Considerando que quanto mais animais matamos, mais abalamos os ecossistemas, essas empresas entendem a importância de desestimular esse consumo
Algumas startups estão na vanguarda de um mercado em desenvolvimento que visa recriar a experiência do consumo de peixes e frutos do mar, mas sem que seja necessário matar animais ou gerar grandes impactos ambientais.
Enquanto muitas empresas do mercado de carnes vegetais mantêm sua atenção voltada somente às alternativas à carne bovina, startups norte-americanas como Impossible Foods, Good Catch Foods, BlueNalu e Finless Foods miram a realidade dos mares e oceanos que, segundo a ONU, absorvem quase 25% das emissões de carbono e 90% do calor adicional gerado pelo CO2 produzido pelos humanos.
Além disso, de acordo com a organização britânica Fish Count, pelo menos 970 bilhões de peixes são capturados e mortos por ano no mundo todo. Considerando ainda que quanto mais desses animais matamos, mais abalamos os ecossistemas marinhos, essas empresas entendem que desestimular o consumo de peixes deve ser uma prioridade.
Experiência do consumo de peixe sem peixe
Sobre o assunto, o CEO da Impossible Foods, Patrick Brown, argumentou em entrevista ao New York Times que as populações de peixes nos oceanos estão passando por uma fase que podemos definir como “esgotamento”.
Isto porque muitas espécies estão simplesmente desaparecendo em consequência do impacto da pesca comercial, que se aproxima da urgência ambiental da agropecuária.
Por essa razão, a Impossible Foods, que hoje é uma das startups de maior visibilidade no mercado internacional de carnes vegetais, está desenvolvendo um produto que imita a experiência do consumo de peixe utilizando um tipo de levedura conhecida como heme.
Objetivo é salvar um bilhão de animais
Já a Good Catch Foods, que já lançou seus produtos no mercado norte-americano, anunciou recentemente por meio do CEO e investidor Chris Kerr, que quer salvar pelo menos um bilhão de animais ao dar um bom incentivo para as pessoas não se alimentarem deles.
Kerr tem defendido em seus discursos que se não alcançarmos mudanças mais significativas de hábitos de consumo, causaremos danos irreversíveis ao planeta. Vale lembrar que os oceanos desempenham papel fundamental na manutenção da vida na Terra, considerando que cerca de 71% da superfície terrestre é coberta por água.
“Cada um de nós pode dar pequenos passos em direção a um mundo melhor. Quando reunimos coletivamente milhares ou milhões de pequenos passos, estamos dando um salto enorme em direção a um mundo melhor (e esperamos salvá-lo)”, declarou o investidor em entrevista ao Live Kindly.
Demanda é cada vez maior
Em janeiro, a Good Catch Foods arrecadou 32 milhões de dólares para ampliar a produção de “atum vegano” e alternativas a outros tipos de peixes e “frutos do mar”. Os investimentos foram conquistados por meio das empresas Stray Dog Capital e Rocana Ventures.
Os recursos serão utilizados para expandir a circulação dos produtos da marca para outros países e continentes, assim como melhorar o processo de manufatura. “A demanda do consumidor por alternativas vegetais é quase insaciável, e essa tendência é definida por fatores como sabor e disponibilidade”, disse Kerr.
Observação semelhante foi feita pelo diretor geral do Good Food Institute (GFI) no Brasil, Gustavo Guadagnini, que defende que o primeiro passo de uma transformação na cadeia de produção de alimentos é o investimento em ingredientes mais sofisticados, sustentáveis e saudáveis, que permitem novas aplicações, transformando os hábitos alimentares dos consumidores.
Mercado tem grande potencial
A BlueNalu também reconhece o potencial desse mercado. Esta semana a startup arrecadou 20 milhões de dólares para criar produtos baseados em células cultivadas em laboratório que possam contribuir para reduzir a matança de peixes, camarões, lagostas, polvos, lulas e mexilhões.
Os recursos permitirão que a empresa vá além dos laboratórios e invista na inauguração de uma indústria, na expansão de sua equipe e na implementação de estratégias de distribuição, assim como na preparação para lançar seus produtos no mercado.
Um dos membros do conselho consultivo da empresa sediada em San Diego, na Califórnia, é o filho do renomado conservacionista Jacques Cousteau, Pierre-Yves Cousteau, que disse ter uma relação muito pessoal com o mar e que decidiu se juntar à equipe porque, segundo ele, a BlueNalu tem condições de favorecer a sustentabilidade dos oceanos, além de oferecer produtos mais saudáveis.
Afastando espécies da extinção
Outra promessa desse mercado é a Finless Foods, de San Francisco, que em 2018 arrecadou 3,5 milhões de dólares. De lá pra cá, a empresa tem investido no desenvolvimento de carne de atum-rabilho em laboratório, com a intenção de afastar a espécie da extinção.
Hoje, a Finless, que começou com dois bioquímicos com um histórico de ativismo ambiental e pesquisa agrícola, tem 12 pessoas na equipe e pretende participar de mais rodadas de investimentos em 2020 para definir metas em relação à produção e lançamento.
Salmão de microalgas é uma realidade
Mas não são apenas as startups norte-americanas que têm essa preocupação. A startup francesa Odontella já lançou no mercado um “salmão” baseado em microalgas que pode ser preparado da mesma forma que o verdadeiro salmão.
O produto que recebeu o nome de “Veggie Marine Salmon” começou a ser desenvolvido em 2016, quando a empresa foi fundada por especialistas em microalgas e nutrição.
Em referência à matéria-prima, o biólogo Pierre Calleja, da Odontella, disse ao France Info que nós a encontramos em diferentes formas na cadeia alimentar nos oceanos.
Livre de impacto na biodiversidade
“Agora ela [a microalga] chega aos nossos pratos em forma de peixe. Tem todas as moléculas que são benéficas para os seres humanos e podemos usá-la como salmão, mariscos e vieiras”, garante.
O biólogo enfatiza que o “salmão” baseado em microalgas é rico em proteínas marinhas, carotenoides e ômega-3, e tem outras vantagens como ser livre de pesticidas e metais pesados encontrados com frequência em peixes.
Além do produto não ter impacto sobre a biodiversidade ou fauna marinha, segundo Calleja, a Odontella está usando embalagens ecologicamente certificadas.
Brasileiros também estão investindo no segmento
No Brasil, a Superbom produz e comercializa o Steak Vegan Sabor Peixe, um produto que imita a carne de peixe a partir de proteína de ervilha e que é enriquecido com vitaminas A, B9 e B12, além de ferro e zinco.
Além disso, uma empresa brasileira fundada em Campinas (SP) está investindo em soluções de alta tecnologia para a produção de alternativas à carne que imitam também cortes de peixes.
A R & S Blumos anunciou que sua mais recente aposta é em uma nova fábrica em Cotia (SP), com processo de extrusão úmida de proteínas, permitindo a criação de “texturas e estruturas até então impossíveis” de versões vegetais de peixes e outros tipos de carnes.
Para alcançar esse objetivo, a empresa firmou uma parceria com o grupo Wenger, que é líder global em processos de extrusão. A previsão é de que no primeiro trimestre de 2020 seja possível fornecer seus produtos ao mercado industrial e de “food service”.
Maior disponibilidade, mais chances de atrair consumidores
“Trata-se do maior investimento da história da empresa e marcaremos uma nova fase no desenvolvimento do setor no Brasil e na América do Sul”, garante o diretor de estratégia e novos negócios da R & S Blumos, Fernando Santana.
A expectativa é de que a nova linha de ingredientes da marca amplie a presença da empresa no mercado de produtos à base de vegetais. Hoje a marca é conhecida no setor de fornecimento de proteína texturizada de ervilha, ligantes naturais, fibras e amido.
Sobre os investimentos nesse mercado, partindo tanto de uma perspectiva global quanto nacional, claro que nem todas as pessoas vão se interessar em curto prazo pelos produtos que estão chegando ao mercado como novas alternativas. Porém, há um entendimento comum entre empreendedores do ramo de que quanto mais disponibilidade de opções, mais as pessoas se colocarão em posição de experimentá-las.
Chegou a vez do ômega-3 de origem vegetal
Ganhando popularidade e também se apresentando como uma alternativa mais saudável do que o seu equivalente baseado em óleo de peixe, o ômega-3 à base de algas deve conquistar ainda mais os consumidores nos próximos anos.
De acordo com um relatório publicado pela empresa de pesquisa de mercado Mordor Intelligence, o mercado de ômega-3 à base de algas deve experimentar taxa de crescimento anual composta (CAGR) de 11,3% até 2024, chegando a atingir um valor de mercado de 1,2 bilhão de dólares.
“O mercado de ingredientes de ômega-3 de algas é dinâmico e altamente fragmentado, com pequenos e domésticos atores ocupando a maior parte do mercado global”, informa o relatório.
Produtos mais saudáveis e livres de contaminação
A pesquisa também destaca esses ácidos graxos “essenciais” obtidos a partir de algas como benéficos para a saúde cardiovascular, ocular e cerebral, finalidades para as quais têm sido amplamente utilizados em suplementos, alimentos e bebidas.
Outro diferencial apontado é que não apresenta riscos de contaminação por poluentes como os bifenilos policorados, encontrados em diversas espécies de peixes.
“O mercado [de ômega-3 baseado em algas] fornece ainda os tipos de ingredientes com base nos níveis de concentração de baixo, médio e alto e cenário de mercado no nível global”, enfatiza.
Na Índia, as algas já se tornaram a principal fonte de obtenção de ômega-3, e seu uso deve crescer ainda mais.