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HABITATS FRAGILIZADOS

Seca na Amazônia põe guardiões de peixes-bois e botos em alerta para evitar mortes

17 de julho de 2024
5 min. de leitura
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Foto: Fernanda Farias/Ampa

O baixo nível das águas dos rios da bacia Amazônica preocupa autoridades e moradores, mas também equipes que fazem resgates dos mamíferos aquáticos da região. Animais como os botos, que no último ano encalharam às dezenas em lagos secos, e também os peixes-bois, que chegam a pesar mais de 400 quilos, podem ficar presos em poças de lama, expostos à caça, declarada ilegal há quase 60 anos, em 1967.

O Laboratório de Mamíferos Aquáticos do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (LMA/Inpa) recebe regularmente filhotes resgatados, geralmente pequenos órfãos da caça. Este ano o projeto mantém 65 indivíduos em reabilitação, a maioria peixes-bois, mas também ariranhas.

“Nossa maior preocupação no momento é não sermos pegos de surpresa”, afirma a chefe do LMA, a pesquisadora Vera da Silva, há 45 anos dedicada à preservação de espécies típicas do Amazonas. Na última quinta-feira (11), uma reunião juntou pesquisadores, forças de segurança e organizações ambientais para a elaboração de um plano conjunto de resgate a mamíferos aquáticos em meio a seca que se anuncia no estado.

“Um peixe-boi de 200 quilos, atolado em uma poça de lama, em um local remoto. Como se resgata esse animal?”, ilustra a pesquisadora, para destacar a necessidade de planos detalhados e atribuições para cada ente envolvido nessa logística, desde o transporte fluvial, aéreo, cuidados veterinários.

No ano passado, na região de Tefé, mais de cem animais apareceram mortos em menos de uma semana. Com calor e seca, a temperatura da água chegou a mais de 39°C em um lago da região. Este ano, com um mapeamento e integração do monitoramento, a expectativa é ter um atendimento mais ágil em caso de emergências como a que se viu em 2023.

“O ano passado foi uma das secas mais severas que tivemos nos últimos 100 anos, e tivemos em dois lagos da Amazônia as cenas de muita mortandade, mais de 350 botos-vermelhos e tucuxis [ambos golfinhos de água doce] com mortes registradas em função do aumento da temperatura da água e do ar. Estamos nos organizando para estarmos preparados para outra eventualidade, em outras regiões fora de Tefé. Aqui no Inpa vamos trabalhar desde Coari até Manaus”, explica Silva. A distância entre os dois municípios é de 370 quilômetros, um trajeto repleto de lagos às margens do rio Amazonas.

Relação entre filhotes resgatados e caça ilegal

Os filhotes de peixe-boi que chegam ao Inpa tem, de modo geral, duas origens. A caça direta da mãe, que deixa o filhote órfão (peixes-bois dependem de leite materno até os dois anos de idade). “Fica o filhote, que o ribeirinho bota num tanque, uma caixa, e dependendo do tamanho, pode amarrar e deixar na beira [do rio]”, conta Silva.

Outra causa frequente é a captura acidental em redes de pesca. Desde os primeiros registros de descobrimento da região, sabe-se que a carne de peixe-boi é consumida no Amazonas. A caça foi proibida, mas até hoje a espécie é considerada vulnerável pela IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza) e pelo ICMBio, instituto do governo federal.

As comunidades avisam as secretarias ambientais municipais, que recebem a informação e acionam órgãos ambientais como a Polícia Militar Ambiental ou o Ibama, que levam os filhotes para reabilitação no Inpa.

Reabilitação leva animais de volta à natureza

A partir de pesquisas com reprodução em cativeiro, o LMA desenvolveu uma receita de leite, que é dado aos filhotes na reabilitação. Eles ganham peso e passam a habitar os tanques da instituição, até mudar de dieta para folhas e verduras.

Um peixe-boi adulto consome cerca de 8% do seu peso diariamente em alimentos. Uma vez crescidos, os animais mais saudáveis são levados a fazendas parceiras, onde passam por um período de adaptação que pode levar até dois anos. Ali eles devem desenvolver seus hábitos selvagens, perdendo a intimidade com humanos, o que será crucial para sua sobrevivência.

“Se percebemos um animal que se aproxima ao ver pessoas, ou fica boiando e se expondo muito, sabemos que ele não está pronto para voltar à natureza, pois estará muito vulnerável. Nos tanques, esse animal nunca viu um peixe, um jacaré, um boto, ele é ignorante sobre o ambiente aquático”, explica a chefe do laboratório do Inpa. “Vamos soltar 23 que estão em um lago sendo preparados. Este ano vão ser soltos 10 ou 12.”

Todo ano, o LMA recebe entre 8 e 15 filhotes, e a falta de recursos dificulta reabilitar todos. A viagem de soltura em reservas ecológicas leva um dia e uma noite, em que os peixes-bois vão em piscinas de fibra dentro do barco, com dois ou três animais por tanque.

Ex-caçadores participam do monitoramento

Uma vez soltos, eles levam um transmissor para serem monitorados por agentes da comunidade treinados pela Inpa. “Trabalhamos com ex-caçadores, com sucesso no monitoramento e conservação. Fazemos trabalho de educação para criar comunidades amigas do peixe-boi, que nos passam informações, protegem. É um trabalho gigantesco que envolve várias pessoas, e precisamos sempre de recursos para dar continuidade ao resgate, reabilitação e soltura”, afirma Silva.

No final de 2023, a fundação ligada ao parque SeaWorld, em Orlando (EUA), anunciou uma doação ao LMA/Inpa de R$ 1 milhão, com pagamentos previstos durante três anos.

“Os mamíferos aquáticos amazônicos são ameaçados de extinção e precisam ser protegidos, cuidados. A mortandade natural causada pela mudança climática, mais a captura acidental e a direcionada, vão reduzir essas populações, e uma vez extintos é para sempre, porque eles só ocorrem nesta região. Temos a obrigação de proteger esses animais, que têm um papel ecológico muito importante para os rios e a saúde do ecossistema aquático amazônico”, afirma Silva.

Fonte: Um Só Planeta

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