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ESPERANÇA

Salto olímpico da recuperação: como o ameaçado mico-leão-dourado saiu de 200 animais para 4,8 mil em meio século

2 de agosto de 2024
9 min. de leitura
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Foto: Getty Images

Dono de uma pelagem de cor ruiva à dourada que lhe confere o nome popular, o mico-leão-dourado (Leontopithecus rosalia) é uma espécie tão carismática que ganhou até um dia em sua homenagem: 02 de agosto celebra o animal que se tornou símbolo de conservação no Brasil.

A espécie endêmica do Rio de Janeiro, encontrada nas regiões de mata baixa do estado, quase desapareceu na década de 1970, com cerca de 200 animais vivendo na natureza. Após um árduo e coletivo esforço de conservação, atualmente mais de 4,8 mil animais correm livres em seus habitats.

Uma história de sucesso que começou com o olhar sensível e preocupado do primatólogo Adelmar F. Coimbra Filho, pioneiro nos estudos da biologia e conservação dos mico-leões. Diante da iminente extinção da espécie, ele estabeleceu as bases para um programa de salvamento do mico-leão-dourado no estado.

O trabalho em rede, iniciado há mais de meio século contou com apoios importantes, como o Instituto Smithsonian, que gere o Zoológico Nacional de Washington, o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF, extinto em 1989) e a Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (atualmente INEA-RJ), além do Centro de Primatologia do Rio de Janeiro (CPRJ).

Passo significativo para a recuperação da espécie foi dado em 1974 com a criação da primeira Reserva Biológica do Brasil, o Poço das Antas, unidade de conservação que possui o caráter mais alto de proteção, sob gestão do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), situada nos municípios de Silva Jardim e Casimiro de Abreu, a cerca de 120 quilômetros do Rio de Janeiro.

Desde os anos de 1990, o esforço de preservação, proteção e estudo do animal e de seus habitats na Mata Atlântica é liderado pela Associação Mico-Leão-Dourado (AMLD). Em entrevista ao Um Só Planeta, Luís Paulo Ferraz, secretário-executivo da AMLD, explica que a redução da população do mico caminhou de mãos dadas com a destruição da Mata Atlântica, bioma que hoje possui apenas 12% de florestas bem preservadas e maduras, em relação à sua cobertura original.

“As matas de Mata Atlântica de baixada do Rio eram as áreas mais aptas para desenvolvimento econômico no estado. E, ao longo da história, passou por todos os ciclos e atividades, como a cana-de-açúcar, café, pasto, exploração de madeira, o que gerou uma degradação devastadora. Como os micos vivem numa área de no máximo 500 metros de altitude, eles ficaram espremidos nessa parte entre o pé da serra e uma série de fragmentos florestais”, conta Luís.

Foto: Andreia Martins/AMLD

Este processo foi um golpe para a espécie. A fragmentação resultou em populações isoladas, dificultando a circulação natural dos micos e limitando seu território, o que afetou a reprodução e a viabilidade genética desses animais. Com a separação das populações e menor variabilidade genética, maior o risco de consanguinidade, o que torna a espécie mais vulnerável a doenças e mudanças ambientais.

Outro problema trazido pela expansão predatória sobre os habitats dos micos foi o tráfico internacional de animais. Com a chegada dos portugueses, o macaquinho de cor de laranja chamou a atenção do mundo. Muitos deles foram levados do Brasil para fora e também serviam de “pet” para famílias mais abastadas. “Ele acabou sendo punido pela sua própria beleza, pela sua aparência, pelo seu tamanho, pelo seu carisma e simpatia, e o tráfico se transformou em um fator forte”, diz Luís.

A presença do mico leão dourado é um sinal da saúde do ecossistema da Mata Atlântica. Sua sobrevivência depende de habitats florestais conectados e saudáveis. Grande parte dos esforços para a recuperação da espécies passa pela restauração da floresta em áreas críticas para esses animais e na construção de corredores ecológicos. Nesse sentido, a Reserva Biológica de Poço das Antas, que completa 50 anos, foi um passo fundamental não apenas para garantir uma área de proteção integral, mas por permitir, a partir daí, a expansão do conhecimento científico in loco sobre o mico e seu comportamento e dinâmica social.

“Naquela época se conhecia mais sobre mico-leão-dourado em cativeiro do que na natureza”, pontua Luís. E foi com a ajuda de zoológicos e centros de pesquisa internacionais que mantinham micos em cativeiro para fins de conservação e estudo que começou uma iniciativa de reintrodução desses animais no Rio. “Através do Zoológico Nacional de Washington, construiu-se uma rede de cooperação internacional com zoológicos do mundo inteiro enviando famílias de micos inteiras para serem reintroduzidas aqui entre 1986 e os anos 2000. Isso contribuiu decisivamente para melhorar a situação da espécie”.

Envolver os proprietários rurais da região foi outro diferencial, tendo em vista que a maior parte dos remanescentes de florestas estão em propriedade particular. “A gente teve que estabelecer uma relação com essas pessoas para fazerem parte do programa de conservação. O resultado disso foi o aumento do número de Reservas Particulares do Patrimônio Natural”. O município de Silva Jardim conta com 10 reservas que somam mais de 130 mil hectares de área protegida.

O envolvimento desses atores propicia a criação de corredores ecológicos, que facilitam o livre ir e vir dos micos, aumentando a saúde do ecossistema e melhorando as chances de procriação. Os micos são territorialistas. Eles vivem em grupos de 10 animais em média, como uma grande família formada por pais, filhos, irmãos e tios, mas quando o macho chegue em fase de procriar, ele precisa deixar o grupo e encontrar um novo território para criar sua própria família. Eles não atravessam áreas abertas, como as de pastagem, pois têm medo de predadores.

Assim como também evitam rodovias. No Rio, um empecilho para a livre circulação dos bichos era a BR-101. Em 2020, por exigência dos órgãos ambientais, a concessionária que opera a rodovia construiu o primeiro viaduto coberto de vegetação, além de instalar passagens subterrâneas e passarelas menores sobre as pistas ligando os dois lados da estrada. Desde então, foram registradas passagem de mais de 4 mil animais de diferentes espécies, entre eles primatas, marsupiais e roedores – incluindo 700 flagrantes de travessia de micos-leões-dourados.

Os esforços dão uma dimensão do trabalho de recuperação e conservação, e da importância da ação em rede para salvar uma espécie do risco de extinção. As parcerias são vitais. Entre 2017 e 2018, um susto: a população de micos reduziu em mais de 30% após um surto de febre amarela. Foi um baque, mas felizmente de três anos pra cá, os animais estão sendo vacinados — o desenvolvimento da vacina foi coordenado pelo pesquisador da Fiocruz, Dr. Marcos da Silva Freire, que possui propriedade em Silva Jardim.

Agora, a Associação Mico-Leão-Dourado (AMLD) celebra o crescimento da espécie de 2,5 mil indivíduos, em 2019 ( antes de 3,7 mil em 2014), para 4,8 mil, em 2023, data do censo mais recente para a espécie. Essa população se encontra dividida em fragmentos florestais de um total de 53,7 mil hectares de Mata Atlântica.

Por isso, o crescimento populacional não garante por si só a perpetuidade da espécie. Estima-se ser necessário ter 2.000 micos-leões-dourados em, pelo menos, 25.000 hectares de florestas, protegidas e conectadas, para dizer que a espécie está, enfim, salva da ameaça de extinção. Atualmente, o maior bloco de floresta conectada tem cerca de 17 mil hectares e nele habitam cerca de 1660 micos.

O objetivo do AMLD é alcançar esta meta até 2025 ao longo do rio São João, habitat do mico. Com apoio de instituições parceiras como a Rainforest Trust e DOB Ecology, de conservação e filantropia, a Associação já adquiriu fazendas em pontos estratégicos para garantir a conectividade de fragmentos da mata atlântica críticos para os bichos e chegar mais perto da meta, o que permitirá melhorar o manejo dos grupos populacionais, garantido sua viabilidade genética.

Longe de uma corrida que se dá por concluída no ponto de chegada, o trabalho de conservação demanda persistência e paciência com o tempo da natureza, sem perder de vista as ameaças, e precisa ser constante. Até hoje, segundo o diretor da Associação, o tráfico de animais é um problema. Por isso ele reforça a necessidade de ações de educação e conscientização sobre este animais mítico da Mata Atlântica.

É no município fluminense de Silva Jardim que fica o Parque Ecológico Mico-Leão-Dourado, sede da Associação Mico-Leão Dourado. Quem visita o espaço, aberto para passeios agendados, vive uma experiência de ecoturismo aliada à educação ambiental, aprendendo sobre a história da espécie, que tornou-se símbolo da conservação da natureza do país — e da nota de vinte reais.

Por meio de uma torre de observação no parque, é possível ver que onde antes era pasto, agora renasce floresta da Mata Atlântica, e de outro mirante é possível avistar o viaduto vegetado para passagem de animais pioneiro do país e conhecer uma agrofloresta que permite produzir alimentos de forma sustentável. E, claro, na visitação, que envolve trilhas e circuitos variados, também é possível ver os micos na natureza. Todos os recursos arrecadados com a visitação são reinvestidos no programa de conservação da espécie.

Novamente, parceria é chave aqui. Neste dia 02 de agosto, data em que se comemora o Dia Nacional do Mico-Leão-Dourado, a empresa de energia ExxonMobil Brasil anunciou a renovação do apoio à Associação, por meio do FUNBIO (Fundo Brasileiro para a Biodiversidade), um mecanismo financeiro nacional privado, com um aporte de R$ 1,1 milhão.

Esse valor vai ajudar no enriquecimento de 10 hectares em áreas já restauradas, com o plantio de 15 mil mudas de espécies nativas da Mata Atlântica. E também prevê a contínua melhoria do Parque Ecológico do Mico-Leão-Dourado a fim de fortalecer o local como centro de educação ambiental e ecoturismo.

Nos últimos 5 anos, a companhia destinou mais de R$ 4,5 milhões à AMLD, que permitiu o plantio de mais de 34 mil mudas nativas de Mata Atlântica, a ampliação do Parque Ecológico, a inauguração da exposição educativa “Casa do Mico” e a construção de dois decks e uma torre de observação da fauna e flora da região.

Somente em 2023, o parque recebeu mais de 1800 crianças, principalmente de escolas da região, e mais de 1900 ecoturistas do Brasil e do mundo.

Fonte: Um Só Planeta

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