2024 foi o ano mais quente, dentro da década mais quente, desde que esses registros são feitos. Como esses anos consecutivos de calor extremo impactarão a sobrevivência de espécies em todo o mundo é uma questão imensa e premente que uma equipe liderada por pesquisadores da Universidade de Connecticut (UConn) está trabalhando para responder. Em seu relatório publicado na Proceedings of the National Academy of Science, eles descrevem uma ferramenta que desenvolveram para uma bioavaliação climática rápida e como ela poderia ajudar a se preparar para ondas de calor mortais e potencialmente prevenir a extinção das espécies sob maior risco.
O Professor do Departamento de Ecologia e Biologia Evolutiva da UConn e coautor, Mark Urban, diz que há uma necessidade urgente de preencher a lacuna e desenvolver métodos para avaliar os riscos à biodiversidade, já que os meios atuais geralmente estão atrasados em anos ou décadas e, quando os efeitos são percebidos, pode ser tarde demais para intervir.
Urban fez uma parceria com o autor principal, Professor Assistente de Pesquisa Cory Merow, e outros para desenvolver uma ferramenta para preencher essa lacuna que fosse não apenas rápida, mas que pudesse ser aplicada ao maior número possível de espécies. O método avalia os resultados da exposição de uma espécie a extremos e variações climáticas. Merow diz que eles inicialmente desenvolveram o método em 2023 para analisar o calor, e como 2024 provou ser ainda mais quente, eles imediatamente aplicaram o formato a uma consulta de mais de 33.000 espécies de vertebrados em todo o mundo em 2024.
“Estamos tentando fazer um ‘hindcast’ [avaliação retrospectiva] ou prever espécies que recentemente estavam ou estão prestes a estar em maior risco”, diz Merow. “Podemos ver alguns impactos subsequentes, mas precisamos de monitoramento direcionado para determinar quais são esses impactos e desenvolver um plano de mitigação. Esse é o contexto mais amplo que esperamos fornecer.”
Os pesquisadores afirmam que esta ferramenta pode ajudar a identificar espécies que foram expostas a condições sem precedentes ou anormais, e esta espécie de “check-up de saúde” pode ser feito para ver como elas estão se saindo.
Esta análise examinou o registro histórico em toda a área de distribuição de cada espécie, diz Merow. Para a temperatura, eles notaram o ano mais quente e se 2024 foi mais quente ou não. O processo é computacionalmente intensivo, mas quantitativamente é relativamente simples.
“Podemos dizer para cada espécie, em cada local de sua área de distribuição, se ela foi exposta. Depois, somamos tudo sobre toda a área”, explica Merow. “Podemos dizer que 50% da área foi exposta, ou 3% da área foi exposta. Em seguida, agrupamos todas as espécies que ocorrem em um local e observamos os riscos para comunidades inteiras. Determinamos o pior que uma espécie já viu e então perguntamos se 2024 foi pior, e muitas vezes, foi.”
Urban diz que eles descobriram que uma em cada seis espécies foi exposta a temperaturas sem precedentes em 2024. 80% das espécies expostas em 2023, que anteriormente havia sido o ano mais quente já registrado, também foram expostas em 2024.
“Entramos neste projeto pensando que talvez fosse aleatório em todo o mundo, um lugar é atingido um ano e outro diferente no ano seguinte. Não é assim que parece funcionar”, diz Urban. “Parece que as mesmas espécies e regiões estão sendo atingidas durante esses anos realmente quentes e isso parece se acumular ao longo do tempo, como uma hipoteca ruim. Gostamos de dizer que ‘não há trégua para os mais vulneráveis’ (no rest for the wilted).”
Eles identificaram pontos críticos (hotspots) majoritariamente concentrados no equador, na América do Sul e na África. Urban explica que, embora tenham testado muitas hipóteses sobre o que exatamente leva essas áreas a serem as mais atingidas, não há uma única causa definitiva para explicar os padrões.
“Uma coisa surpreendente é que não é simplesmente generalizado em todos os locais tropicais. Não estamos apenas dizendo que em lugares quentes, as coisas estão quentes. É bastante específico”, diz Merow.
Urban e Merow esperam que isso levante preocupação nos círculos de conservação, porque cada evento se soma ao “juro composto” do enfraquecimento da resiliência, potencialmente levando ao declínio das espécies. Eles planejam elevar o nível dessa abordagem e expandi-la para incluir relatórios anuais para mais espécies, incluindo insetos e plantas, incorporar mais fatores de risco e aumentar a precisão da análise, mas isso requer uma abordagem nuances.
“É complicado, porque todas as espécies respondem a coisas diferentes de maneiras únicas. Queremos uma avaliação de risco que seja relevante para uma grande variedade de táxons com necessidades diferentes, mas que não exija conhecimento detalhado da história de vida em toda a área de distribuição de cada espécie, porque essa informação não existe e provavelmente nunca existirá antes que seja tarde demais”, diz Merow. “É um equilíbrio delicado.”
Urban diz que, no final das contas, eles esperam desenvolver previsões que possam ser usadas para direcionar recursos em campo para monitorar e se preparar para eventos de calor extremo, por exemplo, fornecendo água, abrigo ou alimento para evitar os piores efeitos.
“É isso que nos motiva. 2024 foi provavelmente o ano mais quente em 100.000 anos. As espécies se adaptaram às condições recentes, e talvez elas possam sobreviver a essas novas condições, ou talvez não, mas não saberemos sem verificar, de forma focada”, diz Urban.
Merow aponta outro aspecto importante da mudança climática atual: ela está acontecendo em um ritmo muito mais rápido do que as mudanças climáticas anteriores, e isso pode impactar respostas que funcionaram no passado, como a evolução adaptativa.
“Não sabemos os impactos dos anos de acumulação. Partindo da ideia dos juros da hipoteca, é também assim que as populações mudam. Se sua conta bancária vai a zero, não importa qual é sua taxa de juros”, diz Merow. “Quando cinco dos últimos dez anos são os piores que vimos na história recente, isso pode ter efeitos cumulativos nas populações, e, infelizmente, estamos fazendo o experimento para ver o quanto elas podem tolerar.”
Traduzido de Phys.org.