Todos os animais têm direito à vida. É o que diz o primeiro artigo da Declaração Universal dos Direitos dos Animais, proclamada em 1978 e aprovada tanto pela Unesco quanto pela Organização das Nações Unidas (ONU). A Constituição Brasileira de 1988 ainda completa: as normas de direito ambiental estimulam a proteção animal, proibindo a prática de crueldade contra qualquer bichinho. Por isso, atos de abuso e maus-tratos, ferir e mutilar animais silvestres, domésticos (ou domesticados) e nativos (ou exóticos) podem trazer consequências.
A pena para os infratores varia de três meses a um ano de detenção, além de multa. E não são apenas os agressores que estão sujeitos às punições: aquele que deixar de impedir a prática quando puder evitá-la também estará infringindo a lei. O problema é que, de acordo com a presidente da Comissão Especial de Defesa dos Direitos dos Animais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Sorocaba (SP), Ilka Sônia Micheletti, como o crime é considerado de menor potencial ofensivo, as penas são pequenas e geralmente levam ao cumprimento de prestação de serviços à comunidade e multas, previstas em valores que vão de mil a R$ 3 mil.
A luta de Ilka e de outros brasileiros comprometidos com a causa animal hoje é pelo aumento das penalidades para de um a quatro anos e, em caso de morte do bichinho, de até seis anos. “Quem promover rinhas entre animais poderá pegar de dois a seis anos, com penas dobradas em caso de morte do animal”, explica. Mas, para isso, é preciso que a população colabore, denunciando os infratores e, consequentemente, pondo fim à impunidade. “Não precisamos de mais leis, precisamos de justiça. Precisamos que essas leis sejam aplicadas efetivamente”, continua. A promoção gratuita da castração de animais também é um grande passo a ser dado para evitar o aumento incessante da população animal, principalmente de cães e gatos.
Foi pensando nisso que o projeto de criar uma comissão que lutasse pelos direitos dos animais, em Sorocaba, finalmente saiu do papel. Além de estimular a implementação de políticas públicas na área, o objetivo do grupo é promover debates de conscientização sobre a guarda responsável, fortalecer o trabalho dos protetores organizados e individuais e oferecer-lhes apoio jurídico, apurar denúncias de maus-tratos e esclarecer as disposições legais de proteção animal.
A comissão recebe denúncias apenas por escrito, através do preenchimento de um Termo de Denúncias, disponível na secretaria da Casa do Advogado. “Essa denúncia é mantida em sigilo pois, muitas vezes, o denunciante e o denunciado são vizinhos ou se conhecem e pode haver mal estar e gerar constrangimentos”, lembra a presidente. Após a denúncia, os membros procuram dividir o trabalho realizado de acordo com as suas especialidades para chegar à verdade.
As denúncias via Facebook ou telefone (por vezes, anônimas) também são frequentes. Mas é aí que entra a cautela. Embora a comissão entenda que ainda é difícil para a maioria da população exercer o poder de denúncia, ressalta Ilka, é preciso agir com o máximo possível de cuidado para não cometer injustiças. “Temos que colher o máximo de informações para atuar já que, no crime ambiental, é necessário ter provas”, destaca.
Dois casos
Por ser um projeto novo e ainda sem grande divulgação, a comissão cuidou de apenas dois casos até o momento. Estes se relacionavam a problemas de intolerância entre vizinhos e acabaram resolvidos de forma amigável, estabelecendo-se os direitos e deveres de cada um. Em situações de grande repercussão, no entanto, os membros se vêem obrigados a acompanhar as investigações do inquérito e auxiliar as demais organizações não-governamentais e instituições também envolvidas. É o caso, por exemplo, do cachorro Foguinho, queimado vivo há algumas semanas, ou dos 20 animais resgatados em péssimas condições de abrigo na cidade.
Os membros da comissão se reúnem obrigatoriamente uma vez ao mês para discutir assuntos variáveis, estabelecer sua atuação e decidir as atitudes a serem tomadas em cada caso. Quando há casos que precisam de decisões urgentes, os advogados também se encontram. Fora as reuniões mensais, eles se comunicam diariamente através de um grupo fechado dentro de uma rede social para emergências e urgências que possam ocorrer. “O grupo funciona como um glossário de informações e, nele, analisamos todos os assuntos recentes relacionados às leis de proteção animal”, esclarece Ilka.
A comissão também se faz presente em um blog mantido pelo site da OAB de Sorocaba (www.oabsorocaba.org.br), no qual é apresentado um estudo jurídico sobre todos os assuntos que envolvem a causa animal. “Como no caso mais recente em que o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) permitiu que cidadãos mantenham em sua residência até 10 animais da fauna, sem regularização”, exemplifica.
Oficializada em março deste ano, o grupo tem como membros os advogados Maria Cristina Vieira Rodrigues, Rodrigo Medeiros Manfredini, Sabrina Camargo Ferraz, Vanessa Avanzi Rodrigues, João Rodrigues da Silva Filho, Elaine Cistina Corrêa da Silva, Jussara Fernandes e Maria Ligia Ueno, além de dois consultores técnicos: o médico veterinário Antônio Prieto Neto e Edson Mitsuhide Tsuhako, fiscal do Ibama contra o tráfico de animais. “Eles são os responsáveis pelos laudos, quando é necessário, para instruir as denúncias e a formalização dos pedidos judiciais.”
Fonte: Cruzeiro do Sul