Como seres humanos somos estranhos na nossa relação com outras espécies. Confinamos os nossos quando esses são condenados por crimes. Porém, encarceramos outras espécies, que jamais nos causaram qualquer mal, simplesmente porque, ao nos considerarmos superiores, nos colocamos em posição de subjugar aqueles que não partilham das nossas habilidades e do mesmo código comunicativo que nós. Porque a esses relegamos o destino da servidão que finda com a morte.
A ideia da inferiorização do que é diferente há muito embruteceu o ser humano. E mesmo hoje, quando o pretexto de suplantar o outro é mais desnecessário do que nunca, até mesmo aqueles que gozam de certas habilidades intelectuais defendem essa prática. Mas por que as coisas são assim?
Simplesmente porque muitos não reconhecem ou preferem não reconhecer que o que fazem nada mais é do que perpetuar hábitos facilmente substituíveis e vícios do paladar que se arrastam por gerações, ou que se desenvolvem a partir dos nossos pontos de vulnerabilidade. Sim, porque se digo que sou incapaz de me abster do consumo de animais, por exemplo, sou, sem dúvida, inábil em controlar as minhas próprias vontades – o que é uma axiomática fraqueza.
O ser humano, independente de inteligência ou níveis de empatia, quando é dominado por algo, não raramente sofre de um tipo criterioso de cegueira, mas é uma cegueira viciosa e deleitável que suprime as possibilidades de ser vista como algo problemático – o que exigiria reflexão e reavaliação sobre quem somos, quem são os outros e o que fazemos. O prazer que determinados humanos têm com a reafirmação da ideia da superioridade e seus despejos a partir da morte de outras criaturas também é um endosso comum desse hábito.
Há algo de altaneiro, e não no bom sentido, no ser humano que, desconsiderando as implicações de suas escolhas para as vítimas, busca pretextos para justificar o consumo de animais. A verdade é muito simples – se há vida saudável sem morte, a matança é sempre injustificada. Afinal, todo alimento proveniente de privação, sofrimento e morte é resultado de nossas escolhas ou do condicionamento dessas escolhas; sejam culturais ou não, conscienciosas ou não.