O abandono de animais nas ruas de Salvador(BA) aumentou quase oito vezes desde o início da pandemia de covid-19, resultando em uma população de cerca de 300 mil gatos, cachorros e outros animais soltos pela cidade. As estimativas apontadas pela Comissão de Ética, Bioética e Bem-estar Animal do Conselho Regional de Medicina Veterinária da Bahia (CRMV-BA) evidenciam a urgência da implementação de políticas públicas direcionadas para os animais de rua na capital baiana.
Basta circular rapidamente por alguns bairros para ver cachorros e gatos nas praças e ruas, além de cavalos deixados em campinhos e vizinhança de prédios, um sinal de que a criminalização do abandono – Leis 9605/1998 e 14.064/2020 – não tem intimidado a prática. Há até mesmo casos de cachorros e gatos jogados de viadutos, como registrado ano passado na Baixa de Quintas.
“O que tinha de ter sido feito era pegar os animais, castrar e soltar. Existem vários trabalhos mundiais que provam que, se a gente faz isso, em cinco a dez anos a gente consegue controlar a população de animais de um local”, argumenta a presidente da Comissão de Ética e Bem-estar do CRMV-BA, Ilka Gonçalves. Ela ressalta a necessidade da adoção do conceito de saúde única, uma visão que integra a saúde ambiental, humana e animal.
Em locais como a colônia dos gatos de Piatã, área na orla onde dezenas de felinos são encontrados, é possível ver animais claramente doentes em contato entre si e com fácil aproximação de pessoas. “Se tivesse um monitoramento das colônias de gato, com ação da prefeitura junto, a gente não teria tanto atendimento de esporotricose nos postos de saúde e nos hospitais para humano”, defende a veterinária.
Em sua avaliação, dois castramóveis são insuficientes para atuar com alguma eficácia na contenção da população animal nas ruas, pois cada um deles atende apenas 600 animais por mês, totalizando 1,2 mil procedimentos mensais. A veterinária considera o acesso ao serviço complicado, pois o animal precisa ser levado até o veículo por alguém que assuma essa tutela, mesmo de forma temporária.
“Pessoas em situação de rua têm muitos animais e, querendo ou não, o cão é uma proteção para essas pessoas, mas esses animais não têm acesso ao serviço médico veterinário”, comenta a presidente da Comissão, defendendo que eles sejam transformados em cães comunitários. Implantado em cidades como São Paulo, o projeto consiste em fazer a castração, colocar um microchip no cachorro e realizar um trabalho de educação na região onde ele costuma ficar, motivando que todos cuidem do bicho.
Protetoras
Na sua atuação contra os maus-tratos, a Comissão está sempre em contato com as ONGs e as protetoras de animais independentes, e tem buscado abrir espaço para um maior apoio a esses grupos. “A gente tem muitas protetoras cadastradas e elas estão dispostas a pegar esse animal na rua, fazer pós-operatório”, conta Ilka, classificando essas pessoas como agentes de saúde.
“Não existe um planejamento, nenhuma ação de controle populacional. Eu acho que tudo começa no controle da população desses animais, porque se você não controla fica inviável atender a tantos bichos”, reforça a vice-presidente da União de Proteção Animal de Salvador, Márcia Maria Menezes. A entidade atua no auxílio a protetores independentes, levando animais para feiras de adoção, recolhendo doações e distribuindo ração e medicamentos.
Márcia reconhece a impossibilidade de conseguir um lar para todos os animais errantes existentes na cidade, por isso defende o processo de captura, esterilização e devolução (CED). Para entender a importância da castração, ela explica que uma gata pode reproduzir em intervalor de 70 dias, parindo entre 4 e 7 filhotes. As gatinhas fêmeas, por sua vez, estarão aptas a reproduzir a partir dos quatro meses de vida.
“Esses animais que estão na rua, eles são recolhidos, ajudados e amparados pelos protetores, pessoas que são ativistas e estão nas ruas cuidando desses animais. Então quando o animal que está na rua é atropelado, se quem atropelou não der socorro, ele fica na rua agonizando”, lamenta Márcia. Em sua opinião, falta preparo dos gestores, atuais e anteriores, pois as ações são direcionadas apenas para animais com tutor.
A avaliação é compartilhada por Tânia dos Reis de Jesus, integrante de um grupo de protetoras com atuação no Centro da cidade, ela, por exemplo, fica atenta aos animais da Baixa dos Sapateiros. “Tem que ter um olhar diferenciado para os animais de rua. Se não fosse gente como nós, a situação estaria pior, Salvador estaria um caos”, afirma.
Tânia defende o cadastramento de protetores de animais, por região, e o fornecimento de um auxílio contínuo, pois no seu entendimento, essas pessoas assumem um papel do poder público. “Quando vejo uma cadela no cio na rua, eu ‘sequestro’ e faço pedido de ajuda nas redes sociais, para poder castrar e fazer o pós-operatório de dez dias, porque a gente não tem onde fazer isso. Quando ela se recupera, levo de volta e insiro no ambiente”, exemplifica.
Fonte: JC