As cerejeiras são plantas nativas do oriente, como China e Japão, mas fazem sucesso no Brasil, inclusive no Espírito Santo. Especialmente no inverno, os campos com essas árvores viram pontos turísticos que atraem multidões para apreciar a beleza e também atualizar as fotos nas redes sociais.
Mas, este ano, os locais onde elas costumam florescer não tiveram a tradicional temporada de florada das cerejeiras. Segundo especialistas, o fator principal que pode ter causado essa não floração é o aumento da temperatura não só no estado, mas em todo o planeta.
O Espírito Santo possui um bosque e um sítio, ambos na Região Serrana, com várias árvores. Tanto o Sítio Monte Rá, em Alfredo Chaves, e o bosque em Pedra Azul, Domingos Martins, publicaram nas redes sociais que as cerejeiras não estão com flores este ano.
No ano passado, nesta mesma época, o sítio estava com várias árvores floridas já no final de junho. A florada durou semanas na região e foi até 15 de julho. Veja abaixo as imagens que mostram a situação do ano passado comparada com este ano, no mesmo local.
Já o bosque, em 2023, não abriu para visitação do público, porque já enfrentava essa mesma situação climática que se repete, mais uma vez, este ano. Segundo os organizadores do “Bosque das Cerejeiras Kaoru Kumazawa”, a florada foi desigual no ano passado, o que também aconteceu em 2022. Ou seja, as árvores têm passado por floradas desregulares.
Mas o que pode estar atrapalhando a falta do espetáculo da natureza que atrai tantos turistas?
Mudanças climáticas e altas temperaturas
Pode parecer até assunto repetido, mas as altas temperaturas e os recordes consecutivos de calor registrados no planeta podem estar afetando diretamente a florada das cerejeiras no Espírito Santo. É mais um reflexo concreto das mudanças que têm acontecido no clima.
Foi isso o que explicou a doutora em botânica pelo Jardim Botânico e bióloga da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Karla Marins.
“Acredito que as altas temperaturas provocadas pelo El Niño podem ter prejudicado a floração das cerejeiras. Plantas que perdem suas folhas quando florescem, como é o caso das cerejeiras, precisam acumular energia para o período de floração. Como elas florescem no inverno, elas já deveriam estar com a reserva de energia. Mas com temperaturas altas, elas não conseguem armazenar energia para florescer. Elas perdem todas as folhas para ter a floração, mas as flores não conseguem nascer”, pontuou a bióloga.
Ainda segundo a bióloga, a cerejeira é uma planta exótica, não é nativa, e o seu florescimento ocorre em épocas de inverno, em baixas temperaturas entre 12 e 15 graus.
Com o inverno de 2024 sem baixas temperaturas, as cerejeiras, mesmo em locais mais frios no Espírito Santo, como a Região Serrana, não conseguem florir.
Quando o inverno começou, meteorologistas do Climatempo já tinham previsto que as temperaturas ficariam acima da média, com curtos períodos de frio e maior variabilidade térmica do que o observado no ano passado.
“A cerejeira já está em um local que não é propício para ela. Ela está geneticamente programada para florescer em baixas temperaturas. Se isso não está acontecendo, isso muda o metabolismo dela” relatou a bióloga.
Um estudo inédito realizado pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) revelou que o Espírito Santo é o estado do Brasil com maior impacto na frequência dos eventos extremos de temperatura do ar na costa do país. Somente nos últimos 40 anos, o estado quase triplicou (188%) a frequência das ondas de calor.
Além disso, o estado tem apresentado aumento na intensidade da variação térmica diária (diferença entre temperaturas mínima e máxima do dia), o que significa que é cada vez mais frequente encontrar dias cada vez mais variáveis na temperatura.
Outros fatores
Além das altas temperaturas, a bióloga apontou que a falta de chuva e o aumento de desmatamentos também podem prejudicar a florada.
“Se tiveram desmatamentos próximos, ao entorno, também pode influenciar na temperatura. A disponibilidade de água no solo também influencia. A florada da cerejeira já não dura muito. Ela não vai morrer, ela só não vai florir”, destacou Karla.
Para a bióloga é difícil prever se a florada das cerejeiras vai se tornar um evento raro no estado.
“A planta tem mecanismos para se adaptar, porém, geneticamente, ela tem sua programação. Ano que vem pode não ser igual a esse ano, mas se a gente continuar com um aumento de temperatura, é difícil dizer. Está tudo muito atípico”, finalizou.
Fonte: g1