para conservação das tartarugas marinhas, que além destas espécies houve relatos por pescadores locais da ocorrência da espécie Dermochelys coriacea” enfatiza Marcela. Quanto à classe etária, a maioria dos indivíduos capturada foi juvenil – mostrando que esta pode ser uma área de alimentação dessas espécies –, e o período de maior número de capturas foi nos meses de março e abril.
De acordo com a pesquisa, acredita-se que a Resex de Mãe Grande, que abriga uma das maiores e mais bem preservadas áreas de mangue, esteja sustentando a presença desses animais no estuário. “Tal hipótese justificaria a maior incidência nos meses de março e abril, coincidentes com aumento da pluviosidade que fornece mais nutrientes para o estuário. Isto corroboraria com o fato de haverem sido capturados mais indivíduos juvenis, que estariam usando a região com área de alimentação. Contudo, análise mais detalhada do conteúdo estomacal dos indivíduos mortos capturados deve ser realizada em trabalhos posteriores para confirmar tal hipótese”, complementa a mestranda.
Fonte: Agência Amazônia