Prometo isso. É uma promessa literal, em primeiro lugar, porque de fato não comerás as mesmas coisas de sempre. Veja que só isso já seria um ganho: representa trocar a mesmice do cadáver assim-assado por uma infinita e criativa variedade de cores e sabores. Porém, afora a literalidade da expressão, você próprio mudará – a ponto de não se reconhecer. É uma promessa mais ousada, eu sei.
Para ilustrar o que quero dizer com isso, vou contar o que aconteceu comigo há poucos dias. Aliás, eu não estava sozinho, e quem me acompanhava teve o mesmo insight. Foi mais ou menos assim:
Fomos às compras. Lúcia, a vegana com quem casarei em alguns dias, e eu. Veganos, vocês sabem, também consomem produtos industrializados. Creio que ser vegano e ir ao supermercado não representa uma esquizofrenia ou uma miopia individual severa. Tudo isso se concilia com boas doses de paciência, autocontrole e disposição para leitura de rótulos.
Nesses estabelecimentos acontece uma coisa um tanto mágica conosco. Sabem quando o status de vegano se eleva a níveis mais sensíveis? Algo como: “tenho que estar atento, o mercado pode ser traiçoeiro”. Pois é. Essa atenção redobrada deve despertar alguma coisa no nosso inconsciente, sei lá, que nos deixa mais ligados às ideias abolicionistas.
Passeávamos por um corredor que exibia mercadorias úteis para culinária. Lá se podiam escolher shoyo, azeitonas e cogumelos (acho que foi isso que compramos) em meio aos típicos apelos visuais às “Promoções” “Imperdíveis”. Logo adiante, topamos com uma espécie de letreiro que indicava: “Ervas para Aves”.
Curioso, pensei: “Não sabia que aves gostavam de ervas”. Imaginei um papagaio comendo aquelas folhinhas secas miúdas… Olhei para a Lúcia. Ela apontou para o anúncio: “Ervas para aves? Que legal, não sabia que comiam isso”.
Somente alguns minutos depois é que a ficha caiu. Claro! “Eles”, os carnófagos, usam aquela erva para temperar os pedaços de músculos amputados de cadáveres de filhotes de galinha (sim, o frango que se come atualmente em geral conta com menos de dois meses de idade – são os filhos dos outros animais, os bebês).
Quer dizer: o vegano aqui chegou ao ponto de parecer retardado por não entender prontamente que um pacotinho de folhas dedicado às aves, quando exposto na seção de temperos, não representa um compromisso com a alimentação da própria penosa. Por alguns felizes minutos da minha existência, esqueci que pessoas se alimentam de animais mortos. Quem sabe pela própria degeneração da matéria, usam-se certos temperos. Disfarce para um gosto pervertido.
Minhas reflexões sobre a condição animal me levaram a um novo paradigma, a ponto de ter-se criado entre mim e meu passado carnófago, remoto em minha mente, um desproporcional abismo.
Então, veja você. Inegavelmente, a educação recebida desde a infância é um fator decisivo na formação do caráter de um indivíduo. Entretanto, doses conscientes de ideologia não sucumbem à cultura assimilada goela abaixo (numa dupla referência aos modos de vida de um onívoro médio). Ideias fortes em parâmetros éticos conseguem resistir às orientações hegemônicas sobre “como ser um cara legal”.
Lembrando que, como já afirmou o colega colunista Marcio (Vanguarda Abolicionista), um sujeito legal é aquele que aprecia o polinômio “cerveja-praia-futebol-carnaval-churrasco-televisão”.
Estimo não sejamos sempre os mesmos, que não repitamos o que de errado fizeram nossos ancestrais mais remotos. Até porque atualmente dispomos de condições infinitamente mais propícias para adotar a dieta que mais eticamente convém a todos do gênero da animalidade, assim como ao planeta.
Pense bem: é sempre o mesmo, o mesmo, o mesmo, o mesmo… até que você queira fazer diferente. A partir de então, nem seu prato, nem você, serão iguais.