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Saguis superlotam matas da região de Bauru (SP) e se refugiam na cidade em busca de alimento

3 de janeiro de 2011
7 min. de leitura
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Foto: Éder Azevedo

Com cada vez mais frequência, animais antes restritos à fauna silvestre vítimas da devastação dos habitats ocupam a zona urbana e encontram refúgio e comida “sob as asas” de quem, justamente, devasta seu habitat natural. Seja pela voraz degradação da cobertura vegetal ou mesmo por ocupação desordenada das florestas por espécies nativas de reservas ambientais muito distantes, bichos antes raros no asfalto agora já fazem parte do cotidiano, formado por automóveis, prédios, maritacas, javalis, macacos…

Os micos, particularmente na região, protagonizam um problema particular à espécie, mas fazem o homem coçar a cabeça de preocupação.

Sem raça definida – o animal não possui qualquer linhagem específica elencada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) -, saguis originados do cruzamento entre duas espécies distintas superlotam as matas do cerrado em Bauru (SP) e região.

Além do desequilíbrio ecológico, dentro da própria fauna local, o altíssimo contingente também influencia na vida urbana, já que, sem comida no habitat “quase” natural (nenhuma das espécies que resulta nesse macaco é da região) eles vão para a cidade, onde chegam a invadir quintais ou até ser uma ameaça ao trânsito, por pouco não sendo atropelados.

E os transtornos não são apenas na fauna. Atingem também, e de forma grave, o homem. O bicho pode transmitir doenças, algumas bem sérias, à população. “É um problema do ponto de vista biológico. Esses bichos são um reservatório de febre amarela”, cita Rodrigo Agostinho, prefeito de Bauru e estudioso no ramo ambiental. “Há um grande desequilíbrio populacional desse animal”, constata.

A mistura de espécies, propiciada pelo cruzamento entre o popular sagui do tufo preto (Callitrix Penicillata) e exemplares do Callitrix Jacchus, ou sagui do tufo amarelo, resultou no mico que abarrota o cerrado na região central do Estado e, consequentemente, invade as ruas e casas próximas às áreas de mata que circundam Bauru, motivando até a bem humorada e popular denominação “sagui bauruense”.

‘Importados’

O bom humor fica restrito apenas ao fato do mico “surgir” através do cruzamento de espécies de locais diferentes.

Enquanto o sagui do tufo preto, também conhecido por “mico estrela”, é originário do Centro-Oeste brasileiro, o macaco caracterizado por pelagem branca é nativo do Nordeste. A semelhança é que ambos, definitivamente, não deveriam estar no cerrado paulista.

“Eles foram daqui. Até um tempo atrás era comum os macacos serem animais de estimação, eram vendidos no comércio ilegal. Acontece que são mansos quando filhotes, mas depois que crescem, ficam agressivos, mordem. Por isso acabam soltos”, observa o zootecnista Luiz Pires, diretor do Zoológico de Bauru.

O especialista atesta que esse animal, “de raça” ou híbrido, não existia na fauna local. “Foi introduzido. O cerrado bauruense não tinha sagui”, atribui. Entretanto, a “invasão” não é recente, salienta Pires: “É coisa de 50, 60 anos. Só que agora o número está absurdamente grande”, atenta.

Javalis, jacarés e as maritacas também se refugiam na zona urbana

Além dos saguis, a cidade também recebe outros animais que, antes raros, hoje são encarados com naturalidade ao perambularem ou voarem pela zona urbana.

Jacarés do papo amarelo já foram vistos no rio Bauru, ao lado da movimentada avenida Nuno de Assis, assim como não é tão difícil observar javalis na região próxima ao rio Batalha e até mesmo cágados e tartarugas.

Exceto pelo javali e maritacas, que também migram aos montes para a cidade, os répteis, a princípio, não causariam desequilíbrio ecológico. Contudo, os problemas trazidos na bagagem de saguis, javalis e maritacas compensariam essa “folga”.

No caso das aves, periquitos maiores de coloração verde, além do “escândalo” que fazem todas as manhãs do alto de árvores e cabos elétricos, elas também podem causar transtornos graves e perigosos. “As maritacas encontraram no forro das casas um local bem seguro para a reprodução, com abundância de opções para alojar o ninho e longe de predadores”, argumenta Luiz Pires, zootecnista e diretor do Zoológico de Bauru. “Num primeiro momento parecia até bonitinho, mas hoje traz problemas. Quando ela está no forro também rói a fiação elétrica”, atenta.

Já o javali, animal de origem africana, cita o zootecnista, é sério problema em todo o Sul e Sudeste do Brasil. Extremamente agressivo, ele cruza com porcas “domésticas” e origina um animal híbrido de difícil captura. “Ele é rápido e tem hábitos noturnos. Destrói mudas de árvores nas áreas de preservação permanente dos rios”, detalha. “Os outros, como o cágado bigode e jacaré do papo amarelo são vistos na calha do rio Bauru. Mas não preocupam, quando em pequena quantidade”, pondera.

Manejo

Trazidos por traficantes de animais e vendidos ainda filhotes, os micos cresciam e, agressivos na fase adulta, acabavam soltos inadequadamente no cerrado bauruense. Essa é uma das explicações para o cruzamento de espécies e proliferação assustadora.

Mas há quem atribua a reprodução desenfreada do bicho nas matas da região a outro fator: falta de conhecimento. Fonte ligada a órgão público, que pediu para ter sua identidade preservada, afirma que, em décadas passadas, micos teriam sido soltos na mata por entidade pública.

No entanto, não há comprovação científica sobre o fato, assim como não existem estudos sobre a população exata do macaco híbrido no cerrado bauruense. De concreto, sabe-se que o problema cresce sem parar.

Superpopulação gera desequilíbrios na fauna e flora

Na natureza, a superpopulação de espécie híbrida dos saguis, ainda mais em floresta inapropriada, causa sérios desequilíbrios. “A predação deles em ninhos de aves e répteis de pequeno porte está comprovada”, assegura o zootecnista e diretor do Zoológico de Bauru Luiz Pires.

As aves, muitas delas ainda filhotes, abatidas pelos macacos, juntam-se a danos na própria estrutura florestal. “Árvores também são destruídas, por não serem adaptadas a eles”, acentua o administrador do zoológico.

Outro fator que agrava a superlotação de micos híbridos, que podem viver até 20 anos, é a falta de predadores naturais na fauna local. “São muito poucos”, lamenta o zootecnista.

Pequenos felinos, assim como serpentes – especialmente a jibóia – e gaviões – ajudariam a conter o superpovoamento de macacos. Contudo, são animais praticamente extintos ou sob grande vulnerabilidade nas matas da região.

Quando os saguis não atuam como grandes predadores do cerrado, o problema ganha outra face com a migração deles para a cidade ou propriedades rurais próximas das matas, onde mal acostumados pelo homem, os animais são atraídos por alimento fácil.

“É um grande problema. Pessoas de chácaras ou residências próximas oferecem frutas, alimentam esses animais”, lamenta o zootecnista.

Proliferação

Não há estudo que mensure, com exatidão, a quantidade de saguis de raça misturada que povoam áreas de mata próximas da cidade, especificamente nos arredores do Núcleo Geisel, Unesp e Jardim Redendor.

Segundo estima o prefeito Rodrigo Agostinho, estudioso na área ambiental, seriam cerca de 700, mas há quem diga que eles são muito mais.

Fonte ligada a órgão ambiental, sem autorização oficial para declaração identificada à reportagem, assegura que o número é muito maior, numa bola de neve que cresce rumo a um problema ecológico gigante.

O diretor do zoológico também confirma que a proliferação do macaco está sem controle e que é necessário um levantamento minucioso, um “censo florestal” para diagnosticar quantos são os saguis e, ao mesmo, tempo, encontrar formas de conter o crescimento do contingente de macacos. “Precisaria ter urgente um estudo de campo para avaliar todo o impacto que ocorre. Universidades, o próprio Ibama, a Secretaria Estadual do Meio Ambiente, poderiam realizar”, sugere.

O prefeito também defende que um raio X populacional da floresta para diagnóstico do problema seria mais adequado se conduzido por instituição acadêmica e órgão especializados.

De momento, ele pede para que as pessoas não “colaborem” com a proliferação do animal. “Pedimos para a população não alimentar os macacos”, apela.

Fonte: Jornal da Cidade

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