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ARTIGO

Sylvia Earle: ‘Nós estamos no limite - um milhão de espécies podem ser extintas’

Nós somos uma espécie excelente em matar, diz a oceanógrafa veterana, que nos convida a parar de tratar peixes como se fossem plantações e dar a eles o respeito que eles merecem

15 de fevereiro de 2023
Traduzido por: Anna, Évelin, Juliana, Letícia, e Lucas | Revisado por: Alexia, Gabriel, Julia e Kleiton
6 min. de leitura
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Sylvia Earle: ‘Nós não conhecemos o oceano o suficiente para saber quantas espécies foram extintas… Mas sabemos que nós somos ótimos em eliminar ecossistemas inteiros.’ Fotografia: CPAWS

A renomada oceanógrafa Sylvia Earle pressionou para que houvesse uma reunião global dos especialistas da marinha para controlar a sobrepesca industrial, que ameaça centenas de espécies de extinção, e repensar a nossa relação com os oceanos, convocando a humanidade a “fazer pelos peixes o que você gostaria que fizessem por você”.
Em uma entrevista com o The Guardian no 5° Congresso Internacional de Áreas Marinhas Protegidas (Impac 5) em Vancouver, a bióloga marinha norte-americana e primeira mulher a chefiar a Administração Oceânica e Atmosférica diz que a indústria da pesca intensiva está tratando as espécies marinhas da mesma forma que animais são tratados na pecuária, apesar de serem muito diferentes.

“Tantas pessoas parecem pensar que os peixes são equivalentes às vacas, aves e porcos. Nós ainda falamos sobre “colheita” no mar,” ela expõe. “Não é uma colheita – nós estamos lá como caçadores.”
A principal diferença, ela argumenta, é que a pesca industrial leva as espécies à extinção. “Estamos vendo espécies atrás de espécies desaparecendo. A previsão é de mais de um milhão de espécies perdidas. Não sabemos o suficiente sobre o oceano para dizer quantas já foram perdidas… mas sabemos que somos ótimos em eliminar ecossistemas inteiros”, diz ela. “Estamos no limite.”

Earle, de 87 anos, comparou o descomedimento da enorme atividade recente pesqueira de krill, na Antártida, com a dizimação do bacalhau no século 20, que levou à moratória da pesca desse peixe. “Sobre o krill na Antártida, temos a ilusão que existem bilhões deles. ‘Nós nunca conseguiremos eliminar todo o krill, nunca conseguiremos eliminar todo o atum…’ … exceto o bacalhau! Meu Deus! Pense no bacalhau aqui no Canadá, nos Estados Unidos e Europa: parecia que o bacalhau jamais iria [se esgotar].”

Nascida em Nova Jersey, Earle chamou a atenção mundial pela primeira vez em 1970, quando ela estabeleceu um recorde ao viver debaixo d’água por duas semanas com uma equipe só de mulheres.

Desde então, ela passou quase uma dúzia de vezes vivendo sob as ondas, e detém o recorde de mergulho solo mais profundo.

A sua experiência vivendo no habitat subaquático de Tektite e as embarcações subsequentes proporcionaram a ela uma nova perspectiva sobre os peixes, ela explica, permitindo que ela pensasse neles como indivíduos. “Eles tem personalidade”, diz ela.

“Jane Goodall teve problemas com seus colegas intelectuais por ousar sugerir que chimpanzés possuem personalidade, que eles têm sentimentos, que possuem família, que se preocupam uns com os outros, que sentem dor e prazer, que riem.”

“Eu não sei se peixe ri”, diz ela. “Mas eu tenho certeza que eles sentem dor e prazer.”

“Eles não são os nossos companheiros primatas, mas são nossos companheiros vertebrados. Nós temos olhos, eles têm olhos. Nós temos uma espinha dorsal, eles têm uma espinha dorsal. Eles possuem um coração, nós possuímos um coração. Eles possuem cérebro e alguns de nós possuímos cérebros,” diz ela.

Segundo ela, um equívoco frequente sobre peixes é a sua idade. “Muitos peixes presentes nos cardápios do mundo inteiro são mais velhos, não apenas do que nossos pais, mas também que nossos tataravós. Peixes que possivelmente possuem mais de 100 anos estão em nossos pratos.

Nós poderíamos ter caçado até a última baleia, mas nós paramos em tempo. Podemos fazer isso novamente?

“Não é bom para nós sermos tão complacentes em relação aos lugares de onde a comida vem. Isso não significa que nós vamos parar de comer peixe. Mas talvez nós devêssemos ser mais respeitosos… Nós não tratamos eles com o mesmo tipo de dignidade que dispensamos à maioria dos outros seres vivos. Nós os medimos pela quantidade.

Quantos peixes há em uma tonelada de peixe? Quantas pessoas há em uma tonelada de pessoas?”

Além de seus trabalhos científicos, a organização de defesa de Earle, Mission Blue, fez parcerias com grupos de conservação que nomeiam “Pontos de Esperança” ao redor do mundo em um esforço para garantir proteção permanente, como os recifes de esponja na costa oeste do Canadá que foram designados para uma área marinha protegida em 2017.

Apesar dos sucessos, ela notou que apenas 3% do oceano está protegido. “Isso significa que 97% está aberto à exploração,” ela diz.

“Uma parte dela é protegida porque ainda está relativamente inacessível. Mas nós estamos nos aperfeiçoando para ir até as partes mais profundas do oceano – indo até mesmo abaixo do gelo, ou a lugares que não eram acessíveis 50 anos atrás. Agora com a sonda, não há lugar para se esconder.

“Nós os capturamos [peixes] com uma técnica que não existia quando eu era criança. Nós temos hoje o poder de pescar até o último atum, assim como tivemos, no passado, o poder de caçar até a última baleia, mas paramos a tempo. Será que podemos fazer isso novamente?”

Ela argumenta que depois de mais de seis décadas de trabalho, ela tem uma perspectiva que pode ser útil atualmente, visto que agora os avanços científicos têm desvendado o oceano de formas nunca antes vistas.

“Até muito recentemente, o oceano era muito grande para estar em risco. Você não precisava protegê-lo”, diz ela. “Mas eu fui uma testemunha. Eu assumi a perspectiva que David Attenborough descreveu, em seu perfil da BBC, em que ele se referiu a si mesmo como uma testemunha desse tempo de mudanças significativas.

“Attenborough e eu tivemos trajetórias paralelas, quando a população mundial totalizava apenas 2 bilhões”, ela afirma. “Agora temos 8 bilhões de pessoas e a Terra está do mesmo tamanho. Nós temos que ter consciência da marca que estamos deixando nos sistemas que nos mantêm vivos”.

Paradoxalmente, Earle diz que é justamente sua experiência que lhe dá confiança. Ela aponta a campanha para não matar as baleias, com a qual ela contribuiu por quatro anos na Comissão Baleeira Internacional.

“Eu assisti o trajeto do declínio. Eu também vi a capacidade de as coisas mudarem”, conta. “A caça às baleias foi um grande problema por boa parte do século XX e por muitos séculos antes. E nós chegamos perigosamente perto de perder a chance de salvar as baleias, seus números baixaram muito. Mas nós conseguimos, graças aos acordos internacionais”, ela observa, enfatizando a ironia de que foi apenas quando o valor econômico das baleias foi visto em termos de turismo e da crise climática que alguns países perceberam o quão prejudicial era matá-las.

Um cálculo parecido com o custo verdadeiro de matar os peixes selvagens, diz ela, nos permite reavaliar o valor deles, enfraquecendo o que ela chama de maior ameaça ao oceano: o conceito de “frutos do mar”.

“Somos tão práticos tratando de vida selvagem do oceano,” diz ela. “Eu pareço uma amante dos peixes [mas] eles são lindos – tão lindos quanto qualquer outra criatura incrível que começamos a tratar com um maior respeito.

“Precisamos usar esta coisa que chamamos de cérebro e nossa empatia pela vida – todas as formas de vida têm um lugar. E temos essa atitude: ‘Quão agradável são? Posso comê-lo? Posso vendê-lo? Se eu não puder, é apenas algo para moer.’ Nas suas atitudes, você apenas ignora isso. A menos que você seja uma criança de três anos! Uma criança é curiosa e tem empatia pela vida… Nós que as ensinamos a matar.

Ensinamos que tudo bem. Na verdade, nós até encorajamos isso. Nos tornamos uma espécie excelente em matar.

“Se pudermos fazer apenas um movimento transformador no século 21, seria o de alcançar um respeito maior ao cuidado com a vida, com todas as vidas, incluindo a nossa.”

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