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CRISE CLIMÁTICA

Seca é 'catástrofe global em câmera lenta', alerta relatório da ONU

Documento aponta perdas severas na produção de alimentos, falta de água, apagões e colapso de ecossistemas em várias partes do mundo desde 2023. Brasil aparece com destaque por impactos extremos na Amazônia.

2 de julho de 2025
Roberto Peixoto
7 min. de leitura
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Vista aérea mostra homem de moto no Lago Tefé, afetado pela seca do rio Solimões, durante voo de monitoramento do ICMBio em 4 de outubro de 2023. Foto: REUTERS/Bruno Kelly

As mudanças climáticas e a pressão sobre recursos hídricos provocaram alguns dos períodos de seca mais extensos e prejudiciais já registrados desde 2023, aponta um novo relatório apoiado pela Organização das Nações Unidas (ONU), divulgado nesta quarta-feira (2).

O estudo, intitulado “Drought Hotspots Around the World”, foi elaborado pelo Centro Nacional de Mitigação da Seca dos Estados Unidos (NDMC, na sigla em inglês) em parceria com a Convenção da ONU de Combate à Desertificação (UNCCD).

O relatório apresenta um panorama dos impactos da seca até os dias atuais e destaca que regiões como o sul da África, o Mediterrâneo, o sudeste asiático e a América Latina enfrentaram no período os efeitos mais severos do fenômeno.

E esses eventos, segundo a pesquisa, não são mais exceções: estão se tornando parte de uma nova realidade global impulsionada pelo aquecimento do planeta e pela má gestão dos recursos naturais.

No Brasil, a seca extrema que atingiu a Amazônia entre 2023 e 2024 é descrita como um dos eventos mais graves do período, com impactos profundos sobre os ecossistemas e as populações ribeirinhas do bioma.

A estiagem fez os níveis dos rios caírem a recordes históricos, provocando a morte de animais, comprometendo o abastecimento de água, a navegação e o atendimento básico de saúde em áreas isoladas do norte do país.

“A seca é uma assassina silenciosa. Ela se infiltra, drena recursos e devasta vidas em câmera lenta. Suas cicatrizes são profundas”, afirma Ibrahim Thiaw, secretário-executivo da UNCCD, em um comunicado.

Impactos devastadores em diferentes continentes

Ao todo, o relatório analisou centenas de fontes governamentais, científicas e da mídia para destacar os impactos do fenômeno nas mais diferentes regiões do globo.

Segundo o estudo, na África Oriental e Meridional, mais de 90 milhões de pessoas enfrentam fome aguda, com algumas áreas vivendo a pior seca já registrada. Já na África Austral (região que engloba países como Angola, Botsuana, Malauí, Moçambique, África do Sul), cerca de um sexto da população, ou o equivalente a 68 milhões de pessoas, precisava de ajuda alimentar em agosto de 2024.

“A seca não é mais uma ameaça distante”, acrescenta Thiaw. “Ela já está entre nós, se intensificando, e exige cooperação global urgente. Quando energia, comida e água falham ao mesmo tempo, as sociedades começam a desmoronar. Esse é o novo normal para o qual precisamos estar preparados.”

Na Somália, as autoridades locais estimam que 43 mil pessoas morreram apenas em 2022 devido à fome relacionada à seca. No início de 2025, 4,4 milhões de pessoas, um quarto da população somaliana, enfrentavam insegurança alimentar crítica.

No Mediterrâneo, a Espanha viu sua safra de azeitonas cair 50% em setembro de 2023, dobrando os preços do azeite de oliva no país.

Já no Marrocos, ainda de acordo com dados do relatório, o rebanho de ovelhas era 38% menor em 2025 comparado a 2016.

Na Turquia, a seca intensificou o uso de aquíferos subterrâneos e acelerou o esgotamento desses reservatórios, provocando o surgimento de mais de 1.600 dolinas, grandes crateras no solo que colocam em risco comunidades e estruturas urbanas.

“As dificuldades enfrentadas por Espanha, Marrocos e Turquia para garantir água, alimentos e energia em meio à seca persistente oferecem um retrato do que pode ser o futuro hídrico com o aquecimento global fora de controle. Nenhum país, independentemente de sua riqueza ou capacidade, pode se dar ao luxo de ser complacente.” — Ibrahim Thiaw, secretário-executivo da UNCCD.

Destaque para o cenário brasileiro

Na Bacia Amazônica, que inclui grande parte do território brasileiro, o relatório cita os níveis recordes de baixa dos rios em 2023 e 2024 que levaram à morte em massa de peixes e mais de 200 golfinhos ameaçados de extinção.

A situação interrompeu também o fornecimento de água potável e transporte para centenas de milhares de pessoas, afetando especialmente comunidades ribeirinhas que dependem dos rios para sua sobrevivência.

No período, o Rio Amazonas, que corta o território brasileiro, caiu ao seu nível mais baixo já registrado em algumas áreas, deixando moradores isolados e cidades inteiras sem água potável.

Os níveis de água caíram tanto que o número de navios autorizados a cruzar a rota foi reduzido em um terço, afetando o comércio global. Exportações de grãos e alimentos foram atrasadas, e redes de supermercados no Reino Unido relataram falta de produtos como frutas e vegetais.

“Esse não foi um período seco comum. É uma catástrofe global em câmera lenta, a pior que já testemunhei”, afirmou Mark Svoboda, diretor fundador do NDMC e coautor do relatório. “O estudo mostra a necessidade urgente de monitorar os impactos da seca sobre as vidas humanas, os meios de subsistência e os ecossistemas dos quais todos dependemos.”

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