Por Vinicius Siqueira (da Redação)
A religião é uma parte essencial da vida em sociedade. Ela é a forma de uma dada sociedade perceber o mundo, responder questões sobre a criação e sobre o futuro, baseada em crenças que, para seus adeptos, têm uma forte autoridade. Vale dizer que, quando falamos sobre a religião, não necessariamente estamos falando das religiões já conhecidas e reconhecidas no ocidente, mas de todas, desde as presentes nas sociedades indígenas até as mais novas.
Dentro de sua sociedade específica, todas religiões têm sua legitimidade e autoridade e, na sociedade contemporânea, secular, também há um sistema de crenças bem característico, a diferença é que a crença ocidental que emergiu há alguns séculos se passa como uma não-crença: é a ciência.
Em suma, a presença da religião, ou seja, a presença de crenças que explicam o passado, o presente e o futuro, é sempre encontrada em qualquer sociedade, dando significado para o mundo e, inclusive, tendo um espaço particular para indicar o tratamento sobre os animais. As informações são da Época.
No Brasil, segundo o último censo, do IBGE, os católicos ainda estão com o maior número, sendo seguidos pelos evangélicos, espíritas, testemunhas de jeová e umbandistas. Apesar de terem visões diferentes, a relação de cada uma destas religiões com os animais tem um ponto em comum.
Algumas religiões e o que falam sobre os animais
Segundo o Padre Juarez Pedro de Castro, da Arquediocese de São Paulo, a igreja católica respeita e ama a todos os animais, apesar de não conferi-los uma alma racional e inteligente, e, portanto, lhes destinando um destino diferente dos humanos após a morte. “A Igreja sempre considerou a proteção e o amor aos animais como algo importante. A própria Bíblia obriga o descanso semanal não só para o homem como também para os animais”, disse o padre. Também podemos concluir, de acordo com sua declaração, que para a igreja católica, a exploração do trabalho animal não é condenável, afinal, o descanso só é dado àqueles que trabalham.
“Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança. Domine ele sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os animais grandes de toda a terra e sobre todos os pequenos animais que se movem rente ao chão” é o que pode ser lido em Gênesis 1:26 e “Deus os abençoou, e lhes disse: “Sejam férteis e multipliquem-se! Encham e subjuguem a terra! Dominem sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todos os animais que se movem pela terra” em Gênesis 1:28. Estes dois versículos colocam sobre a criação do homem, um pressuposto de superioridade. Ele pode dominar, pode, então, utilizar como instrumento qualquer animal.
Diferentemente da Igreja Católica, a interpretação bíblica da Igreja Adventista do Sétimo Dia realça uma característica curiosa, “Não cremos que seres humanos e animais tenham alma, mas sim que são almas. O conceito bíblico de “alma” não é o mesmo que o apresentado por Platão e pela filosofia grega”, diz o consultor bíblico Leandro Campos, “Pessoas queridas e animaizinhos existirão novamente em nosso Planeta renovado”.
Ou seja, humanos teriam se tornado “pessoas vivas” e animais, considerados “animais vivos”, compartilhariam, também, este processo de torna-se “alma”.
O judaísmo, que tem como principal escritura o Torá, tem uma visão um pouco parecida com a do catolicismo. Segundo o rabino Ruben Sternschein, no Shabat, dia de descanso obrigatório, os animais também são poupados e “Os animais de corte, como vacas e galinhas, são sacrificados com cuidados especiais segundo as leis de cashrut, visando diminuir o seu sofrimento ao máximo. Enfim, temos uma sensibilidade especial pelo planeta, pela natureza em geral e pelos animais em particular”, declarou o rabino da Congregação Israelita Paulista de São Paulo.
De acordo com Jihad Hassan Hammadeh, da União Nacional das Entidades Islâmicas, os animais são respeitados por sua religião, mas os cachorros não podem ser tutelados por humanos, pois, para o islã, sua saliva contém uma substância nociva à espécie humana. Eles só podem se relacionar com humanos se preencherem funções úteis, como cão-guia ou cão-de-guarda. Indo completamente pelo lado oposto, a relação do budismo com os animais parece ser de extrema igualdade, já que, segundo a fundadora da Comunidade Zen-Budista de São Paulo, Monja Coen, nem humanos nem animais têm alma. Segundo Coen, “Há três semanas meu cão, um Akita branco de treze anos, entrou parinirvana. O nirvana final, a grande paz. Fizemos as mesmas cerimônias que fazemos para quando morre um ser humano. A prece antes da morte, a logo após morrer, a prece antes do enterro e durante o enterro e a prece que continuamos a fazer de semana a semana. Acreditamos que até 49 dias após o falecimento completa-se o ciclo de uma vida-morte. Assim oramos e agradecemos a vida que compartilhou conosco e rogamos aos Budas e Bodisatvas que o encaminhem à claridade suprema da sabedoria infinita e compaixão ilimitada”.
O espiritismo acredita na evolução do espírito por transmigração. De acordo com o pesquisador Paulo Henrique de Figueiredo, “Para o Espiritismo, os animais são seres espirituais evoluindo por meio da transmigração, sem ainda possuir a consciência de si mesmo, característica do homem. Um dia, quando ganharem a liberdade de escolha e uma consciência contínua, reencarnarão como homens. Como intuiu Francisco de Assis, os animais e plantas têm uma natureza que os aproxima dos homens. E numa figura poética extraordinária, os chamou de irmãos”.
Os animais podem ser ajudados pelos humanos neste processo, por meio de bons cuidados e ajuda incansável. “Por isso, é importante ensinar as crianças a cuidar bem dos animais, dar a eles carinho e proteção. Já os adultos, precisam refletir sobre o estado de crueldade e escravidão a que estão submetendo os animais destinados ao consumo humano, como bois, porcos e galinhas. Nas granjas, os animais são tratados como coisas sem alma, da mesma forma que os escravos eram considerados na idade média”, afirma Figueiredo.
A umbanda tem bases que se relacionam com o espiritismo e, diferente do senso comum, nenhum animal é utilizado para sacrifícios, no Brasil. Esta é uma prática que se encontra nas raízes do Candomblé, mas que, na Umbanda, foi readaptado. “Para ingressar na nossa Federação, avisamos que não vamos defender quem matar qualquer tipo de bicho. Não apoiamos a matança de animais. Assim como os Espíritas, acreditamos que os animais são seres vivos e possuem alma”, revela Pai Salum, da Federação de Umbanda e Candomblé do Estado de São Paulo. Entretanto, assim como o espiritismo, a umbanda também não tem no veganismo uma prática obrigatória, como continuação da ética para com os animais.
E o abolicionismo?
Este foram relatos de algumas das religiões mais populares e mais influentes. Com certeza não é o relato de todas as religiões, mas é uma fatia importante para se observar que, praticamente em todas (com exceção, talvez, do budismo) nenhuma delas toma um ponto de vista abolicionista em relação aos animais. O respeito aos animais é sempre contornado por citações ou regras que permitem algum tipo de exploração que é equilibrada com outras regras que obrigam os humanos a terem algum respeito com os animais.
As religiões, como qualquer outra criação social, é fruto de seu tempo. Se há um certo tipo de exploração que não é considerada ruim, execrável, ou passível de punição, como a alimentação ou o uso de animais para serviços ao homem, esta exploração supostamente legítima é fruto de uma concepção datada historicamente a respeito dos animais.
Se a visão religiosa sobre os animais que permite sua exploração foi criada socialmente, então ela pode também ser modificada socialmente. Não há nada, além da força do conservadorismo e do comodismo, que impeça uma guinada ética a favor dos animais.