Carbonizados ou afugentados pelo fogo, os animais são vítimas das queimadas. No Pantanal, onças e araras-azuis viram seus santuários se transformarem em cinzas. Tamanduás são atropelados. Na Amazônia, macacos têm menos floresta disponível e peixes-boi tornaram-se alvos de caçadores em rios mais secos. No Cerrado e na Mata Atlântica, lobos-guarás são desnorteados pela fumaça.
O Ibama aponta que, até o dia 9 setembro, 619 animais silvestres foram resgatados no país. O instituto informou que faz esse trabalho com o ICBMBio e santuários são monitorados.
Ainda não há números de mortes, mas as extensões da seca e do fogo evidenciam o tamanho do problema. O último boletim do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (Lasa) da UFRJ, divulgado na sexta, calculou o quanto foi queimado nas Áreas Prioritárias para Conservação da Biodiversidade (APCB) definidas pelo Ministério do Meio Ambiente. A medição foi até o fim de julho.
O Pantanal, que tem a maior densidade de biodiversidade do mundo, foi o que mais sofreu, segundo o boletim: Dos 10,3 milhões de hectares de APCB, 483 mil queimaram até 31 de julho, ou 4,7% da área, onde o laboratório estima que vivem 36 mil mamíferos. No Cerrado, 924 mil hectares de área APCB queimaram (1,3% do total), e na Amazônia, 1 milhão de hectares (0,9% do total), de acordo com o Lasa.
Como um SUS
Gerente de Vida Silvestre da ONG Proteção Animal Mundial (WAP), que apoia organizações locais nos resgates, Rodrigo Gerhardt diz que os centros de reabilitação de animais estão como um “SUS lotado”.
“Não param de chegar animais. Para cada um que encontramos, dezenas acabam morrendo”, explica.
Segundo o Lasa, o Mato Grosso, que concentra 22% de todos focos de calor do país no ano, teve mais APCBs queimadas. Como o estado não tem centros de reabilitação, os animais têm sido enviados a um hospital veterinário da ONG Ampara Silvestre. A Secretaria de Meio Ambiente do Mato Grosso informou que resgatou 20 animais e está construindo um centro de reabilitação.
Com as queimadas, cresce o número de atropelamentos de animais, afugentados pelo fogo e atordoados pela fumaça. Segundo a plataforma Estrada Viva, do governo do Mato Grosso do Sul, até agosto, 199 foram atropelados.
Nos últimos meses, santuários importantes da ONG Onçafari no Pantanal foram queimados. No início do ano, pela primeira vez desde 2020 — quando um terço do Pantanal queimou — a população de araras-azuis voltava a crescer na Reserva São Francisco do Perigara, maior refúgio da espécie no mundo. Mas nos últimos meses, 90% de sua área foi queimada. As aves voam e conseguem escapar, diz Mario Haberfeld, fundador da ONG. Mas a perda de habitat pode ser fatal a longo prazo.
As reservas Santa Sofia e Caimã, onde vivem onças, tatus, tamanduás, macacos e jacarés, tiveram 65% e 80% de sua área queimadas. O fogo atingiu o corredor ecológico de 430 mil hectares (o triplo da cidade de São Paulo) criado pela Onçafari com a conexão entre 12 propriedades.
“Até onça encontramos carbonizada. Se uma onça não conseguia fugir, imagina outros animais. Encontramos vários queimados ou machucados, como macacos, antas e tamanduás”, conta Haberfeld.
A Onçafari intensificou as ações para recuperação da fauna, com construção de poços e açudes, para que animais encontrem água. Pelo menos três onças foram resgatadas. Mas os riscos se prolongam, alerta Haberfeld.
“Se não tiver caça disponível para a onça, como cotia e capivara, ela pode acabar predando bois e vacas. Isso gera reação de fazendeiros”.
Em Minas, o fogo chegou à Serra do Caraça, onde fica o santuário do lobo-guará, visto quase todas as noites no pátio da Igreja Nossa Senhora Mãe dos Homens. Outro local sob risco é o dos pirarucus na Ilha do Bananal, no Tocantins. No início do mês, devido à seca, brigadistas do Ibama precisaram resgatar os peixes com as mãos.
Na Amazônia, preocupam os macacos que só existem nas regiões mais afetadas pelo fogo. O sagui-de-schneider e o zogue-zogue, do Mato Grosso, e o macaco-aranha-da-cara-branca, que vive no Pará e no Mato Grosso, recebem atenção especial do Plano de Ação Nacional para a Conservação dos Primatas Amazônicos, do ICMBio. Hoje, o sagui e o macaco-aranha estão em perigo de extinção, enquanto o zogue-zogue está criticamente em perigo, classificação ainda mais grave.
Fragmentação
O primatologista Gustavo Canalle, que participa do plano, explica que o macaco-aranha-da-cara-branca vive principalmente no entorno da Terra Indígena do Xingu, onde é considerado sagrado. Outro santuário é o Parque Cristalino, no Mato Grosso, cujas queimadas aumentaram em meio a tentativas de fazendeiros de derrubar na Justiça a sua proteção ambiental.
“No arco do desmatamento da Amazônia está acontecendo a fragmentação da floresta. Nesses fragmentos, quando o fogo chega, o macaco não tem para onde correr”, alerta Canalle.
Nos rios e lagos da Amazônia, o peixe-boi é vítima indireta da seca. Restrita a poucos locais, a espécie se tornou alvo fácil dos caçadores, principalmente na região de Coari.
“Como a água baixou muito, restaram poucos locais para o peixe-boi, e os pescadores sabem onde são”, lamenta Waleska Gravena, professora da Universidade Federal do Amazonas.
Gravena explica que o consumo da carne do peixe-boi é comum na região, mesmo que a caça seja ilegal. Diante da oferta alta no momento, o quilo da carne que custava R$ 25 está a R$ 7. Já os botos, que sofreram com alta mortandade no ano passado, são monitorados devido ao aumento da temperatura das águas. Dois botos foram encontrados mortos em Coari entre sexta-feira e sábado. Os lagos estão com níveis muito baixos, alertam pesquisadores, mas ainda não se sabe a causa exata dessas mortes.
Fonte: O Globo