Aos 72 anos, Bert Hoelldobler, professor de ciências na Universidade Estadual do Arizona e professor emérito na Universidade de Würzburg, na Alemanha, é um dos maiores especialistas em formigas no mundo. Junto com seu colaborador, E. O. Wilson, Hoelldobler ganhou um prêmio Pulitzer, em 1991, por The Ants (As Formigas). Os dois escreveram um segundo livro em 2008, chamado The Superorganism: The Beauty, Elegance and Strangeness of Insect Societies (O Superorganismo: A Beleza, Elegância e Estranheza das Sociedades de Insetos).
P: Como o senhor e Edward O. Wilson se tornaram colaboradores?
R: Conheci Ed Wilson nos anos 70, quando cheguei a Harvard. Nós dois tínhamos interesse em formigas desde crianças, ele no Alabama, eu na Bavária.
Na Alemanha há um ditado: “Todo menino atravessa uma fase de insetos”. Bem, Ed e eu nunca saímos da nossa. Na primeira vez que viajamos juntos à Costa Rica, nós fizemos tantas anotações, vimos tantas coisas novas, que reunimos informações suficientes para seis artigos de pesquisa.
Quanto à amizade, isso levou tempo. Primeiro, tínhamos respeito colegial. Almoçávamos juntos. Conversávamos sobre formigas. Como todo cientista, fazíamos fofocas. Cientistas adoram fofocar. Na Alemanha se diz: “Você fofoca como uma lavadeira”. Eu sempre digo, “Não, eu fofoco como um cientista”.
Nas memórias de Ed, ele disse sobre mim – e isso me tocou profundamente – “Ele é como o irmão mais novo que nunca tive”.
P: Como dois biólogos alfa escrevem livros juntos?
R: Somos muito diferentes, mas somos extremamente complementares. Eu sou basicamente o experimentalista. Ed é o homem da síntese. Quando Ed lê um artigo, ele rapidamente o digere. Eu leio linha por linha, e algumas vezes digo, “Ed, isto está errado”. Então nós vamos almoçar, fazemos piadas e logo está tudo bem.
Nossa amizade foi realmente testada com nosso último livro, The Superorganism. Nós concordamos em cerca de 89% do conteúdo. Porém, discordamos – até hoje – a respeito de seções no capítulo da evolução. Ele havia escrito o primeiro rascunho. Eu disse, “Deixe-me reescrevê-lo”. Aquilo me custou dois meses. Posteriormente, Ed escreveu, “Você pode ter nos salvo de uma grande quantidade de vergonha, mas eu ainda não concordo com diversos pontos-chave. Deixe-me adicionar algumas notas de rodapé e uma visão divergente”.
Incrivelmente, isso nunca afetou a amizade. Com Ed Wilson, você consegue ter um forte desacordo e continuar como ótimo amigo.
P: Naquele livro, o senhor e Wilson escrevem que “sociedades de insetos têm muito a nos ensinar”. Como o que?
R: Cooperação. As sociedades de insetos que estudamos atingiram o sucesso evolutivo porque são organizadas num sistema de divisão de trabalho. Relativamente poucas espécies – formigas, abelhas, cupins – evoluíram em sistemas sociais onde existem poucos indivíduos reprodutores e centenas de milhões de machos não reprodutores.
Em sociedades de formigas, os não reprodutores realizam tarefas específicas que beneficiam “as rainhas”, que reproduzem. Esse sistema de trabalho distribuído permite que as colônias cresçam em números enormes. Existem algumas espécies onde há uma cruel concorrência interna para decidir quem serão os reprodutores. Suas colônias são geralmente pequenas e menos bem-sucedidas.
Então, quando dizemos que as formigas podem nos ensinar algo, não significa que todos nós deveríamos viver como elas. O que elas podem nos ensinar é que redes de distribuição de trabalho, onde as comunicações são boas e o trabalho de cada grupo beneficia o próximo, são eficazes. Economistas sabem disso.
P: Então para extrapolar aos humanos, todos nós deveríamos ser felizes com nosso lugar no sistema?
R: Nós somos realmente uma espécie diferente. Porém, aprendemos com a natureza e vemos algumas analogias, mesmo sem uma conexão evolucionária. Nós deveríamos valorizar o trabalho de um carpinteiro no mesmo nível que valorizamos o de uma pessoa acadêmica. Cada parte feita com especialização, e bem feita, tem o mesmo valor.
Não estou dizendo que todos deveriam receber o mesmo salário. Já tentaram isso e foi um enorme fracasso. Karl Marx estava certo, mas escolheu a espécie errada. Com as formigas, ele estava certo. No mundo delas, o indivíduo não é nada, a sociedade é tudo.
P: Muito de sua pesquisa é baseada na observação do comportamento de formigas na natureza. Dado que a maioria das formigas é pequena, como o senhor faz isso?
R: Você simplesmente vai para fora e observa. Aqui no Arizona, não é preciso ir muito longe para encontrar formigas do deserto. Você vê coisas. Você tem ideias. Você as testa no laboratório. Fazemos muitos testes genéticos. Extraímos os compostos químicos produzidos pelas formigas para aprender sobre seus sistemas de comunicação.
Um dia eu estava caminhando pelas montanhas, ao sul daqui, e tive essa descoberta sortuda. Vi centenas de formigas de mel de pé, se exibindo umas às outras. Eu nunca havia visto isso antes. Ninguém havia.
O que estava acontecendo? Através de muita observação, percebemos que aquele era um torneio territorial. As formigas chegam em destacamentos rivais, fazem essas exibições, e de alguma forma, fazem uma contagem de indivíduos. Se os números forem aproximadamente iguais, todos vão para casa após um tempo. Porém, se um dos lados se mostrar fraco, essa disputa se move à entrada do ninho do grupo mais fraco. Então, o grupo mais forte entra e mata a rainha rival.
P: Isso é uma guerra de formigas?
R: Sim. E isso levou à descoberta do que eu chamo de escravidão de formigas, que é o que estou estudando atualmente. Estou reunindo cerca de 26 anos de observações do assunto.
Quando o grupo mais fraco é derrotado, os mais fortes capturam sua crisálida e suas larvas, e as levam para seu próprio ninho. Esses indivíduos imaturos roubados eventualmente chocam para se tornar trabalhadores na colônia estrangeira. Sua vida de trabalho acaba beneficiando o grupo invasor.
Estamos usando testes genéticos para provar isso. Estivemos procurando grandes colônias e sempre encontramos indivíduos que pertencem a outras mães. Esses trabalhadores foram definitivamente roubados. Quando descobri isso, foi impressionante. Esse foi o primeiro exemplo de escravidão encontrado onde as formigas exploram trabalho externo de sua própria espécie.
P: Que função isso tem?
R: A mesma função que a escravidão para os humanos. Você faz com que outros façam o seu trabalho.
P: Por que tantos humanos odeiam formigas?
R: É um erro achar que as pessoas não gostam de formigas. Muitas crianças reagem a elas. Elas veem que há uma sociedade completa e que as formigas se comportam de maneira social.
P: Então por que essas criaturas adoráveis me mordem quando estou sentada na praia?
R: Porque elas não gostam que você se sente onde, talvez, elas tenham sua trilha e por onde querem buscar comida. Elas querem que você se afaste. E funciona.
P: O senhor chama um exterminador quando as formigas infestam sua cozinha?
R: Não, não me importo com elas. Escute, se você tem formigas em sua casa, pegue uma toalha molhada, detergente, e passe na trilha delas. Faça isso algumas vezes e elas se afastarão. As pessoas se aproximam depois de palestras e dizem, “O que podemos fazer, temos formigas!” Eu digo, “Comprem uma lente de aumento e divirtam-se olhando para elas”.
Fonte: G1