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Sobre minhas aulas

2 de novembro de 2015
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“Quem não pode atacar o argumento ataca o argumentador”
Paul Valéry

O caso do meu desligamento da função de professor de filosofia designado por trabalhar em sala de aula temas que ainda provocam incômodos na maioria esmagadora da população, gerou indignação em milhares de pessoas. A essas pessoas indignadas (ativistas dos direitos animais, veganos, vegetarianos, socorristas, simpatizantes da causa animal ou não) sou imensamente grato, pela propagação do ocorrido, pelas assinaturas da petição. Petição que tinha como objetivo, que a Secretaria de Educação olhasse com mais cuidado para o caso ocorrido, teve-o alcançado.
Há pelo menos uma década eu apresento em sala de aula alguns conceitos fundamentais para se entender a proposta teórica dos direitos animais, desse recorte bioético da ética prática contemporânea chamado ética animal, alguns deles são: especismo, bem-estarismo, principio da igual consideração de interesses semelhantes, vulnerabilidade, veganismo, experimentação animal, senciência, somatofobia e direitos morais. Quando faço meu programa de aula no início do ano, ele tem como fio condutor a teoria dos direitos animais e sua prática o modo de vida vegano. Para concretizar esse programa de aula tenho que recorrer a toda historia da filosofia, e não menos, a das ciências e da literatura. Por mais que a seja a filosofia a área que tem o domínio da temática ética, o diálogo em sala de aula tem que ser interdisciplinar para melhor compreensão do tema.
Aqui temos o primeiro problema quanto as minhas aulas. A primeira reclamação de alguns alunos reforçada pelos coordenadores pedagógicos é a de que meu programa de aula não é de filosofia e que trata de um tema único. Começo meu ano letivo a partir de duas bases: a duvida metódica cartesiana e a Alegoria da Caverna de Platão. Como ilustração indico os seguintes filmes: Matrix, A ilha e O Show de Truman. Recorrendo a física, a química e a medicina, questiono se meus alunos estão de fato sentados nas cadeiras, se estão tocando suas canetas, até suas existências – se estão realmente ali na minha frente: “é possível você me provar que existe?”. Assim começa minhas aulas de ética animal.
Falar sobre especismo é falar de uma série de questões levantadas pelos filósofos há séculos, como a posse de “alma” na historia da filosofia. Quem tem alma, só os animais humanos ou os não humanos também a possui? A questão da linguagem. Somente os animais humanos possuem linguagem? O que dizem os filósofos da Grécia Antiga aos dias atuais? E a racionalidade. Os alunos sem saber repetem um mantra aristotélico: “somos um animal racional”. Ninguém duvida que somos um animal dotado de Logos. Mas e os outros? Só a filosofia dá conta dessas questões ou precisamos recorrer à etologia cognitiva e as neurociências?
Falar sobre a senciência é falar daquilo que nos caracteriza como animal. Nós humanos somos capazes de sentir dor e prazer e ter consciência desses estados, e isso é importante até para que possamos nos proteger de danos contra nossa existência. No entanto, devido a uma historia de inferiorização do não humano, somos educados a repetir que nós temos consciência e os outros animais não, eles tentam se proteger “por instinto”. Procuro mostrar aos alunos que isso é negar a animalidade que nos configura. Como discutir a senciência em sala de aula sem passar por Pitágoras, Teofrasto, Plutarco, Montaigne, Voltaire, Primatt, Bentham, Darwin, Singer, Regan, Damásio, entre outros pensadores e cientistas?
Em todo livro didático de filosofia tem pelo menos um capitulo dedicado à filosofia da ciência. O que me impediria de colocar a problemática da experimentação animal numa aula que tem como objetivo refletir sobre os alcances e limites das ciências? Como falar de experimentação animal sem passar pelo “pai” da filosofia moderna, René Descartes? Aristóteles herdou do pai que era médico na corte macedônica a paixão pelas pesquisas biológicas. Como ignorar nas aulas de filosofia que o Estagirita era um vivissector e exímio anatomista, dando detalhes das composições dos outros animais em seus tratados biológicos e ali já encontramos os rudimentos do que hoje entendemos por psicologia comparada? Ao tratar desse tema, temos um belo recurso visual que é o documentário ‘Não Matarás’, produzido pelo Instituto Nina Rosa. A exibição do documentário e o debate suscitado por ele leva muitos alunos a defenderem, sem a noção do conceito, aquilo que chamamos de bem-estarismo. Os alunos defendem que os experimentos com os animais não devem parar, para o bem da humanidade e para o “progresso” da ciência, mas desde que não tenha maus tratos e abuso aos animais; isso é bem-estarismo.
O bem-estarismo anda de mãos dadas com os deveres indiretos. Aqui somos levados a outro conceito, o de direitos morais. Como discutir essa temática sem passarmos pela deontologia em Kant e em Regan? Quem tem e quem não tem direitos morais básicos? Entramos também no campo do contratualismo e do seu antagonista, o utilitarismo. Apresento aos alunos correntes éticas fundamentais para pensarmos essas questões: deontologia, utilitarismo, ética do cuidado, ética das virtudes, entre outras. Ou seja, uma variedade de filósofos em toda a historia da filosofia precisa entrar no debate, são chamados a participar do debate. E o principio da igual consideração de interesses semelhantes do filósofo Peter Singer, não seria a teoria ética que responde melhor a infinidade de preconceitos que temos hodiernamente?
Bom, é impossível tratar de toda essa temática, confrontando o especismo com a senciência, o bem-estarismo com o abolicionismo, e não ouvir dos alunos a seguinte duvida: “professor, você come carne?” ou “você é vegetariano?”. Ao responder que minha dieta é vegetariana e que meu modo de vida é vegano, vem outra pergunta: “o que é isso?”. A resposta ou as repostas que me proponho a dar levam a um debate super rico em termos de interdisciplinaridade, pois os alunos recorrem, para defender os seus usos dos animais, a argumentos de ordem teológica, econômica, biológica, nutricional, jurídica, histórica, sociológica, e isso faz o debate ficar mais interessante. O meu não consumo de produtos de origem animal na minha dieta, já é algo que causa tanto um espanto quanto um incômodo, nos alunos e em seus pais. Por mais que os alunos levem para casa argumentos éticos, nutricionais e ambientais de que não precisamos nos alimentar de nada advindo dos animais, os pais se vêm numa situação de desconforto. Um desconforto totalmente compreensível, pois viveram até aquele momento com a crença de que a carne, os ovos, o leite e os laticínios são fundamentais e indispensáveis a nossa saúde. O problema é a interpretação que se faz dessa problemática apresentada em sala de aula, muitos alunos e seus pais interpretam que eu estou impondo um modo de vida vegano ou a dieta vegetariana a eles. Algo que nunca fiz, pois tenho plena consciência de que esse tipo de mudança é individual, e ninguém impõe veganismo para ninguém. Ser ou não ser vegano é uma decisão que cada indivíduo tem a capacidade de tomar, mas para tomar essa atitude, é preciso ter acesso ao debate, a teoria, a historia dessa ideologia. Quando o filho ou filha chega em casa e diz que não quer mais comer carne ou beber leite, os pais já buscam alguém a quem culpar por esse bárbaro crime que é seu filho ou filha deixar de comer um cadáver. E quem é esse infame corruptor? Eu. Foi o professor de filosofia que disse isso e aquilo sobre esse consumo especista. Logo ele é o culpado. Nenhum pai ou mãe consegue tratar seu filho ou filha como um ser que tem idade e capacidade racional para ler, ouvir, assistir um filme ou documentário e a partir daí chegar a conclusão que não é eticamente justificável aquele consumo até então naturalizado.
É interessante notar que um jovem de dezesseis anos já pode votar. Já tem esse “direito”. Ou seja, com essa idade ele tem capacidade de decidir politicamente quem melhor o representará numa câmara municipal ou estadual, no senado; tem capacidade segundo o PCN, segundo os documentos oficiais que cada Estado estabelece como currículo a ser seguido em filosofia, de entender a proposta ética de Kant, a metafísica de Aristóteles, a critica ao capitalismo de Marx, o existencialismo francês, o contratualismo clássico dos modernos, a vontade de potencia nietzscheniana, as falácias e silogismos tanto na lógica formal quanto na simbólica, os fragmentos dos pensadores originários, da dialética grega a hegeliana; tudo isso está nos manuais, esses são só alguns dos temas dos manuais de filosofia. Mas esse aluno, segundo seus pais e todo o corpo burocrático da escola, não tem condições de entender a temática animalista. É incapaz de ler, entender, discutir e tomar a decisão ética se vai ou não explorar outros animais, isso esse jovem não tem capacidade de fazer, é novo de mais, é inocente de mais, só adota esse tipo de atitude porque foi manipulado pelo professor vegano.
Qualquer pessoa que não é adepta do pensamento mágico, que vive o mundo real, sabe que uma parcela considerável dos jovens de quinze, dezesseis e dezessete anos, tem uma vida sexual ativa. No entanto, se em minhas aulas eu debato com eles sobre a sexualidade através do Banquete de Platão, da psicanálise freudiana ou do existencialismo francês; serei alvo de reclamações e ocorrências dos pais por estar incitando seus inocentes filhos a promiscuidade ou algo do tipo. Pouco importa para o senso comum a produção teórica dos grandes pensadores e pensadoras, o que importa é saber que Safo de Lesbos era lésbica, que os filósofos gregos eram homossexuais, que Agostinho teve um filho com uma prostituta, que Pedro Abelardo se relacionava sexualmente com sua aluna e eterna amante Heloisa, que Marx traiu a esposa com a empregada engravidando-a, que Arendt era amante de Heidegger quando aluna e depois já casada, que Simone de Beauvoir era bissexual e tinha uma relação aberta com Sartre e que ambos tinham relações com suas alunas, que Foucault morreu de AIDS devido uma vida homossexual extravagante… Tudo isso que relatei acima eu ouvi nos últimos anos. A vida sexual do individuo é mais importante que sua produção teórica, que suas reflexões que mudaram o rumo da humanidade em alguns campos do conhecimento. E eu, como Sócrates, serei sempre lembrado como um corruptor de menores.
Outra reclamação recorrente sobre minhas aulas envolve religião. Por mais que eu fale no primeiro dia de aula que não abordarei temas religiosos em minhas aulas, que ficarei em temas da ética aplicada e alguns temas clássicos da filosofia política, sempre tem algum aluno para perguntar algo envolvendo religião. Eu sempre disse que não gosto de falar de religião em sala de aula por saber que é um assunto que eles não conversam no nível da razão, buscando respaldo na historia e na antropologia, mas com um fervor típico da fé religiosa e do pensamento mágico e carregado de verdades absolutas, e isso traz problemas, pois em sala de aula temos católicos, protestantes, evangélicos, espíritas, budistas, umbandistas, ateus e por ai vai. Ou seja, sempre sai confusão entre os próprios alunos quando uma temática religiosa é posta por um deles. Mas ao falar de direitos animais, muitos alunos buscam um argumento legitimador de seu especismo na bíblia, “Deus fez os animais para nós comermos”, “só o homem é a imagem e semelhança de Deus”, “Só os humanos tem alma, os animais não”, e assim segue pseudos argumentos teológicos. Por mais que eu apresente como reposta argumentos de teólogos animalistas, ou mesmo de historiadores da antiguidade e de fontes filológicas, hermenêuticas e exegéticas pra mostrar que a defesa do consumo de animais no cristianismo primitivo pode estar ligado e erros de tradução, sou taxado e acusado de querer destruir a fé e as crenças dos meus alunos.
Nunca fui fã de livros didáticos. Por muitos anos não usei em sala de aula, prefiro usar as obras dos próprios filósofos ou artigos curtos de comentadores. Isso é motivo para mais e mais boletins de ocorrência contra minhas aulas. Infelizmente nosso país legou uma tradição aos jovens que é a de copiar. Não precisar saber ler, ler bem, com cuidado, saber compreender e discutir logicamente com autores e teorias, o importante é copiar o livro didático e ganhar alguns pontinhos ao final do bimestre. Colocar o aluno para copiar feito uma maquina é a prática de um professor modelo, e copiar mecanicamente é a prática de um aluno dedicado. Toda vez que inicia o ano, ao entrar na sala de aula e colocar alguns tópicos no quadro, ouço em coro: “é pra copiar professor?”. Aí eu respondo: “se vocês quiserem”. “Então não precisa copiar, professor?” retrucam os alunos, e eu respondo novamente, “gente, se vocês quiserem, copiem, se não achar necessário, não copie. Eu vou explicar esses temas aqui, tem alguns que aprendem só de ouvir, outros precisam copiar para rever em casa. São vocês que decidem.” Chego a brincar às vezes que essa prática cega deles, ensinada com tanto vigor pelas escolas, não lhes dá o direito de ter o titulo de copistas, como eram chamados os monges medievais, já que para os monges copiarem toda literatura antiga, tinha que ter domínio da língua grega. E infelizmente a maioria de nossos alunos não sabe nosso idioma.
Daí, sou chamado para comparecer em uma reunião para dar explicações do porque não uso o livro didático, e a conversa vai caminhando de forma sutil para algo do tipo: “o que você passa para os alunos, eles não têm nada no caderno? Tem alunos dizendo que sua aula é só conversa, e tem pais dizendo que você não passa nada”. Por mais que eu explique que minha aula é de filosofia, e que eu só preciso colocar alguns conceitos no quadro e depois explicá-los, intercalando com respostas as duvidas dos alunos ao que eu acabei de explicar. De nada adianta dizer que filosofia é confronto de idéias, mediado pela razão, por argumentos lógicos, e que para isso eu não preciso de livro didático. Eu não quero que meus alunos fiquem horas copiando o livro didático, quero que eles aprendam a pensar. É preciso aprender a pensar. E é isso que a filosofia faz, nos ensina a pensar de maneira correta. O que aprendi nesses últimos anos vivendo dentro do ambiente escolar é que ninguém, seja pais ou corpo burocrático, quer formar espíritos críticos, querem é jovens que fiquem calados, sentados, enfileirados, uniformizados e copiando sem parar feito máquinas. Educação bancária já dizia Paulo Freire.
Depois de algumas reclamações concordei em usar o livro didático no meio desse ano. Cometi um crime contra a humanidade, eu pedi aos alunos que copiassem no caderno a apresentação do livro Iniciação à Filosofia da filosofa Marilena Chaui. Os alunos se espantaram. “Como assim? Você Leon, está mandando a gente copiar essa página? Vai fazer como os outros professores que só sabem mandar a gente copiar?”. Não, não quero que vocês apenas copiem. A questão é que como fui acusado de tratar de temas polêmicos e de não usar o livro didático que o Estado mandou, vou mostrar como um livro didático de filosofia pode até ser mais polêmico do que comumente se crê, e vou tentar mostrar os limites da obra também. Então eu li e expliquei os poucos parágrafos que prefaciavam a obra. Texto curtíssimo e magnífico, tentei mostrar que já ali, a autora já mostrava a função crítica da filosofia, a função demolidora da filosofia diante dos costumes e tradições, das crenças costumeiras, das verdades absolutas, etc., e meu foco foi mostrar que nos capítulos seguintes a autora cumpria com o objetivo traçado no prefácio. O que aconteceu comigo? Recebi mais boletins de ocorrência e reclamações contra minhas aulas, agora porque eu pedi aos alunos que copiassem o prefácio de uma página do livro didático. Ora reclamam por não usar o livro didático (leia: por não mandar os alunos copiarem), ora reclamam por estar usando o livro como todos os professores da escola usam. Mas os outros podem, eu não.
Nesse ano, aconteceu algo interessante quanto ao uso de tecnologias. Eu nunca me importei com meus alunos usarem os celulares em aula. Desde que não atrapalhe os interessados na minha explicação, pode usar o celular à vontade. E muitos usavam para comprovar o que eu citava. Por exemplo, numa aula sobre o conceito de senciência, um aluno entrou na internet pelo celular e visualizou alguns sites que traziam a definição e veio me mostrar. Eu percebi que o primeiro link tinha uma definição errada e que o segundo era a definição que usualmente usamos. Aproveitei e avisei a sala que se fosse consultar a internet, era pra entrar no link que tínhamos acabado de ver pelo celular do aluno X. E assim aconteceu com indicações de filmes e de livros. Muitos já procuravam ali, na hora, em sala de aula pelo celular. Qual o resultado disso? Mais reclamações dos pais e dos professores, mais boletins contra minhas aulas, pois eu “estava influenciando os alunos a usarem celular nas aulas, e isso era contra o regulamento da escola”. O que me chamou a atenção foi uma reunião em meados de agosto, onde foi convidada uma palestrante para falar sobre uso de tecnologia na escola para os professores. E o que a especialista indicou e frisou que deve ser usado pelos professores e alunos como recurso didático? Sim, ele mesmo, o celular. E todo mundo hipocritamente bateu palma e elogiou a palestra, felizes e sorridentes. Opa! Mas espere um pouco, e o regulamento da escola que proíbe usar celular na sala de aula, como fica?
Dando continuidade ao uso das tecnologias como recurso didático, eu criei um grupo no facebook, chamado “filosofia na escola estadual …”, onde eu publicava artigos, documentários e filmes que eu comentava e explicava em sala de aula. Minha intenção era complementar o que já vinha sendo debatido em aula. Por exemplo, eu marquei uma prova sobre experimentação animal, objeção de consciência, etc, e coloquei as questões no quadro com um mês de antecedência. “Pessoal, essas aqui são as questões da prova do mês que vem, esse aqui é o documentário que trata dessa questão. Eu também coloquei eles lá no nosso grupo do facebook. Se algum colega não tiver acesso ao facebook, peça ao amigo que copie lá, ou imprima. Mas não terá problema algum se não acessar, pois o conteúdo da prova é o que estamos debatendo nas ultimas semanas”. Fui atacado por alguns alunos e pais, com a acusação de dar aulas pelo facebook, usando o nome da escola indevidamente ao nomear o grupo (filosofia na escola estadual…) e que eu estava discriminando os alunos que não têm acesso a internet. O que me chamou a atenção, é que para todas as matérias, qualquer trabalho exigido pelos professores, alunos que tinham e não tinham acesso a internet, chegavam na escola com o trabalho feito. Recorriam a casa de amigos, a lan house, a celulares, etc. Mas utilizar um grupo no facebook que apenas reforçava o que já tinha sido debatido em aula, é pedir um trabalho ao aluno que se assemelha ao de Sísifo. Fui informado que não poderia usar o nome da escola para fazer o grupo para os alunos, então eu mudei para “Filosofia na escola primaria de Springfield”. Foi a gota d’água. Foi parar em BO. Adiantou eu explicar que Os Simpsons são parte fundamental das minhas aulas de filosofia e ética aplicada? Óbvio que não. Uso não só os Simpsons, mas Batman, X-men, Superman, Crepúsculo, Matrix entre outros.
As reclamações surgem ao falar sobre os malefícios do leite e laticínios. Surgem ao definir ovo como menstruação de galinha. Ao criticar as políticas de sustentabilidade ecológicas que fecham os olhos para a pecuária e a indústria leiteira. As reclamações surgem por causa das críticas ao uso de animais para entretenimento, pois aqui é uma região de cavalgada e rodeio. Surgem das críticas a experimentação animal, prática comum (na semana científica) no ensino médio dos institutos federais da região. 70% dos BOs, foram registrados tendo como pano de fundo alguma temática animalista direta.
Outros 30% são oriundos da minha postura em aula, sentando sobre a mesa, e deixando que os alunos sentem onde querem, ou não, se não quiser sentar que fique em pé; do permitir que usem o celular na minha aula, por usar a tecnologia para facilitar o processo de aprendizagem dos alunos; do uso e do não uso do livro didático; por ter publicado no Facebook uma foto de família comemorando o dia do meu aniversário (11/09), e isso foi registrado como apologia ao crime; por pouco me importar se o aluno está ou não com o uniforme; se está usando boné ou não na minha aula.
Ao ser informado que alguns alunos, alguns pais e até alguns professores estão reclamando do impacto das minhas aulas, eu faço aquilo que sempre fiz. Disponho-me a conversar, peço pra marcar uma reunião, para que eu possa desfazer mal-entendidos, algo corriqueiro no mundo escolar. Não é novidade nenhuma que professores falam A, os alunos levam B para casa e os pais entendem C. Para explicar o que realmente eu disse em aula, é preciso que os pais venham até mim e conversemos. Mas o que fazer quando os pais se recusam a dialogar com o professor? A minha sala de aula sempre esteve aberta para pais, diretores, coordenadores pedagógicos, ou quem mais quiser assistir minhas aulas. Mas nunca se dispuseram assistir essas aulas tão perigosas. Eu confio profundamente na fundamentação teórica das teorias que apresento e discuto em aula. Utilizo de toda a historia da filosofia para sustentar minhas afirmações em aula.
Nos dois últimos anos estava lecionando como professor designado, basicamente um tapa-buraco onde não tem um corpo de profissionais todo efetivo. E pela resolução sobre a designação eu fui desligado de minha função, com uma punição de ficar afastado por três anos como designado. Após toda a repercussão que tomou meu caso, que agradeço imensamente a todos que divulgaram movidos pela indignação com a arbitrariedade típica de um Estado autoritário, sou informado que meu desligamento não tem vinculo com minhas aulas de direitos animais (70% das reclamações), mas sim pela minha postura antipedagógica, irresponsável até com o que é determinado como moralmente correto pela comunidade escolar (os 30% citados acima).
Há poucos meses passei no concurso público. Agora fui afastado como designado, mas em breve voltarei como professor efetivo de filosofia.
Para todos que quiserem saber mais sobre a acusação fundamental de que eu não dou aula de filosofia e de que não cumpro com o currículo oficial do Estado, leiam esse artigo.
Se quiserem ler minha reflexão sobre a prova oficial do Estado aplicada no meio desse ano, leiam.
Obrigado a todos pelo apoio ao meu trabalho.

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