A floresta amazônica brasileira perdeu 10.222 km² de área verde entre janeiro e novembro deste ano, o equivalente a sete vezes o tamanho da cidade de São Paulo, registrando o maior desmatamento do bioma nos últimos 10 anos. Os dados divulgados nessa semana são do Sistema de Alerta de Desmatamento do Imazon.
Somente no mês de novembro, foram registrados 484km² de área devastada. Cerca de 54% desse desmatamento se concentra em “propriedades privadas ou terras públicas sob diversos estágios de posse”, esclarece o Imazon.
“Não conseguimos separar o desmatamento mensal ocorrido em áreas privadas das áreas públicas em diferentes estágios de posse por causa da falta de dados sobre a posse de terras na Amazônia, que são muito defasados”, explica a pesquisadora Larissa Amorim, responsável pelo levantamento.
O Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) forneceu dados semelhantes registrados entre janeiro e outubro de 2021, mostrando que 54% do desflorestamento ocorre em terras públicas.
No mapeamento realizado pelo Ipam, são utilizados dados do Inpe (Instituto de Pesquisas Espaciais), dessa forma eles conseguem comparar os dados anteriores e saber exatamente onde ocorreu o desflorestamento. As informações que foram colhidas entre agosto de 2020 e julho de 2021, mostram que as áreas mais devastadas são terras que deveriam ser monitoradas e protegidas pelos governos, que são as áreas públicas, representando 28% do total de desmatamento da floresta, seguido por 26% de áreas privadas e 33% de assentamentos.
Larissa Amorim, pesquisadora do Imazon, explica que o desmatamento avança por terras públicas sem destinação na Amazônia com uma única finalidade: apropriação e privatização de terras públicas.
Para isso, os invasores usam uma fresta presente no Cadastro Ambiental Rural (CAR), um cadastro online do governo federal que permite a qualquer pessoa, mesmo sem matrícula nem registro de um determinado imóvel rural, requerer a posse daquela área.
“O CAR é auto declaratório. Cabe às secretarias ambientais dos Estados e aos órgãos de fiscalização checar essas áreas requeridas via CAR, mas muitas dessas terras públicas conseguem ser legalizadas pelo invasor”, explica Larissa.
Um levantamento do Ipam feito em 2020 mostrou que mais de 23% das terras públicas não destinadas da região estão registradas ilegalmente como propriedade privada.
“Primeiro, os invasores dominam as terras públicas e derrubam ilegalmente a floresta nativa. Depois, eles queimam a área para limpar o terreno. Para não deixarem outros invasores entrarem na terra já desmatada, eles colocam gado e transformam em pasto”, descreve a pesquisadora Larissa.
Outro estudo do Ipam, publicado em outubro, mostrou que 44% do desmatamento registrado em 2019 e 2020 ocorreu em terras públicas, sendo que 75% do que foi desmatado nas terras públicas não destinadas foi transformado em pastos para a criação de bois e vacas.
E ainda existem os invasores que não tem interesse na terra em si, mas na madeira do local. “Existem grileiros que só querem a madeira da área. Então, eles desmatam e depois ou vendem a terra já desmatada para o agronegócio, com documentos ilegais por meio da grilagem, ou simplesmente abandonam a terra”, explica Amorin.
Os assentamentos apresentaram 40% dos 484 km² desflorestados durante o mês de novembro. Assentamentos rurais também são áreas públicas, mas destinadas aos assentados para a reforma agrária e que deveriam ser fiscalizados pelo governo para uso sustentável, como o extrativismo. “Desmatamento em assentamento tem de tudo um pouco”, aponta o secretário executivo do Observatório do Clima, Márcio Astrini.
“Tem muita invasão e grilagem à força. Isso quer dizer que os grileiros entram no assentamento, colocam uma arma na cabeça do assentado e fazem um contrato de compra e venda a preço irrisório”, descreve Astrini.
O secretário do OC aponta que o governo não tem dado assistência às famílias assentadas, que precisam de suporte para produzir na terra. “Tem muito arrendamento de terra dentro dos assentamentos. Os assentados arrendam para soja ou outra produção. É muito comum também madeira ilegal em assentamento”, completa Marcos.
O levantamento do Imazon destaca a concentração do desmatamento em apenas três dos nove Estados da Amazônia Legal: Pará, Mato Grosso e Rondônia foram responsáveis por 80% do desmatamento na região em novembro.
Economia do Desmatamento
O Pará lidera o ranking de destruição da floresta há sete meses consecutivos. Somente no mês passado, o estado registrou 290 km² de áreas invadidas. Além disso, das dez cidades que mais desmataram a Amazônia no período, oito são paraenses. “O Pará está ligado à economia do desmatamento: agropecuária e exploração da madeira. Isso ajuda a explicar porque estão lá as cidades, os assentamentos e as unidades de conservação mais desmatadas da Amazônia”, expõe Larissa.
Conservação
O levantamento do Imazon mostra que terras indígenas (TIs) e unidades de conservação (UCs) são as terras públicas menos desmatadas: em novembro, unidades de Conservação representaram 4% do desmatamento e Terras Indígenas, 2%. Esses locais são protegidos por leis mais severas quanto a atuação de derrubada de árvores ou criação de áreas pecuárias. O Cadastro Ambiental Rural não é válido para esses terrenos e por isso, a destruição é menor. “Quem invade e desmata TI e UC sabe que não poderá requerer a posse da terra, diferente do que ocorre em terras públicas não destinadas”, diz Amorim.
Apesar de terem normas mais rígidas quanto as UCs, teriam que ser criadas muitas dessas unidades para refrear a velocidade da devastação. “O maior problema da Amazônia não é a demarcação de terras e a criação de áreas de conservação, mas o desmatamento, que está muito alto e sem fiscalização”, afirma Larissa Amorim.
Projeto de lei
Os números alarmantes e a rapidez com que a floresta vem sendo destruída, pode ser ainda mais agravada se dois projetos de lei que transitam pelo Senado Federal, forem aprovados. O PL 510, prevê a anistia do crime de invasão de terra pública para quem ocupou a área entre 2011 e 2014, além de permitir que áreas invadidas de até 2.500 hectares sejam regularizadas sem uma prévia vistoria.
Já o PL 4348/2019, permite que ocupações ilegais em assentamentos de até 2,5 mil hectares, ou seja, verdadeiros latifúndios, sejam regularizadas por posseiros irregulares, e não famílias assentadas pelo governo.
Desde que o atual governo tomou posse do Planalto, o bem natural brasileiro, os biomas ricos em diversidade, vêm sendo sitiado por ruralistas e outros exploradores impetuosos. A postura permissiva do governo federal estimula a ação de grileiros e madeireiros na Floresta Amazônica.
Sob a impunidade, essas ações cresceram vertiginosamente nos últimos três anos, e aparentemente a situação se repetirá em 2022. A fragilização dos órgãos fiscalizadores abriu vazão para o crescimento desse grave crime ambiental, que traz consequências não só para o futuro do Brasil, mas para a segurança climática mundial.