“A mobilização da sociedade brasileira é fundamental para levantar novamente a importante questão da ameaça à fauna brasileira”, na avaliação do biólogo Vincent Kurt Lo, que desde 2002 é analista ambiental do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais), atuando em São Paulo.
Entre as muitas ações realizadas pelo Ibama, uma se destaca – a recuperação de dezenas de animais silvestres – vítimas do comércio. Esses animais são recuperados e passam por um procedimento que permite a reintrodução destas espécies na natureza. Uma árdua tarefa que envolve “tempo, custos e um trabalho meticuloso”, e que deveria ser priorizada “nas diretrizes ambientais”.
Segundo o especialista, cada vez mais animais silvestres estão desaparecendo e entrando na lista de espécies ameaçadas de extinção. “As operações de fiscalização e apreensão de animais do tráfico chamam a atenção dos noticiários e da mídia, mas mostra-se urgente a percepção de que isto significa apenas metade do caminho”, ressalta.
Essa importante iniciativa de reintrodução destes animais na natureza pode ser feita em áreas verdes particulares. No Estado de São Paulo, o Ibama tem incentivado a formação destas áreas de soltura em parceria com proprietários interessados em preservação e recomposição da fauna local.
O biólogo defende penas mais duras para combater o tráfico de animais especialmente os que envolvem espécies ameaçadas. Para ele esse tipo de conduta deveria ser considerado crime “hediondo”. Afinal, contribui “para o agravamento da condição das espécies ameaçadas”. Veja a entrevista exclusiva que Vincent Kurt Lo concedeu ao Observatório Eco:
Observatório Eco: Em linhas gerais, de que forma é feito o trabalho do Ibama de reintrodução de espécies no meio ambiente natural?
Vincent Kurt Lo: A reintrodução de animais silvestres na natureza é realizada principalmente pelos (CETAS) Centros de Triagem e (CRAS) Centros de Reabilitação de Animais Silvestres. Tais centros possuem biólogos e veterinários para atender os animais, avaliar a condição, realizar, se necessário, o tratamento e a reabilitação visando a devolução ao habitat natural.
Após quarentena e exames, os animais são destinados a áreas de soltura cadastradas, onde ainda passam por ambientação e acompanhamento após a soltura. Alguns dos Centros de Triagem e Reabilitação são em parceria com universidades, empresas ou organizações não governamentais.
As estruturas do Ibama nem sempre conseguem atender a demanda do número de animais apreendidos, e, portanto, o órgão conta com o apoio destas outras entidades.
Observatório Eco: A garantia de vida dessas espécies recolocadas no habitat natural depende de manutenção de áreas intocáveis? De que forma o Ibama atua para garantir esses locais e a vida das espécies?
Vincent Kurt Lo: Não requer áreas intocadas, mas sim protegidas e provavelmente com práticas de reflorestamento. Além das unidades de conservação e reservas particulares, os animais também podem ser soltos em áreas verdes privadas.
No Estado de São Paulo, o Ibama tem incentivado a formação destas áreas de soltura em parceria com proprietários interessados em preservação e recomposição da fauna local. Há alguns requerimentos para cadastrar a propriedade como área de soltura, como ter a assessoria de um técnico especializado, a instalação de viveiros para ambientação pré-soltura, uma proposta de enriquecimento florístico, de educação ambiental no entorno, e de monitoramento dos animais a serem soltos. Os interessados podem procurar a superintendência do Ibama/SP.
Observatório Eco: O trabalho de reintrodução desses animais recebe do governo, da sociedade o apoio necessário para se manter?
Vincent Kurt Lo: Infelizmente, os trabalhos de reintrodução de animais silvestres não recebem o apoio necessário. As operações de fiscalização e apreensão de animais do tráfico chamam a atenção dos noticiários e da mídia, mas mostra-se urgente a percepção de que isto significa apenas metade do caminho.
A outra metade é fazer com que esses animais resgatados sejam devolvidos à natureza, de onde nunca deveriam ter saído. Talvez por envolver tempo, custos e um trabalho meticuloso, a reabilitação e reintrodução não são priorizadas nas diretrizes ambientais. Isto faz com que cada vez mais animais silvestres estejam desaparecendo e entrando na lista de espécies ameaçadas de extinção.
Observatório Eco: Quais os pontos positivos que te fazem atuar nesse segmento de reintrodução das espécies?
Vincent Kurt Lo: Tive o privilégio de presenciar alguns resultados bem-sucedidos de sobrevivência, estabelecimento e reprodução de animais soltos. São experiências encorajadoras para qualquer um que se dedica a esse trabalho.
A crescente publicação em literatura de projetos, que conseguiram reintroduzir espécies ameaçadas ou extintas, também serve de exemplo e motivação. E, claro, colegas e profissionais desprendidos e dedicados, amantes da fauna em vida livre também nos incentivam a continuar.
Observatório Eco: As aves e os animais resgatados de cativeiros são monitorados de que forma? O que contribui para o sucesso destas iniciativas?
Vincent Kurt Lo: Todos os animais soltos devem estar marcados, para caso sejam avistados ou recuperados possam ser identificados. Para as aves, por exemplo, são utilizados pequenos anéis nas pernas, chamados de anilhas. Algumas destas possuem cores, utilizadas para serem vistas à distância, ajudando na informação de sobrevivência e deslocamento.
A utilização de comedouros nas proximidades dos viveiros auxilia na suplementação dos animais assim que são soltos, e também na observação da permanência destes. Em poucos casos consegue-se o monitoramento por meio de rádio-colares, chamado de radiotelemetria. Mas percebe-se que o monitoramento de animais soltos é uma tarefa árdua e nem sempre possível de ser realizada de maneira adequada.
A falta de recursos, estrutura, equipamentos e técnicos especializados tornam ainda mais complexa a missão. Profissionais especializados e outros funcionários contratados pelas áreas de soltura têm conseguido auxiliar na obtenção de informações dos animais soltos.
A conscientização da população local, ajudando a informar sobre animais marcados também contribui para tal conhecimento e a divulgação destes trabalhos e a publicação dos resultados em revistas tem se constituído ferramentas importantes para o envolvimento da sociedade.
Observatório Eco: No que a legislação que trata de espécies em extinção pode ser melhorada? No tocante à implementação dessas providências, o que o país deveria fazer?
Vincent Kurt Lo: Apesar dos Decretos 6.514/08 e 6.686/08, que preveem as sanções aos crimes ambientais, mencionarem uma multa maior aos crimes ambientais com espécies ameaçadas, os traficantes continuam sem uma real pena de detenção.
Tráfico de animais especialmente os que envolvem espécies ameaçadas deveria ser enquadrado em sanções com tempo maior de detenção, ou até como crime hediondo, pois além de resultarem em maus-tratos, auferirem lucros com comércio ilícito, depauperarem patrimônio natural, estão contribuindo para o agravamento da condição das espécies ameaçadas.
Outras ações que deveriam ser incentivadas para as espécies ameaçadas são os projetos de reprodução em cativeiro, projetos de reintrodução e de proteção de áreas específicas de ocorrência.
A mobilização da sociedade brasileira é fundamental para levantar novamente a importante questão da ameaça à fauna brasileira. Muitas vezes observamos ativistas em outros países contra a utilização de peles de animais ou contra a caça às baleias, porém a biodiversidade brasileira geme e anseia tal participação de nossa nação.
Observatório Eco: É utópico imaginarmos no futuro que não exista o comércio legal ou ilegal de animais silvestres? A perda dessas espécies justifica esse tipo de comércio?
Vincent Kurt Lo: O comércio legal de animais silvestres é previsto em lei, e, portanto sua existência futura depende do regramento da legislação. O comércio ilegal apesar de dificilmente deixar de existir, poderia ser reduzido a níveis muito baixos.
Para tal fim, é necessária além da fiscalização, a educação ambiental massiva, e conforme dito anteriormente, tornar a pena de tráfico menos branda. Pequenas ações da população são fundamentais para que tal mudança aconteça, tais como não comprar animais silvestres irregulares, denunciar animais ilegais em cativeiro, adotar animas domésticos e aprender a contemplar animais silvestres em vida livre, como por exemplo, praticando o birdwatching. [Birdwatching ou birding é a observação e o estudo das aves a olho nu ou através de um dispositivo de reforço visual, como binóculos]. Faça sua parte!
Fonte: Observatório Eco