Os pesquisadores ficaram um tanto incrédulos, quando os dados de satélite começaram a chegar. A baleia, uma fêmea marcada com um sensor, pôs-se a mergulhar cada vez mais fundo, ao largo da costa do Rio Grande do Sul, até ultrapassar 300 m de profundidade — coisa um bocado incomum para a espécie.
Os mergulhos, de meia hora, repetiram-se várias vezes ao longo de dias, conforme a fêmea de jubarte (Megaptera novaeangliae) deixava as águas mais quentes do Brasil em busca de sua área de alimentação, na Antártida.
Ninguém sabe o que significam esses “pit stops” nas profundezas. Mas, se forem comuns, podem desfazer alguns dogmas sobre o comportamento dessa baleia, famosa por dar enormes braçadas.
A questão é que as jubartes, bem como outras baleias migratórias, seriam as rainhas do regime radical. Acreditava-se que esses animais passariam quase todo o período de reprodução de boca fechada, sobrevivendo com a ajuda de reservas de gordura adquiridas nos bufês de krill (pequeno crustáceo) do mar antártico.
Na volta, os cetáceos afinariam num ritmo alucinado, fenômeno piorado, no caso das fêmeas, pelo gasto de energia ligado à amamentação. E o ciclo recomeçaria.
Se a coisa funcionasse mesmo assim, “o que se esperaria é que os bichos fossem direto para a área de alimentação o mais rápido possível, para minimizar o gasto energético de migrar, nadando rápido e no raso”, explica o oceanógrafo Alexandre Zerbini, que trabalha no Laboratório Nacional de Mamíferos Marinhos dos EUA e no Instituto Aqualie no Brasil.
Zerbini é um dos especialistas responsáveis por analisar os dados que indicam um cenário mais complicado.
“Provavelmente, se essa mãe faz isso [os mergulhos profundos], outros animais devem fazer, mas só colocando mais transmissores para a gente ter certeza”, disse.
Satélite
As informações vêm dos testes de um tipo inovador de transmissor por satélite, que ainda não tinha sido usado para estudar as rotas de migração das jubartes.
O diferencial do aparelho, que Zerbini compara a um “piercing” de baleia, é a presença de um sensor que envia informações sobre a profundidade do animal, e não só sobre sua posição geográfica.
Isso é possível porque o sensor detecta a pressão da água, informação convertida em dados de profundidade.
No caso que deixou os pesquisadores surpresos, a fêmea foi marcada em 2 de novembro de 2012, na região de Abrolhos, e o transmissor enviou dados sobre sua rota até o último dia 20 de abril.
Os cientistas trabalham com duas ideias para explicar o que as jubartes andam aprontando lá no fundo. A primeira é a de que elas estariam fazendo uma boquinha.
“A área dos mergulhos é associada à chamada elevação do rio Grande, montanhas submarinas entre o Rio Grande do Sul e o Uruguai”, explica Zerbini. É o tipo de lugar em mar aberto onde pode haver correntes carregando nutrientes do fundo para a superfície e, portanto, comida para os bichos.
Outra possibilidade envolve a presença de túneis acústicos — áreas em que as propriedades da água, como sua densidade, são favoráveis à propagação de som. Em tais locais, as jubartes, altamente sociáveis, poderiam ficar na escuta, à espera dos chamados de companheiros.
O fato, independentemente de qual seja a explicação correta, é que ainda há muito a descobrir sobre o comportamento das jubartes.
Nunca ninguém acompanhou por satélite o mesmo indivíduo durante um ano inteiro –Zerbini e seus colegas acabam de bater o recorde de e monitoramento seguindo outro exemplar da espécie por 240 dias.
“O que atrapalha é o comportamento social dos bichos, que envolve muito contato físico. Os transmissores acabam sendo arrancados.”
Por isso mesmo, o desenvolvimento de novos equipamentos mais resistentes tem sido patrocinado pela empresa Shell, que se interessa pelas suas aplicações para avaliar e mitigar potencias impactos aos animais causados por atividades ligadas à exploração de petróleo.
Fonte: Folha de S.Paulo