Quatro raposas-do-deserto foram forçadas a atravessar o oceano para trocar a vastidão do Saara por grades, vidro e olhares curiosos. Três fêmeas e um macho chegaram recentemente ao Zoológico de São Paulo, vindos de um centro de reprodução da África do Sul.
Um vídeo divulgado pelo próprio zoo mostra o medo sentido pelos animais aprisionados. Corpos encolhidos, movimentos contidos, olhos arregalados e orelhas em alerta permanente expõem o impacto imediato do confinamento.
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Com a transferência, o zoológico passou a ser o único da América do Sul a manter a espécie, apresentada ao público como raridade. As raposas-do-deserto medem cerca de 20 centímetros de altura e pesam pouco mais de um quilo. Suas orelhas desproporcionais, que podem chegar a 15 centímetros, são um instrumento de sobrevivência em ambientes extremos. Servem para dissipar calor e captar sons quase imperceptíveis sob a areia. No recinto artificial, essa biologia refinada perde sentido.
Nativa de regiões áridas do Norte da África, a raposa constrói sua existência longe de luz intensa, barulho constante e observação contínua. É um animal de hábitos noturnos, moldado para temperaturas extremas, deslocamento silencioso e autonomia. No zoológico, a lógica se inverte, quando a rotina humana dita horários, a exposição é permanente e o espaço não oferece escolhas reais. A adaptação que garantiu a sobrevivência no deserto se transforma em vulnerabilidade sob o cativeiro.
A chegada das raposas não foi o único deslocamento. Um casal jovem de hienas-malhadas também foi transferido para o mesmo espaço. Popularizadas por animações infantis, elas são frequentemente reduzidas a caricaturas, o que ajuda a suavizar a violência do confinamento. Na natureza, vivem em grupos complexos, liderados por fêmeas, percorrem grandes áreas e exercem papel central no equilíbrio ecológico.
A instituição afirma que os animais integrarão programas de reprodução e educação, um discurso é antigo e conveniente, mas mentiroso. Há décadas, zoológicos sustentam sua existência com a promessa de proteção, enquanto exibem animais arrancados de seus habitats naturais e privados de comportamentos essenciais. A reprodução em cativeiro nunca resulta em reintrodução responsável, e a educação oferecida ao público costuma se limitar à contemplação passiva, quando não ao entretenimento disfarçado de ciência.
A ciência verdadeira e a proteção efetiva, não são feitas em jaulas e sim protegendo de ecossistemas, com combate à degradação ambiental, não com tráfico diplomático de corpos para exibição. Cada real gasto nessa transação intercontinental poderia sustentar projetos para proteger os habitats naturais de diversas espécies.
O vídeo das raposas assustadas mostra que se a missão fosse realmente o bem-estar, o desconforto sofrido por elas não seria tratado como fase de adaptação aceitável. Animais não são embaixadores voluntários, tampouco ferramentas pedagógicas. São sujeitos de uma vida própria, com necessidades que não cabem em recintos.