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PROTEÇÃO AMBIENTAL

Só 7 de 35 países da América Latina têm legislação de mudanças climáticas

Levantamento feito pela Thomson Reuters Foundation e a fundação Sustentabilidad sin Fronteras, compara leis existentes em sete países da América Latina que têm marcos regulatórios específicos sobre o tema, incluindo o Brasil

19 de maio de 2023
Por Naiara Bertão
7 min. de leitura
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Cartaz em manifestação sobre mudanças climáticas: Não há planeta B -Foto: stock.adobe.com.br

A América Latina é uma das regiões que pode sofrer severas consequências das mudanças climáticas, como ondas de calor intensas, diminuição ou aumento incomum no volume de chuvas, incêndios florestais, entre outros. O quadro é agravado pelo fato de ser também uma região com alta desigualdade social e pobreza. E há um esforço regional para colaborar com redução de emissões poluentes para tentar diminuir a velocidade do aquecimento global.

Segundo levantamento feito pela Thomson Reuters Foundation em parceria com a fundação Sustentabilidad sin Fronteras, todos os países da América Latina e Caribe ratificaram o Acordo de Paris e apresentaram suas respectivas NDCs (na tradução do inglês, Contribuições Nacionalmente Determinadas), as metas para redução de emissões.

No entanto, apenas sete dos 35 países têm um Marco Legal de Mudança Climática (MLMC): Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México, Paraguai e Peru. “Em geral, pecam por serem pouco ambiciosos, tendo em vista a emergência climática e ecológica que devemos enfrentar”, aponta o relatório.

Os 197 países signatários do Acordo de Paris têm pelo menos uma lei ou política sobre mudanças climáticas, com mais de 1.500 leis e políticas climáticas em todo o mundo. Cada uma tem suas próprias nuances, demonstrando que há uma variedade de abordagens para a política nacional de mudança climática e que não há um formato único para todos os países.

O material, por meio do TrustLaw, programa jurídico global pro bono da fundação Thomson Reuters, analisa a legislação relacionada às mudanças climáticas de sete países do continente. O objetivo é reunir e apresentar essas informações de forma acessível para advogados interessados no assunto, escritórios de advocacia especializados, ativistas e o público em geral.

Legislação climática no Brasil

O Brasil, diz Antonio Augusto Rebello Reis, sócio de Direito Ambiental do escritório Mattos Filho, escritório colaborador do Relatório junto às duas organizações, está avançando nas discussões sobre a pauta climática de forma geral.

“Na semana passada tivemos um andamento relevante no que tange à previsão de mecanismos de participação e informação pública na legislação brasileira, pois o presidente Luiz Inácio Lula da Silva encaminhou ao Congresso Nacional o texto do Acordo de Escazú para ratificação e consequente internalização de suas previsões no ordenamento jurídico brasileiro”, aponta.

Ele explica que o Acordo de Escazú estabelece obrigação para que os países signatários garantam o direito ao acesso à informação ambiental e à participação pública nos processos de tomada de decisões ambientais, bem como ao acesso à justiça para questões ambientais.

“Além disso, as discussões sobre o estabelecimento de um mecanismo de precificação de carbono no Brasil – especialmente por meio de um mercado regulado de carbono – seguem aquecidas com diversos projetos de lei tramitando tanto na Câmara dos Deputados”, adiciona Reis. Entre os projetos está o número 2.148/2015, que aguarda designação de nova relatoria, quanto no Senado Federal, o nº 2122/2021 e o nº 412/2022, de relatoria da Senadora Leila Barros.

Contexto no Brasil

Caroline Prolo, presidente e co-fundadora da LACLIMA, rede de advogados de mudanças climáticas da América Latina, explica ao Prática ESG que o atraso para estabelecer políticas e regras claras para os mercados de emissões poluentes se deve muito ao contexto geopolítico internacional.

Ela lembra que até 2015, quando foi assinado o Acordo de Paris na Convenção do Clima, o Brasil, assim como os demais membros do tratado considerados “países em desenvolvimento” (como China, Índia e outros), não tinha a obrigação de reduzir suas emissões de gases de efeito estufa. Esta era uma obrigação exclusiva dos países desenvolvidos. “Dessa forma, até então não havia incentivos para que o governo brasileiro voluntariamente adotasse políticas públicas climáticas ou avançasse na sua implementação”, diz.

O Brasil até se adiantou, ao, em 2010, editar sua política nacional de mudanças climáticas, que previa diversos instrumentos, plano de ação e planos setoriais. Porém, segundo Prolo, de lá pra cá, quase nada do que foi previsto ali chegou a ser implementado. “Também não houve nenhuma atualização, nem legislação nova relevante para incorporar os compromissos assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris em 2016.”

Com o Acordo de Paris, todos os países, independentemente de seu grau de desenvolvimento, precisam adotar alguma meta de redução de emissões poluentes nos NDCs. E essa meta precisa ser atualizada de forma progressiva a cada cinco anos. “Isso significa que, a partir de 2016, o governo brasileiro realmente tem uma obrigação internacional de adotar uma meta climática e buscar implementá-la por meio de políticas domésticas”, destaca Prolo.

A advogada adiciona que, ainda que tenha entrado em vigor em 2016, o Acordo de Paris ainda passou por um período de “regulamentação”, que foi concluído em 2021. Agora praticamente todos os mecanismos, inclusive o comitê de compliance, já estão operacionais.

Mercado de carbono

Há uma distinção da velocidade de implantação, porém, entre o mercado regulado de carbono e o voluntário. No caso do regulado, são poucos os países latinos – e até em outras regiões do globo – com legislações suficientes para operacionalizar mecanismos de incentivos (em formato de subsídios, por exemplo) e/ou punições (impostos e multas) para empresas fazerem gestão séria das emissões poluentes. O mapa produzido pelo Banco Mundial deixa isso claro:

Políticas e legislações sobre clima — Foto: Banco Mundial

Já, no mercado voluntário, a figura muda. “O Brasil possui uma posição de liderança no mundo e na América Latina. De acordo com estudo realizado em conjunto pela International Carbon Action Partnership e pela International Emissions Trading Association, o Brasil foi o maior fornecedor de créditos de carbono na América Latina em 2021”, pontua Reis, do Mattos Filho.

Também cita que, no mesmo sentido, o estudo “State and Trends of Carbon Credits 2022” do Banco Mundial indica que o Brasil e o Peru foram os maiores geradores de créditos de carbono florestal na América Latina.

“Dessa forma, ainda que o Brasil ainda precise avançar em determinados aspectos do mercado de carbono, entendemos que ele não chega a estar atrasado em relação aos seus pares latinos”, comenta o advogado.

Tendências

Para Reis, do Mattos Filho, é possível que em um futuro próximo a América Latina estabeleça sistemas de precificação de carbono como forma de reduzir os custos decorrentes da implementação do Carbon Border Adjustment Mechanism (CBAM) pela União Europeia. A regra europeia prevê sobretaxas de produtos poluentes para entrada no bloco, o que está levando muitas empresas exportadoras de diversos países, inclusive brasileiras, a analisarem se poderão ser impactadas e como podem se adaptar. Os sistemas de precificação de carbono podem ser via regulação e operacionalização de mercado regulado de carbono ou via tributação.

Além disso, outro tópico que deve esquentar é o da obrigatoriedade de realização de due diligence da cadeia de valor das empresas com viés de direitos humanos, incluindo o direito à segurança climática como um direito humano.

Caroline Prolo, da LACLIMA, lembra ainda que, em 2024, o governo brasileiro precisará apresentar o seu primeiro relatório de transparência perante o Acordo de Paris, no qual deverá relatar o status de cumprimento das NDCs e as medidas adotadas pelo governo neste sentido.

“Neste momento não haverá muitas políticas públicas que possam ser relatadas, mas nas próximas rodadas de relato o governo precisará ter algo melhor a reportar sobre o que está fazendo para cumprir sua NDC”, diz. Caso o governo não faça esforços para adotar políticas públicas climáticas para cumprir sua NDC, explica a executiva, poderá ser questionado judicialmente nas cortes brasileiras por não estar cumprindo sua obrigação junto ao Acordo de Paris.

Outro tópico que deve ser mais falado nos próximos anos é o da litigância climática, ou seja, dos processos judiciais contra governos e empresas por sua contribuição para o aquecimento do planeta ou falta de ação para evitar emissões.

Segundo Reis, o aumento dos casos, que no mundo passa de 2 mil e há já exemplos no Brasil, se deve a uma mistura de entendimento e consenso científico sobre a contribuição da ação humana para a aceleração das mudanças climáticas com novas legislações exigindo o disclosure sobre aspectos climáticos, maior publicidade dada à agenda climática e temas ESG (ambiental, social e de governança) e maior mobilização da sociedade civil em relação às mudanças climáticas, especialmente dos jovens da geração Z.

Fonte: Valor Econômico

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