Ao olhar para a vasta e silenciosa superfície da Antártida, a impressão é de uma imensa planície de gelo. No entanto, sob essa camada de até um quilômetro de espessura, esconde-se um mundo surpreendente, com vales profundos, montanhas colossais e rios sinuosos que estão começando a revelar seus segredos.
Pesquisas recentes indicam que esses rios subterrâneos podem ter um papel crucial no comportamento da camada de gelo diante do aquecimento global, influenciando diretamente na elevação do nível do mar.
“Estamos subestimando a velocidade com que as coisas vão mudar e a quantidade de perda de gelo que ocorrerá nos próximos 80 anos”, alerta Christine Dow, hidróloga glacial da Universidade de Waterloo, no Canadá.
Um mundo escondido sob a superfície branca
Apesar de nunca terem sido vistos por humanos, esses rios e lagos subglaciais começaram a ser mapeados nas últimas décadas com a ajuda de radares de penetração no gelo, sensores gravitacionais e instrumentos de campo magnético embarcados em aviões.
Essas tecnologias permitiram descobrir cadeias montanhosas, cânions e vales, além de centenas de lagos escondidos sob o gelo. A água que alimenta esses lagos derrete lentamente devido ao calor geotérmico vindo das profundezas da Terra, além do atrito do gelo em movimento sobre o solo.
Rios que desafiam a gravidade
Um dos aspectos mais fascinantes é que esses rios não fluem apenas por gravidade. Eles também seguem a pressão exercida pelo peso do gelo acima, o que pode fazer a água fluir, surpreendentemente, até para cima.
“Esses rios se comportam de maneira única. A água pode, de fato, subir, dependendo da pressão do gelo”, explica Anna-Mireilla Hayden, doutoranda em hidrologia glacial e integrante da equipe de Dow.
A equipe passou 11 anos mapeando cuidadosamente esses sistemas fluviais escondidos, cruzando dados sobre a paisagem subglacial e a espessura do gelo para prever como a água se desloca por esse labirinto subterrâneo.
Implicações para o futuro do planeta
Segundo o geofísico glacial Jamin Greenbaum, da Scripps Institution of Oceanography (EUA), os modelos usados atualmente para prever a perda de gelo na Antártida e o aumento do nível do mar não consideram o impacto das descargas subglaciais — e isso pode levar a projeções subestimadas.
“Esses fluxos subterrâneos de água são essenciais para explicar as taxas de derretimento que observamos hoje”, afirma Greenbaum.
Com o derretimento contínuo do gelo antártico, os pesquisadores acreditam que esses rios poderão se expandir, desviar suas rotas e desestabilizar geleiras costeiras, que atuam como verdadeiras “barreiras de contenção” para o manto de gelo interior.
“Conforme o gelo afina, as pressões mudam, e com isso os rios podem se mover, se expandir e acelerar processos que contribuem para o aumento do nível do mar”, conclui Dow.
A urgência da ciência
O mundo subterrâneo da Antártida ainda guarda muitos mistérios, mas o que já se sabe é suficiente para acender um alerta. Entender o comportamento desses rios ocultos é fundamental para prever os impactos reais do aquecimento global, especialmente para regiões costeiras em todo o planeta.